quarta-feira, 14 de outubro de 2009

SÃO VICENTE E O LUGAR DO POBRE



Toda vida de São Vicente, após sua conversão, foi totalmente voltada ao resgate dos marginalizados. O lugar do pobre, no contexto sócio-político-econômico-religioso, era sua grande preocupação. Por isso dizia: “os pobres são meu peso e minha dor”. A condição de miséria dos pobres da França do séc XVII, era um dos maiores tormentos de São Vicente. Para ele, a Igreja deveria tornar-se a casa dos sofridos, aconchego dos desanimados, sustento dos mancos e alegria para os desesperados. Pelo seu ministério diaconal (acreditava ele) a Igreja deveria servir a todos, e preferencialmente, aos pobres. Neste sentido podemos afirmar que São Vicente antecipa as conclusões dos documentos de Medellín, Puebla e Santo Domingo, no que tange a opção preferencial pelos pobres, contra toda condição de miséria a que são impultado os pobres, nossos mestres e senhores.
São Vicente é um santo que está profundamente enraizado no seu tempo, mas paradoxalmente além dele, porque vislumbra o futuro, presente na sua realidade. São Vicente infunde numa sociedade conservadora conceitos como respeito pela dignidade humana, solidariedade aos órfãos e o testemunho evangélico. Em São Vicente, a Igreja é lugar dos pobres.
Para nós, qual é, hoje, o lugar dos pobres? Eles encontram espaço na vida social, religiosa, cultural e econômica do nosso mundo? E na Igreja, que espaço os pobres possuem? Com essas perguntas, todos os vicentinos devem interpelar-se. São Vicente já no séc. XVII debruçava-se sobre estes questionamentos. Segundo São Vicente, os cristãos, e especialmente os Padres da Missão e as Filhas da Caridade, precisam assistir o pobre, tanto material como espiritualmente, pois o anúncio do Reino passa pelo resgate integral da vida. “Que os padres se dediquem ao cuidado dos pobres, não foi isto que fez o nosso Senhor e fizeram muitos santos que não apenas oravam pelos pobres, mas também os consolavam, socorriam e curavam?”[1] Devemos cuidar dos pobres com amor, carinho e compaixão, porque todas as vezes que servimos aos irmãos é ao próprio Cristo que servimos. (cf. Mt 25, 31s)
O pobre na perspectiva vicentina emerge como agente portador de uma dignidade incalculável, pois nele resplandece o rosto do Cristo desfigurado. “Se deixares de rezar para ir ao pobre irmão, Deus nele vais achar”.[2] O pobre é imagem do Cristo necessitado de acolhimento, amor e respeito. Eles (os pobres) são, por assim dizer, sacramento da salvação, pois vivem as mesmas dores que Cristo viveu, sofrem as mesmas humilhações que Ele sofreu. Desta forma, os pobres devem tornar-se, na Igreja, sinal profético e visível de Deus. Grito do Senhor dos exércitos, que clama e conclama a todos.
Percebe-se a necessidade de um novo olhar na sociedade, agora não mais na ótica do poder dominante, mas a partir da visão do pequeno. A Igreja no contexto vicentino deve “elevar-se para servir aos pobres nossos senhores”[3] ,sair das altas castas, descer dos altares de ouro, banhado com sangue inocente e ir até os pobres, pois eles têm muitos a nos ensinar. Precisamos nos deixar evangelizar pelos pobres, porque já dizia São Vicente: “os pobres são nossos mestres e senhores”.[4]
Muitos cristãos, hoje, acreditam que ajudar os pobres é somente dá-lhes um pedaço de pão e despachá-los. Não se questionam acerca das reais causas da miséria, quiçá seja por ignorância, mas a maioria dos casos é por comodismo e omissão. “Evangelizar os pobres não consiste unicamente em ensinar os mistérios necessários à salvação, mas em fazer as coisas preditas e prefiguradas pelos profetas, tornando eficaz o evangelho.”[5] É mister, neste sentido, a busca da valorização do pobre como agente libertador e construtor da sua própria história.
A Igreja deve caminhar, lado a lado com o pobre expressando o caráter profético escatológico do Reino de Deus, anunciado por Cristo e seguido por Santos como Vicente de Paulo. Se quisermos ser Igreja de Jesus, imitadores da pobreza voluntária de Cristo, que sendo rico se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza, urge radicalizar nosso pobreza evangélica, levando uma vida que não nos contradiga quer seja na posse ou no uso dos bens materiais.
Para São Vicente a Filha da Caridade deve colocar a sua vida na sua vocação, isto é, viver de tal modo que esteja sempre pronto para testemunhar Cristo em qualquer tempo e lugar. Só serás quem deves ser como Filha da Caridade, se colocares tua vida inteira na tua vocação. Só então serás Filha da Caridade como deve ser e a partir da raiz da sua consagração, se realizares a tua missão com fé, esperança e amor, com todas as energias de tua vida. Tarefa de tua vida é a aproximação, sempre mais íntima, entre ti e a tua consagração. Tua vocação é tua vida e tua vida é tua vocação. Não dispões de vida privada capaz de desdobrar-se independente e fora de tua consagração, vida que só parcialmente seja superposta por tuas obrigações funcionais. O que fazes como ‘funcionário’ oficial da sociedade visível da Igreja externa deve constituir a lei da tua própria vida pessoal. Teu cristianismo é a tua consagração e vice-versa. [6]
Para vivermos de modo mui próximo ao mestre Jesus como quis São Vicente e Santa Luiza há que renunciar primeiramente a uma vida independente e auto-suficiente; há que fazer dos teus votos e vocação teu cristianismo a fim de que nada em ti esteja além do desejo de alcançar a Deus.
Para encontrarmos Deus é imprescindível um olhar crítico diante da realidade de miséria da maioria da população. Somente sairemos da inapetência moral e do culto aos falsos deuses, quando ousarmos vislumbrar o Deus presente em cada ser humano. Como afirma L Boff: “para saber onde encontrar o Deus vivo e verdadeiro, devemos procurar ver onde a vida é defendida e os pobres são respeitados e feitos participantes da vida”[7] É fundamental entrever não somente a epifania de Deus, mas sobretudo a diafania de Deus, isto é, o Deus que brota de dentro do seio humano. É iminente a Igreja lobrigar o pobre como agente portador desta diafania, ou seja, portador da boa nova.



Pe. Fantico Nonato Silva Borges, CM




[1] Coste, XII, 80-87
[2] Coste, IX, 319
[3] A expressão “elevar-se” faz referência a frase citada no parágrafo: “os pobres são nossos mestres e senhores”. Ora, quem é mestre deve está acima. Por isso, nós, seus indignos servos, devemos subir para servir os pobres, que por sua dignidade devem está sempre no topo de nossas ações.
[4] Coste, XI, 392-393
[5] Coste, XII, 80
[6]Cf. RAHNER, Karl, Novo Sacerdócio, São Paulo, Herder, 1968, p.73.
[7] BOFF, Leonardo. Do lugar do pobre. Petrópolis, ed. Vozes,1997, p. 75

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