terça-feira, 8 de novembro de 2011

TEOLOGIA DOS SACRAMENTOS


1. A PRÁTICA DOS SACRAMENTOS EM CRISE

A crise da prática sacramental na Igreja Católica é um fato corrente na atualidade. De um lado, decorre de situações externas à Igreja, particularmente, do secularismo do mundo urbano. De outro, traduz um desconforto vigente no interno da própria Igreja, onde suas estruturas padecem de certo estruturalismo que às vezes não deixam margem para a renovação do verdadeiro significado dos ritos sacramentais.
As manifestações da crise são variadas e complexas, encetando aspectos positivos e negativos. A crise é positiva, enquanto expressa o questionamento advindo especialmente dos mais jovens, inquietos por maior autenticidade evangélica por parte dos “consumidores sacramentais”. O sacramentalismo, muito presente, a conversão dos sacramentos em meros eventos sociais ou a “abstinência sacramental”, quase total em grupos mais críticos e entre cristãos de vanguarda, são indicadores da crise em seu polo negativo.
Causas e efeitos da crise se misturam e se condicionam. Mais detidamente falando, destacaríamos como principais fatores e aspectos da crise:

1. O secularismo do mundo moderno, onde a perda do sentido de Deus é substuída pela fixação aos ídolos. Os valores evangélicos, estando em baixa no “mercado de valores” da sociedade contemporânea, acaba por desencadear uma crise na vivência dos sacramentos eclesiais.
2. A oferta e consumismo sacramental, numa Igreja convertida em “supermercado de sacramentos”. Neste modelo funcionalista de Igreja, o bom ou o mal católico se classificam conforme o consumo sacramental. Do consumismo chega-se ao individualismo, reforçados por celebrações massivas e despersonificadas, em que os ministros apenas se ocupam com a administração ostensiva dos sacramentos.
3. O ritualismo sacramental, marcado pela rigidez, frieza, formalidade e perda completa de vivacidade e dinamicidade celebrativas. Ao ritualismo agrega-se a perda progressiva do sentido do simbólico, com a conseqüente ausência de vinculação dos sacramentos com a vida e o contexto histórico onde nasceram e presentemente se verificam.

4. Uma concepção mágica dos ritos sacramentais, usados para a obtenção de favores junto a Deus e para menorar o sentimento de culpa de seus “consumidores”.

Em suma, a crise da prática dos sacramentos é reflexo da crise global por que passamos como Igreja. É preciso, urgentemente, repensar a nossa identidade, missão e forma de atuar no tempo presente. Uma prática renovadora dos sacramentos será o reflexo de uma Igreja transformada, feliz e convertida, mais conivente com a mensagem e a prática de Jesus, que nos convida à vida misericordiosa, fraterna e livre.


2. ELEMENTOS PARA UMA SACRAMENTOLOGIA RENOVADA
01. A práxis dos sacramentos, e a própria sacramentologia, se realizam no tempo e no espaço. Participam da historicidade do homem, trazendo consigo os condicionamentos sócio-culturais próprios do tempo e do lugar onde se enraizam. Além disso, estão sempre dirigidos ou vinculados a interlocutores diversos, na pluralidade concreta de suas situações. Surgem daqui duas consequências para a sacramentologia: primeiramente, cabe a esta reconhecer o caráter não absoluto de suas asserções, devendo, pois, se abrir a outros horizontes interpretativos; em segundo lugar, a concretude provisional das realidades e situações humanas, em virtude de sua determinação histórica finita, exige da sacramentologia um esforço ingente de se apropriar dessa mesma concretude, assumindo-lhe as particularidades e riquezas, conflitos e clamores. Somente assim a sacramentologia fará juz à intencionalidade encarnatória da graça, impedindo que o evento sacramental caia no universalismo abstrato e mágico.

02. A realidade sacramental não pertence ao domínio da coisa, do objeto. Trata-se de um evento, de um acontecimento dinâmico e não estático, para o qual convergem e interagem uma multiplicidade de fatores e elementos de tecitura cósmica, histórica, antropológica, teológica e espiritual. Numa palavra, o horizonte específico dos sacramentos é o significado ( e trazido) pela vida.

03. Uma clara compreensão dos sacramentos não pode prescindir-se de um "olhar simbólico" sobre a realidade do mundo e da vida. É na órbita do simbólico e não do técnico onde estão situados os sacramentos. Convertem-se eles no eco profundo da sacramentalidade de todo o cosmos. A criação inteira, por si, é transparência, símbolo de seu próprio mistério, mistério da vida e da graça que lhe habita e impulsiona de modo integrador. No âmbito da criação, o homem é a mais simbólica de todas as criaturas (cf. Gn 1,27). É portador de um mistério, de um "segredo" que, emergindo de dentro, desborda, expressivamente, através dos sinais de seu corpo. Contudo, entre os homens, o pobre, embora seja o mais aviltado em sua corporeidade, paradoxalmente, é o que melhor expressa a pujança dadivosa da vida, através de sua "simbólica" resistência à morte. Coroando e apontando, simultaneamente, para as múltiplas instâncias simbólicas que dinamizam a vida do mundo, os sacramentos cumprem o papel catalisador - e não menos simbólico - de fazer transparecer a força simbólica da presença divina que perpassa todos os âmbitos da existência histórica da comunidade e do mundo em geral. Para uma sacramentologia da libertação, torna-se, pois, da máxima urgência, recuperar o sentido cósmico, simbólico e, na mesma linha, social da vida humana, de modo a excluir uma visão dualista do mundo e da história, cerceadora de uma vivência sacramental mais comungada com o humano, o social e o criacional.

04. O resgate da vida ou da práxis cristã como alicerce estruturante do evento sacramental deve se tornar a preocupação primeira da sacramentologia. Para a fé cristã, como bem testemunham as comunidades do NT, a realidade da práxis ou do seguimento histórico a Jesus antecede aos sacramentos, e não o inverso. Os sacramentos supõem a atitude prévia da fé, que se efetua historicamente no gesto de se colocar junto a uma comunidade que já se pôs a caminho. A vida eclesial precede os sacramentos; institui-lhe o conteúdo e a motivação primeira. Por sua vez, os sacramentos sinalizam a vida, tornando-a mais vigorosa ao fazê-la mais cônscia da graça que lhe habita. Não haja, pois, divórcio entre sacramento e vida, celebração e práxis. Caso contrário, os sacramentos estarão à mercê de toda espécie de manipulação ideológica ou então fadados à percepção mágica e ao nihilismo.

05. Na Cristologia, a sacramentologia encontra seu princípio fundante e permanente. Jesus Cristo e sua vida pro-existente (práxis solidária) instituinte do Reino do Pai constitui o referencial mediante o qual se tridimensionam os sacramentos. Em sua dimensão rememorativa, os sacramentos atualizam, proclamativamente, a memória de Jesus, evocando, junto à comunidade de fé, o seu mistério pascal (como vida-morte-ressurreição solidárias com a causa dos pobres); em sua dimensão comemorativa, os sacramentos levam os fiéis a traduzir, comunitariamente, em sua prática de vida, a memória perigosa de Jesus, como significação de sua presença no mundo; por fim, em sua dimensão prospectiva, os sacramentos antecipam o Reino escatológico, a partir dos sinais proféticos realizados em nome do Senhor.

06. A dimensão prospectiva dos sacramentos traz à tona o qualificativo profético da vida sacramental, não raro negligenciado pelas sacramentologias. A utopia do Reino definitivo prenunciado em Jesus, que induz à concretização de projetos históricos mais sintonizados com a vida futura, gera, invariavelmente, resistências e perseguições. A Igreja, ao se comprometer com a causa dos pobres, porquanto comprometida com o Deus da Vida, toma parte, necessariamente, da conflitividade histórica inerente ao mundo social. Consequentemente, os sacramentos, como marcos significantes da presença da Igreja a si mesma e ao mundo, devem acolher e retratar essa mesma conflitividade, e não ocultá-la. Aliás, o caráter "performativo" da palavra sacramental, cuja intenção é levar o fiel juntamente com a comunidade ao compromisso cristão libertador, perde inteiramente a sua força, quando, no gesto celebrativo dos sacramentos, são negadas ou escamoteadas as tensões e conflitos inerentes à vida da comunidade e da sociedade particular em que vive.

07. Mais do que sinais evocativos da vida cristã, da memória atualizada de Jesus e do mistério do mundo, os sacramentos traduzem a própria festa da vida, da Páscoa e do mundo. Manifestam, com luminosa intensidade, a alegria do sentido profundo de todas as coisas, a beleza do dom gracioso da fé e do compromisso libertador, a graça de se viver em comunidade e de pertencer a uma criação desejosa de plenificação e plausível de recebê-la (cf. Rm 8,22-24). Festa que leva à comunhão. Comunhão que desabrocha em festa. Nos sacramentos, a Igreja está em festa, se realiza em festa, festivamente degusta do "banquete derradeiro", e se doa como festa para o mundo. Nos sacramentos, a comunidade celebra festivamente a própria vida. Vida que é dom e não só empenho, graça e não só tarefa, regozijo de vitória e não só cansaço de lutar, criação e não só reiteração rotineira. Na festa dos cristãos, a vida se torna menos mórbida e mais vida, a luta menos hostil e mais esperançada, o compromisso menos heróico e mais espontâneo. Porém, é preciso lembrar-se sempre de que a festa só será festa se houver vida, compromisso, disposição concreta para crescer em comunhão. À festa dos sacramentos antepõem-se os "festins" cotidianos da práxis de fé.

08. Como manifestação simbólica e festiva da vida eclesial, os sacramentos se configuram em evento de linguagem, ou seja, participam do universo mais amplo da comunicação intergrupal. O mistério de vida simbolizado na "festa sacramental" se faz comunicar sob duas esferas fundamentais: na esfera do gestual-corpóreo e dos símbolos ("comunicação analógica") e na esfera do verbal-narrativo ("comunicação digital"). No que tange aos aspectos formais da comunicação sacramental, a sacramentologia deve não apenas estar ciente, mas positivamente incorporar, de forma menos técnica, talvez, e mais espontânea, questões específicas da comunicação em geral, tais como: a problemática do emissor e do receptor, a questão dos "ruídos" e da "convenção" na linguagem, etc. É preciso cuidar para que a "ação comunicativa" sacramental, clarificada e intensificada em seus múltiplos horizontes, converta-se, a partir das realidades profundas que tende a expressar, em efetivo "evento gerador" de vida e graça.

09. Assim como a Igreja faz os sacramentos, estes também fazem a Igreja. Os sacramentos comportam uma identidade originariamente eclesial. Embora alcancem de modo característico fiéis determinados em momentos precisos e "kairóticos" de sua existência, eles sempre dizem respeito à Igreja toda, assim como a graça é dirigida ao todo (Corpo eclesial) e do todo às partes (membros). Não apenas vinculam ou reforçam o vínculo do fiel (ou fiéis) com a comunidade (o que aliás constitui um dos efeitos salutares de todos os 7 sacramentos), mas também possibilitam que o conjunto da comunidade, de forma acolhedora, solidarize-se com o fiel, participando, a seu modo, dos dons sacramentalmente festejados. Portanto, uma visão individualista da recepção dos sacramentos torna-se incompatível com uma sacramentologia de cunho libertador, em cuja ótica a força do indivíduo esteja dada, (se faz notar) precisamente, em sua pertença à comunidade.

10. Cumpre à sacramentologia determinar, com parâmetros mais comunitários e históricos, a questão da eficácia dos sacramentos. Que se pense a eficácia sacramental não tanto como ação interna da graça no foro íntimo dos indivíduos, mas como ação dinamizadora da vida eclesial, em cujo projeto de caminhada e santidade se inscreve a santificação dos fiéis.

11. Um grande desafio para a sacramentologia é a integração dos 7 sacramentos com os sacramentais populares, o que ainda está praticamente por fazer. Conviria, para isso, assegurar que os 7 sacramentos, em sua grandeza simbólica, não estão fechados a outros sinais que vão sendo criados, manifestos ou densificados ao longo da caminhada do povo. Ao contrário, se dispõem a incorporá-los, tão logo se perceba que podem enriquecer ou ampliar a explicitação dos valores do Reino, sinalizados nos mais diversos âmbitos da vida.

12. Embora constituídos pela Igreja e constitutivos da Igreja, não convém confinar os sacramentos, de modo exclusivo, à vida interna da comunidade eclesial. Cabe à sacramentologia refletir, com mais acuidade, a relação existente entre sacramento e mundo, ou "festa da Igreja" e "festa do mundo", o que não significa olvidar a tensão entre Igreja-mundo, necessária para se evitar que as eficácias históricas se tornem, sem mais, o substituto dos sacramentos.


3. A UNIDADE BATISMO-CRISMA

A prática sacramental da Igreja Latina habituou-nos a conceber batismo e confirmação como dois sacramentos independentes, celebrados em distintos momentos cronológicos e em circunstâncias vitais diferentes. Essa prática eclesial, não é exclusiva. Outra não menos legítima e muito mais sintonizada com a tradição originária é aquela apresentada pela Igreja Oriental, que jamais separou os dois sacramentos, nem pelos seus ministros, tampouco pela ocasião celebrativa.
A prática latina incorre no perigo de fazer com que cada um dos dois sacramentos viva do enfraquecimento do outro. Muitas vezes o teólogo ou o sacerdote é forçado a dizer, buscando um significado para a confirmação, que o batismo não confere em plenitude o Espírito Santo, não obstante a afirmação contrária das Escrituras. Ou então se recorre a uma artificial teologia dos “dons do Espírito”, como se o profeta em Is 11 houvesse de fato feito uma lista de diferentes dons, qual insigne mestre da escolástica. Com efeito, a teologia dos sete dons é equivocada. Além da acomodação feita pela septuaginta ao sexteto originário do texto hebraico (acréscimo da característica “piedade” configurando com o nº 7 o aspecto simbólico de plenitude), a teologia escolar posterior, sobretudo com Tomás de Aquino, ignora o gênio literário semita com suas
simetrias e paralelismos, distinguindo “com mil sutilezas os conceitos de Is 11 que, na intenção do profeta, tinhas apenas a finalidade de expressar com exuberância semítica a ação do Espírito sobre o Ungido”.
A opção por considerar os sacramentos do batismo e da confirmação em sua unidade é reforçada pela tendência atual de reconhecê-los, juntamente com a eucaristia, como sacramentos da iniciação cristã. Um testemunho precoce dessa íntima relação entre batismo e eucaristia encontramos, mesmo que de forma ímplicita, nos Atos dos Apóstolos (cf. At 16,34; 11,3; 9,19). A desagregação da unidade da iniciação cristã se deu por razões históricas. A prática do batismo de crianças, sobretudo de bebês, estimulando o adiamento da eucaristia até que se chegasse ao “uso da razão”, foi o grande responsável. Mas até o Concílio de Trento esta decisão nunca foi hegemônica. Ainda na Idade Média evidencia-se a prática generalizada da comunhão batismal de crianças de colo.
A separação da crisma no conjunto da iniciação aconteceu bem antes, sem nenhum motivo teológico. Quando o batismo passou a ser administrado nas Igrejas rurais, sem se contar com a presença do bispo, foi preciso optar: ou por transferir ao presbítero a totalidade da iniciação (resolução tomada pela Igreja Oriental), ou por separar o banho batismal dos ritos pós-batismais, realizados mais adiante pelo bispo (resolução da Igreja Latina).
Posteriormente, a separação teria na Igreja Latina conseqüências bem graves. O adiamento prolongado da crisma, fato não incomum, permitiu o acesso à eucaristia antes da confirmação, desfazendo-se, com isso, a ordem dos sacramentos da iniciação. A abolição da comunhão dos leigos com o cálice, complicando a participação eucarística das criancinhas, e o desenvolvimento do “realismo eucarístico”, levando os canonistas a exigirem a plena consciência no acesso à Eucaristia, facultou uma equiparação da comunhão das crianças à comunhão pascal dos adultos. Assim sendo, passou-se a exigir uma primeira – e por vezes uma segunda – confissão antecedente à primeira comunhão, baralhando de vez a seqüência da iniciação. “Apresentar batismo e crisma como unidade inseparável significará, pois, uma volta à mais genuína Tradição e talvez resulte em alguma luz para a prática pastoral”.
O batismo de adultos será aqui tomado como ponto de partida para uma teologia batismal-crismal. Com isso não se está questionando a validade dogmática da prática do batismo de crianças. O que se propõe é pensar a teologia do batismo-crisma tendo como referência não as crianças apenas, mas toda a Igreja e cada um de seus membros. “O batismo-crisma não é mero fato do passado; é graça permanente, exigência constante a ser revivescida sempre de novo. A caminhada de fé, conversão e iniciação ao mistério de Deus, não cessa com os sacramentos da iniciação, mesmo quando recebidos em idade adulta. Ela então apenas começa. O batismo-crisma, com a graça que lhe é própria, permanece o ponto de referência constante da vida cristã”. Destarte, o que vale para o adulto valerá também para a criança, chamada a ser educada (iniciada) nessa mesma graça de fé e conversão, no seguimento a Jesus. Aliás, conforme o testemunho dos padres da Igreja, somos “neófitos” durante toda a vida.
E que se assuma o batismo-crisma como sacramento do laicato, do ser cristão. Longe de uma mentalidade clericalista, pelo batismo-crisma tornamo-nos cristãos, laikós, membros do laós, do povo santo de Deus. “Eis nossa dignidade”, dirá Santo Agostinho. “Convosco sou cristão: eis minha dignidade; para vós sou bispo: eis minha responsabilidade” (Sermo 340, 1). Conseqüentemente, a teologia do batismo-crisma se configurará numa súmula teológica da vida cristã, ou seja, do que somos chamados a ser, enquanto Igreja, pela graça de Deus.

4. NOTAS SOBRE O BATISMO DE CRIANÇAS

A decisão de batizar crianças foi de grande relevância na história da Igreja, pois levou a Igreja a transcender os níveis das seitas.Os primeiros dados históricos que possuímos sobre o pedobatismo estão no século II e III, com Hipólito, Orígenes e Cipriano. Se multiplicou no século IV a prática do mesmo, coexistindo com o batismo de adultos. Com a doutrina do pecado original de Santo Agostinho, tendo em vista a alta taxa de mortalidade infantil, o batismo dos recém-nascidos tornou-se a prática batismal de praxe na Igreja, desde a Idade Média.
Na Idade Média, vários movimentos populares (valdenses, cátaros, albigenses), desejosos de maior purificação da Igreja, rejeitaram o batismo de crianças. Foram condenados pelo Concílio de Latrão. O mesmo sucede com os anabatistas no período da Reforma. No atual século, o questionamento do batismo de crianças por parte do teólogo protestante Karl Barth encontrou também adeptos em grupos minoritários católicos da Europa, que ensejaram projetos pastorais de dilatação do batismo, no sentido de respeitar ao máximo a liberdade de ser cristão.
A posição oficial da Igreja face ao retardamento do batismo é de crítica (Cânon 867 do CDC; Instrução Sagrada Congregação de 30/10/80 sobre o batismo das crianças). Argumenta que a criança recebe o batismo "na fé da Igreja", encarregada de educá-la pelos pais e padrinhos; que o batismo não é um atentado à liberdade, porque, como em todos os outros níveis da vida, a criança é um ser socialmente condicionado; que o pedobatismo ilustra melhor que o batismo de adultos a gratuidade e o amor universal de Deus aos homens.
Na América Latina, essa problemática não se encontra na ordem do dia, porque é bem outra a situação social e religiosa do continente. O batismo das crianças não é questionado, se apresentando como algo bem natural, com todos os riscos de uma mentalidade moldada na antiga cristandade. Contudo, a alta taxa de mortalidade infantil na América Latina clama pela medida realista de não adiar o batismo. "Por outro lado, a partir da América Latina surgem outras perguntas, ainda não suficientemente refletidas nem na teologia européia, nem nos documentos eclesiásticos. Por que este respeito quase escrupuloso pela liberdade religiosa da criança por parte de setores do Primeiro Mundo coexiste com uma notável falta de sensibilidade pela liberdade e pelos direitos humanos dos milhões do Terceiro Mundo que morrem de fome ou sobrevivem em condições inumanas? O que deveria causar problema para a consciência cristã não deveria ser o batismo acrítico dos ricos, responsáveis pela marginalização e pela opressão de setores e países pobres?" (V. Codina).
Supostas todas essas considerações, cabe-nos afirmar que não há argumentos bíblicos, tradicionais e teológicos para justificar a obrigatoriedade ou exclusividade do pedobatismo como modalidade de entrada sacramental na Igreja.


5. BATISMO-CRISMA, SACRAMENTO DA FÉ, DA CONVERSÃO, DA INICIAÇÃO.

5.1. O batismo-crisma, sacramento da fé
A compreensão do batismo como sacramento da fé foi sempre marcante na Tradição. Mas não estará o kairós da fé presente em todos os demais sacramentos eclesiais? Importa, portanto, precisar como característico do kairós batismal-crismal “o despertar da fé, a conversão à fé, o início da fé, a fé como dom”. Conforme à narrativa dos Atos dos Apóstolos, é admido ao batismo aquele que, tendo ouvido a mensagem do Evangelho, aceita-a na fé e se compromete a pautar sua vida no seguimento a Jesus.
O batismo é, pois, o sacramento da primeira e fundamental adesão à fé. A prática do batismo de crianças, no entanto, obscurece essa dimensão pessoal da fé e a compreensão da fé como processo. A teologia batismal clássica acabou por valorizar a fé virtude infusa, derramada gratuitamente do íntimo da criança, em detrimento da fé como aceitação da oferta divina e engajamento pessoal. Se o aspecto fundamental da prioridade da graça é ali vantajosamente acentuado (princípio do sola gratia de Lutero), fica a perder o aspecto processual e dialogal da fé, enquanto adesão a exigir conversão. Por ser dom e, por conseguinte, não evidente, a fé corre o risco de ser considerada óbvia, banalizando-se, pois, facilmente (como atesta-nos a prática pastoral).

5.2. O batismo-crisma, sacramento da conversão à fé
Como se lê em At 2,37, tem acesso o batismo aquele que se converte ao Evangelho. A conversão à fé se apresenta aqui como o kairós festejado no batismo-confirmação. O que poderá trazer alguma estranheza em nossos círculos eclesiais onde o convite à conversão não parece tão adequado ao batismo de crianças, onde o tema da purificação do pecado original soa mais importante. As Escrituras, porém, valorizam esta dimensão da conversão, desde que não desconsiderado o primeiro aspecto do batismo como sacramento da fé. Donde a formulação “conversão à fé cristã”.
Os textos batismais neo-testamentários sugerem uma experiência de conversão mediante o movimento de um estado anterior e outro posterior, evocando a passagem de algo negativo para algo positivo. Segundo os mesmos textos, o batismo suscita efeitos negativos no neófito, ou seja, nega o negativo nele presente, concedendo-lhe o perdão dos pecados (cf. At 2,38), a purificação dos pecados (cf. At 22,16; Ef 5,26; 1Co 6,11), a purificação do coração de uma má consciência (cf. hb 10,22), a libertação da morte conseqüente ao pecado (cf. Rm 6,1-11), a salvação no julgamento (cf. Tt 3,5), e outros similares. Por outro lado, o batismo suscita, positivamente, a regeneração e renovação (cf. Tt 3,5), a santificação e justificação (cf. 1Co 6,11; Rm 6), a incorporação ao mistério pascal de Cristo, sua morte e ressurreição (cf. Rm 6, 1-11), o revestir-se de Cristo como exigência do batismo (cf. Gl 3,27s; Rm 13,14; Ef 4,23), à incorporação à Igreja (cf. At 2,41).
O conjunto destes efeitos evoca-nos um movimento de conversão que leva do pecado à graça (vida em Deus). O texto protocristão de Cl 1,13s atesta-o lapidarmente: “Ele nos arrancou do poder das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado, no qual temos a redenção e a remissão dos pecados”. Outro texto (At 2,38) corrobora esta mesma relação batismo-conversão, quando nos exorta:
“Convertei-vos
e seja cada um de vós batizado
em nome de Jesus Cristo
para a remissão dos pecados
e recebereis, então,
o dom do Espírito Santo”
Kairós

Celebração
Negativo (pecado)

Positivo (vida nova)
5.3. O sacramento batismo-crisma, sacramento de iniciação à caminhada de fé
O entendimento do batismo como sacramento de iniciação, além de tradicional, assume as duas dimensões anteriores: fé e conversão. A conversão celebrada como “rito de passagem” descreve a iniciação cristã, em seus múltiplos aspectos.
O batismo-crisma como iniciação alude, primeiramente, à gratuidade da fé. Se para ser cristã uma pessoa há de ser iniciada, introduzida na fé, isto significa que não nascemos cristãos, que a fé não é inerente à natureza humana, mas que nos tornamos cristãos, por graça de Deus.
O conceito de iniciação permite-nos igualmente pensar a fé não como mero saber, mas, fundamentalmente, como experiência e prática, às quais precisamos ser introduzidos. A assimilação pessoal à verdade da fé e a introdução a uma prática transcende uma visão intelectualista da fé muito presente em nossos meios.
Do conceito iniciação deriva ainda o aspecto da fé como processo. Não se chega à fé da noite para o dia. A fé se traduz em confiança, conhecimento, reconhecimento, prática, entrega, amor, supondo um caminho a ser perseverantemente trilhado.
Além disso, o conceito iniciação acentua o caráter eclesial da fé, pois ser iniciado significa ser introduzido num certo grupo humano e com ele aprender a viver a partir de sua tradição. Aliás, toda a Igreja é iniciática, pois cabe a ela, na variedade de seus membros, iniciar o novo cristão no caminho da fé.
Por fim, iniciação possibilita a compreensão de rito e vida numa unidade inquebrantável. A iniciação não se restringe a ritos somente, mas supõe exercícios, provas, engajamento de vida. Os ritos visam às provas ou são expressão de etapas já ultrapassadas.
(CF. TABORDA, F. Nas fontes da vida cristã, p.35-41)



6. A EXPRESSÃO SIGNIFICATIVA DA PARTICIPAÇÃO NO MISTÉRIO PASCAL DE CRISTO

Batismo-crisma-eucaristia compõem, em sua unidade dinâmica, a única iniciação cristã. Iniciação esta ao mesmo tempo una e diversificada.

6.1. As várias tradições batismais cristãs

Não havia nos inícios da Igreja uma forma exclusiva de celebrar o batismo. Até o séc. IV predominaram três tradições: 1) a de Hipólito (baseada em At 8,14-17; 19,1-7), incluindo outros ritos após o banho batismal; 2) a da Didaché (baseada em Mt 28), insistindo apenas no banho batismal; 3) a dos Atos de Tomé [Igreja Siríaca] (baseada em At 10,44-48; 9,17-18), evocando uma unção pré-batismal antes do banho. (Ver quadro anexo)

6.2. A unidade e distinção entre batismo e crisma a partir do mistério pascal de Cristo

Em sua unidade complexa, o mistério pascal, ao expressar a passagem única de Cristo ao Pai, desdobra-se em três momentos distintos: a morte-vida (ressurreição), a volta ao Pai (ascensão) e a missão no Espírito (Pentecostes). A articulação dos mesmos recebe tratos diversos no Novo Testamento. Mateus concentra os três momentos num só evento, sem matizações; João concentra-os, mas distinguindo-os claramente; Lucas separa os momentos, inclusive cronologicamente (Atos = 40 + 10 dias). “Daqui poderíamos concluir, em teoria, por três possibilidades de expressar significativamente em gestos simbólicos a participação no mistério pascal de Cristo: um único gesto simbólico que significasse o todo; diversos gestos simbólicos realizados no contexto de uma única celebração; vários gestos simbólicos realizados em etapas cronologicamente distintas, intermediadas de ‘catecumenatos’. Na realidade, as três possibilidades não são mera conclusão teórica. Na prática eclesial, através dos séculos e das confissões cristãs, elas foram concretizadas: a primeira, nas Igrejas provenientes da Reforma; a segunda, na Igreja Latina, na Antiguidade, e até hoje na Igreja Oriental: a terceira, na Igreja Latina desde há séculos”.
Batismo e crisma brotam da unidade diferenciada do mistério pascal: constituem ambos “um todo de sentido”. Sua distinção, por conseguinte, reside na visibilidade sacramental. O batismo por si já oferece o Espírito e envia à missão. Mas o gesto do banho batismal torna visível apenas o primeiro aspecto do mistério pascal, ou seja, a vitória sobre a morte e o pecado, embora contenha, em germe, os demais. O gesto da confirmação, por outro lado, “visibiliza o aspecto da missão (imposição das mãos), do possessoramento por Deus (assinalação), da doação do Espírito para a missão (unção), do testemunho (perfume), resumindo-se todos esses aspectos num só: o dom do Espírito”.
Se o batismo já é um sacramento completo, por que a confirmação? Para que seja sublinhado com mais visibilidade o aspecto da presença do Espírito e da missão que Ele confere ao batizado, algo tão fundamental à vida no seguimento de Jesus. Em outras palavras, “o batismo já é Pentecostes, já dá o Espírito Santo, pois o Espírito Santo é a remissão dos pecados. Mas nem por isso a crisma se torna supérflua, da mesma forma como a possibilidade de que alguém esteja justificado antes do batismo não torna inútil o batismo (...). Sem que se precise ‘roubar’ nada ao batismo para dar sentido à confirmação, esta se justifica, não é supérflua. Na dimensão do significado, o batismo já é tudo. Na dimensão da expressão significativa, a confirmação vem acrescentar-se-lhe como ‘sacramento adjunto’, que explicita visivelmente um aspecto já contido no batismo. A distinção entre os dois sacramentos é possível por levar-se a sério as dimensões temporal (cf. Atos dos Apóstolos) e fenomenológica (cf. João) da economia salvífica”.
Resta uma pergunta, de grande significado pastoral: como evitar que a distinção entre os sacramentos do batismo e crisma acarrete uma separação e a unidade traga uma indiferenciação?

6.3. Soluções diferentes para um mesmo problema pastoral
A efetiva separação entre batismo e crisma na Igreja Latina não se deu por motivos teológicos, mas por razões pastorais. Foi a solução encontrada com a chegada do Evangelho aos povoados interioranos. Enquanto os presbíteros procediam com o banho batismal, ao bispo ficavam reservados os ritos pós-batismais, apenas ocasionalmente administrados. No Oriente, a solução encontrada fora outra: o presbítero realiza toda a iniciação, reservando-se ao patriarca ou bispo a consagração do míron.
Taborda comenta: “Na solução do problema desempenhará um papel importante a concepção que se tenha do conjunto do batismo. Os Orientais souberam sempre entender os diversos gestos simbólicos do grande batismo a partir de seu ponto central, o banho batismal, enquanto o Ocidente latino vê muito mais os diversos elementos como uma série de ritos que se seguem um ao outro e cuja função pode ser claramente definida”. E continua: “No pensamento da Igreja Oriental a celebração da iniciação cristã corresponde a uma elipse com dois pólos: banho batismal e unção com míron; a da Igreja Latina, a uma linha reta. A elipse não tem começo nem fim; tem centros geradores e só se compreende a partir da unidade dinâmica e da tensão entre os centros. A linha tem começo e fim, vai de A a B, percorrendo a série de pontos entre A e B. Significa que, para o sentir da Igreja Oriental, os ritos particulares são aspectos do único evento da participação no mistério pascal de Cristo”, ao passo que “o pensamento ocidental vê a história como seqüência de acontecimentos”, num lógica que levou a Igreja a celebrar os dois sacramentos cada um por si.
A reforma litúrgica do Vaticano II favoreceu, não obstante, uma concepção mais unitária entre batismo e crisma em solo latino, ao propor o rito de renovação das promessas batismais (cf. SC 71) por ocasião da confirmação. A Igreja Oriental, por outro lado, concede ao míron uma tal importância que, sem ele, nenhum presbítero se habilita a batizar. Isso explica sua dificuldade em aceitar o batismo de necessidade, administrado por leigos aos quais não é permitido o uso do míron. Vemos aqui uma tensão nas Igrejas entre o hierático e o pastoral. Enquanto a do Oriente prefere a segurança da tradição teológica a ter que se adaptar às novas situações pastorais (vide a posição extrema da Igreja Etíope que a partir do séc. XVII preferiu extinguir o sacramento da crisma, por causa das insuperáveis dificuldades na aquisição do míron), a do Ocidente coloca mais peso à realidade, num posicionamento mais histórico e de grande sensibilidade pastoral.
Diante disso, fica para as duas Igrejas este desafio, no tocante à teologia do batismo-crisma: buscar “uma síntese criativa entre a fidelidade oriental à tradição e o dinamismo ocidental diante das exigências do momento”. Para a Igreja Latina, especialmente, vale a recomendação de não cair na tentação de olvidar a unidade da iniciação cristã, em prol de soluções pastorais e teológicas não raro simplistas.


7.TEOLOGIA DO SACRAMENTO DO BATISMO E DA CRISMA

7.1. O que se celebra no Batismo e na Crisma? (fato valorizado)

O Batismo e a Crisma celebram a conversão da práxis histórica no Senhor, ou seja, a reorientação da vida no seguimento a Jesus Cristo.
No Novo Testamento, a conversão cristã é descrita como sendo a passagem do pecado, da lei e da morte para nova existência na graça, com liberdade e vida. Segundo os Atos dos Apóstolos, o Batismo concede o perdão dos pecados, a purificação do coração e a libertação da morte, assim como, de uma maneira mais positiva, exprime a recepção do dom do Espírito Santo com seus frutos recriadores e a incorporação à Igreja, em meio a uma profunda participação no mistério pascal de Cristo (cf. At 2,38).
A conversão possui dois sentidos: um mais antropológico e outro mais teológico. Em seu sentido antropológico, a conversão se torna condição para todos compromisso histórico transformador. Consiste na resposta construtiva a um apelo ético que brota da experiência, no encontro com o semelhante. Na América Latina, trata-se de um apelo oriundo sobretudo do empobrecido. No plano ideológico, a conversão retrata a passagem de uma consciência individualista fechada para uma consciência comunitária e solidária.
Incorporando e dando consistência ao plano antropológico, vemos a conversão em seu sentido propriamente teológico e cristão. São três as suas dimensões:
. Dimensão teológica: conversão dos ídolos alienantes (poder, riqueza, prazer...) ao Deus vivo e verdadeiro, real libertador da humanidade, na qualidade de Amor Absoluto.
. Dimensão cristológica: participação no mistério pascal de Jesus Cristo - com Ele, fomos sepultados na morte e ressuscitados para uma vida nova (Rm 6,4); no seguimento histórico a Jesus, chegaremos ao Deus vivo e verdadeiro, vencendo os grilhões do pecado e da morte pela prática constante do amor solidário.
. Conversão eclesiológica: incorporação à Igreja, corpo do Cristo Ressuscitado, em sua tríplice função sacerdotal (adoração e santificação), régia (defesa do direito e da justiça) e profética (anúncio da verdade); São Paulo nos diz: «fomos todos batizados num só Espírito para sermos um só povo». Introduzindo na comunidade convertida, na vivência amorosa do ideal comunitário de Jesus, a graça batismal da conversão configura, progressivamente, o ser do cristão a pessoa de Cristo, tornando sua existência cada vez mais agradável a Deus.

7.2. Como se celebra o Batismo e a Crisma? (expressão significativa)

A conversão cristã é simbolicamente evocada no rito sacramental do Batismo através da passagem do batizando pela água. Se a imersão na água denota a volta ao caos original (cf. Gn 1,1), a descida aos infernos, submergindo na morte, a emersão retrata o dinamismo da ressurreição, gerador e recriador de vida nova. Realizado «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», o gesto batismal exprime a magnitude de uma nova existência plasmada à perfeita imagem da Santíssima Trindade, chamada, pois, à vida em Comunhão.


Síntese do simbolismo batismal

Imersão Emersão
mergulhar sair
(Gn 1)
Dilúvio - Noé
Mar Vermelho - Moisés
Jordão - Josué
Batismo de Jesus
Novo Jonas: descida aos infernos - ressurreição
Batismo cristão: passagem da morte para a vida
-------------------------------------------------------------------------------------------
água - MORTE água + VIDA
voltar ao caos renascer
descer aos infernos ressuscitar


- Sentido ambivalente da água em todas as culturas: símbolo de morte e vida. Mergulhar na água: voltar ao caos, à fluidez amniótica do útero. Emergir da água: nascer, reviver.
- Simbolismo da água no AT (dilúvio, Mar Vermelho, Jordão): passagem do pecado e opressão para a graça e libertação.
- Significado do batismo de Jesus: solidariedade kenótica com o povo pobre e pecador; recusa da religiosidade oficial e reforço positivo da linha profética do Batista. Símbolo antecipativo de sua morte e ressurreição - Jesus como o "novo Jonas" (cf. Lc 11,29-32).

* Tentativa de atualização
Como atualizar na América Latina essa passagem da morte para a vida? O que significa ser batizado em nosso continente? Trata-se de não abençoar a morte mas dela arrancar todos os que em sub-vida sofrem as suas agressões.
Missão do batizado: vivenciar existencialmente a "ética da descida", prolongando a kénosis de Jesus pela solida riedade com os que estão nos infernos deste mundo (infernos da fome, mortalidade infantil, falta de moradia, subemprego, "Terceiro Mundo" explorado; infernos abismais onde padecem os negros, as prostitutas, os jovens drogados etc); daí, a opção prioritária da Igreja latino-americana pelos pobres.


7.3. Quem celebra o Batismo? (intercomunhão solidária)

O Batismo acontece na fé da Igreja. A fé pessoal de cada fiel está sempre remetida à fé de toda a comunidade crente. Ninguém se converte sozinho para Deus e para o irmão. Uma mútua e rica cooperação de fé e de vida entre os diversos membros da comunidade é o pressuposto necessário para a plena frutificação da graça batismal.
Segundo as Escrituras, cabe aos mais fortes na fé confirmar a fé dos mais fracos. Sendo Deus um Mistério, a fé individual deve remeter-se necessariamente à fé dos outros, para minimizar o perigo de uma falsa absolutização do modo subjetivo de captar a Deus. Crer supõe também a abertura do fiel para dar aos outros a própria fé.

8. TEOLOGIA DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA

8. 1. O que se celebra na Eucaristia? (fato valorizado)

Na Eucaristia se atualiza, sacramentalmente, o acontecimento salvífico da paixão e ressurreição de Jesus Cristo. Como memorial da Última Ceia, a Eucaristia reflete o significado global da experiência histórica de Jesus: «viver para Deus existindo para os homens», doando a vida em solidariedade.
A Eucaristia presentifica o dom do Pai que é Jesus para o mundo. Todavia, pelo dinamismo do Espírito Santo, a entrega de Jesus se converte também em nossa entrega. À medida em que nos torna partícipes do Corpo total de Cristo, a Eucaristia integra-nos a uma única e mesma oblação de vida, no Senhor.
A Eucaristia é, por conseguinte, o sacramento de nossa comunhão com Deus e com os irmãos. Nela se fundamenta a solidariedade eclesial para com todos os pobres.




8.2. Como se celebra a Eucaristia? (expressão significativa)

A Eucaristia se expressa como realidade sacramental no simbolismo do banquete, que, no imaginário bíblico, plastifica o acontecimento do Reino. Em torno de uma mesa e de uma refeição, os convivas estreitam os seus laços de amizade e podem compartilhar a vida. Repetindo os gestos e as palavras de Jesus na Última Ceia, a Igreja se abre à presença sacramental do Cristo ressuscitado, que se determinou a estar conosco até o fim (cf. Mt 28,20).
Tendo abençoado o pão, Jesus o parte e distribui aos discípulos, dizendo: «Tomai e comei: isto é o meu corpo que será dado por vós». Pela bênção, o pão se torna dom de Deus. Partido, recebe a função de alimentar e unir os comensais de um mesmo pão. Referido ao corpo, simboliza a vida toda da pessoa de Jesus, que se doa ao mundo gratuitamente. Feito pão despedaçado, o corpo do Senhor se torna propiciador de vida passando pelo sacrifício martirial da morte.
Tomando o cálice e passando-o aos discípulos, Jesus pronunciou estas palavras: «Tomai e bebei: isto é o meu sangue, sangue da Aliança, que será derramado em favor de muitos...». A nova e definitiva aliança é o derradeiro fruto do dom de Jesus. Bebendo do mesmo cálice, os discípulos entram na aliança inaugurada por Jesus, tornando-se cúmplices de seu projeto de vida: o Reino do Pai. O sangue derramado, expressa a radicalidade da entrega de Jesus,que se fez profeticamente fiel até o fim.

Significado antropológico da refeição e do alimento
. refeição como ato comunitário - é típico do homem saciar-se comunitariamente, sentar-se com outros à mesa e compartilhar a vida; a refeição exprime e intensifica os laços de união entre os convivas (ausência disso: anomalia desumanizante);
. alimento: fonte de vida que provém da vida; quase tudo que comemos provém da vida (animal ou vegetal); sempre nos nutrimos da vida do outro; realidade dramática na sociedade capitalista: pagamos mais barato para comer às custas da vida de outros (trabalho alienado e explorado);
. pão e vinho, em sua história, a história do homem: história de morte e ressurreição, grão e semente lançados à terra, mortos para multiplicarem-se em vida; trigo moído e uva amassada pelo suor do homem;
. na cultura mediterrânea, o pão é alimento símbolo, expressão da subsistência concreta; o vinho retrrata o gozo, a alegria, o extravasamento (a cor vermelha lembra, por vezes, sangue e vida.

Simbolismo bíblico da refeição e do alimento
. alimentar-se equivale a estar vivo; refeição tomada em comum significa haurir-se de uma mesma fonte de vida;
. sacrifício de comunhão: vincula o povo a Javé e o povo entre si via alimento sacrificado comido em comum (cf. Lv 3,1ss)
. Ceia Pascal: refeição simbólica fundamental (anamnética);
. pão e vinho juntos: alimento que sustenta a vida, bens de primeira necessidade (cf. Dt 9,14), nomeados na bênção dos Patriarcas (cf. Gn 49,11s), gozam de valor religioso (cf. Gn 14,18; Ex 25,30);
. vinho confere caráter festivo à ceia; pão é alimento indispensável a ser repartido com famintos (cf. Jr 16,7; Sl 132,15)
. quando irrompe no meio do povo a esperança escatológica, advém com a imagem do banquete festivo da nova aliança (cf. Is 55,1-3).

Refeições de Jesus: sinal antecipativo do Reino
. Jesus apresenta o Reino futuro sob a metáfora do banquete (cf. Mt 8,11s), "boa nova" essa já de alguma forma antecipada em refeições diversas: refeição com pecadores (Levi - Mc 2,15; Zaqueu - Lc 19,5s), com o fariseu (Lc 7,36-50), com Marta e Maria - Lc 10,38-42), a multiplicação dos pães (Mc 6,30-44);
. o típico de Jesus é comer e não jejuar (donde a reprimenda aos fariseus em Mc 2,18); celebra suas festas com alegria (cf. Jo 2,1-11); alegria expressiva da presença do Reino entre os homens, da misericórdia e da solidariedade de Deus para com os últimos;
. nesse contexto geral das refeições de Jesus sobrepuja a última ceia (ceia pascal, em que Jesus assume o rito da ceia judaica, embora com pequenas alterações gestuais de profundo significado: dando de beber o cálice do pai de família a todos os comensais e repartindo o pão com palavras explicati vas): ponto culminante de todas as outras refeições, condensação da práxis solidária de Jesus com os pobres para, a partir deles, engendrar comunhão efetiva entre os homens.

Eucaristia como refeição rememorativa
. a Ceia Eucarística é de que espécie? Difere dos banquetes festivos comuns, como também da última ceia (banquete de despedida e de instituição, ceia pascal anual);
. Eucaristia é ceia rememorativa: um "recordar-se" atuante da parte de Deus (renovação da História da Salvação), cujo conteúdo memorial é Cristo e seu caminho vital proexistente (de Deus-para os homens-para Deus).




8.3. Quem celebra a Eucaristia? (intercomunhão solidária)

A Igreja faz a Eucaristia assim como a Eucaristia faz a Igreja. Na Eucaristia, a Igreja experimenta, celebrativamente, o seu próprio «ser comunidade». Agindo no evento sacramental, o Espírito Santo é o sujeito transcendente de nossa comunhão com Cristo e com os irmãos, meta e plenitude do banquete eucarístico.
A Eucaristia realiza e proclama o ser mesmo da Igreja como comunidade fraternal. Donde as exigências éticas para a realização do sacramento: «não se pode compartilhar o pão eucarístico sem compartilhar também o pão de cada dia». Um mínimo de cumprimento da justiça social será o pressuposto necessário para a efetivação do ágape.
Em suma, a Eucaristia sinaliza a comunhão eclesial, robustecendo a comunhão presente e anunciando a perfeita comunhão escatológica. Constitui ela o «sacramento do Reino de Deus», para o qual convergem todos os demais sacramentos.

Presença real e comunidade reunida
* A presença real de Cristo na Eucaristia não pode ser concebida dissociada da presença dele na Igreja em manifestações diversas ("Ubi Ecclesia, ibi Christus"); urge colocá-la em relação com a expressão significativa da Eucaristia (o saramento causa o que significa) e rever o conceito de "presença".
* Fenomenologia da presença
. presença não é mero estar aí; não significa, primariamente, coexistência física de dois corpos em contiguidade espacial (posso estar fisicamente próximo de alguém, mas efetivamente distante, ausente);. antropologicamente, presença não é estar-junto-ao-outro, mas estar-para-o-outro (posso estar fisicamente distante de alguém mas psiquicamente próximo pelo pensamento ou por um objeto que o recorde);
. presença por amor, em espírito, no conhecimento constitui a verdadeira (e não metafórica) presença;
. presença e corporeidade: o corpo não fica alheio á presença de alguém; que é o corpo? é o próprio homem em relação com o mundo (mediatização expressiva do sujeito no mundo); como objeto desse mundo, o corpo limita a presença do homem, porém, na medida em que este se doa ao outro, partilha sua vida, tanto mais faz do mundo todo o seu corpo
* Eucaristia como presença sacramental de Cristo
. Igreja "Corpo de Cristo", scramento da presença do Senhor; reunindo-se em nome de Cristo para celebrar a Eucaristia, mais densamente se visibiliza essa presença;
. pão e vinho formam o centro corpóreo da celebração; sobre eles está fixada a memória de Jesus, de suas refeições, de sua morte e ressurreição, pela força da palavra;
. relatos da instituição (Mc 14,22-25//Mt 26,26-29 & 1Co 11,23-25//Lc 22,14-20) identificam pão = corpo, vinho = sangue; São Paulo comenta (cf. 1Co 10,14-22): o pão que se parte é comunhão com o corpo de Cristo, o vinho abençoado é comunhão com o seu sangue - pão e vinho interpretados como realidades vinculantes; a presença eucarística constitui um "para nós" (e não um "em si") [transubstanciação -- tranfinalização]; Cristo está realmente presente no pão consagrado, mas sempre como oferta a ser aceita pelo fiel; a finalidade da presença eucarística é Cristo presente em nós (essa é a concepção bíblica, patrística e medieval da Eucaristia, bem distinta daquela que se impôs após o Concílio de Trento, que dava à hóstia consagrada um valor em si mesma - adoração desvinculada do contexto celebrativo, com a consequente perda da dimensão eclesial do sacramento).
* Presença real e comunhão espiritual
. não se deve tomar a presença real no sentido coisista (sacramentalismo mágico)
. sendo um "estar aí para o outro", a presença de Cristo na Eucaristia realizada por meio da Igre-ja exige de cada membro da comunidade uma vida convergida ao seguimento de Jesus; a comu nhão sacramental supõe a comunhão espiritual;
. só "distingue o corpo do Senhor" quem reconhece a presença de Jesus no pobre e age de modo consequente (cf. 1Co 11,29);
. na descrição do lava-pés (Jo 13,1-15), São João situa o verdadeiro sentido da Eucaristia: amor que se molda em serviço libertador ao irmão (celebrando a Eucaristia, a Igreja reafirma e reassume a sua condição de diácona do mundo); no discurso do pão da vida (Jo 6,51ss), o evangelista apresenta Jesus dando sua "carne a comer" (o que significa a sua vida humana histórica, prestes a ser assimilada pelo discípulo).

A Eucaristia e sua dimensão sacrificial
* Entender o sacrifício a partir da expressão significativa: sacrifício sacramental, memorial; ter presente que no Cristianismo sacrifício é a própria vida em seguimento a Jesus, nos mesmos moldes de sua vida entregue ao Pai mediante sua entrega aos irmãos.
* Compreensão neotestamentária da Eucaristia como sacrifício
. o NT vê o sacrifício de Cristo não em chave propriamente cúltica, mas em chave existencial profética (inspira-se na teologia da aliança de Jr 31,31 e do servo sofredor de Is 53);
. tendo como base Hb 10,5, a Ceia do Senhor representa a vitória sobre o culto e seus sacrifícios: no lugar dos objetos do sacrifício emerge o Eu de Jesus.
* Eucaristia: sacrifício no contexto de uma ceia rememorativa
. Eucaristia é sacrifício e anti-sacrifício ao mesmo tempo; a Deus não oferecemos nada que não tivéssemos antes recebido; Eucaristia é "sacrifício de ação de graças".
1. Sacrifício sacramental: a Eucaristia não é novo ato sacrifical, mas recapitulação e atualização do sacrifício histórico de Jesus, realizado uma vez para sempre - o "ephapax" de Rm 6,10 (memória da Páscoa permanente que é Cristo, como passagem perpétua desse mundo ao Pai).
2. Sacrifício espiritual: a Eucaristia é sacrifício no Espírito de Jesus; o Espírito Santo é quem santifica as oferendas (1ª epiclese) e quem transforma a comunidade no corpo do Senhor (2ª epiclese).
3. Sacrifício eclesial: o Espírito Santo torna a comunidade participante da oblação viva de Jesus ao Pai. Referindo-se ás espécimes eucarísticas, disse S. Agostinho: "Sede aquilo que vós vedes e recebei o que vós sois" (Sermo 272).
4. Sacrifício de ação de graças (ou eucarístico): o acesso que temos ao Pai é dom por meio de Cristo. Como ação de graças, na Eucaristia reconhecemos a Deus como Deus e como único absoluto (tudo dele provém, até o bem que realizamos), dispondo-nos a realizar a sua vontade, ou seja, a vivificação do homem (viver em ação de graças = viver em solidariedade). Opõe-se à ação de graças a acumulação, a não aceitação de que o dom de Deus é para todos. Ação de graças é desapropriação suprema (x idolatria): nada temos de nosso, tudo é de Deus, tudo é dos irmãos.
8.4. Compromisso eucarístico, compromisso com a justiça


* A Eucaristia só pode ser celebrada por quem pratica a justiça.
Diz o Sl 15,1s: "Quem, Javé, poderá hospedar-se em tua tenda?... Aquele que procede com honradez e pratica a justiça"

* Assim sendo, está a Igreja em condições de celebrar a Eucaristia hoje? Se não celebra, deixa de ser Igreja, pois da Eucaristia ela é feita. Mas não pode a Eucaristia se converter em sedativo para a injustiça reinante? Reunir-se em torno àmesa eucarística, numa sociedade violentamente desigual e dividida, nã o serà hipocrisia?

* 1a resposta: só pode a Igreja celebrar a Eucaristia na consciência de sua indignidade, "com temor e tremor" (mas também com festiva esperança)

* Resposta decisiva: a Eucaristia só é possível num mundo mais ou menos injusto, em cujo cerne viceja a luta contra o pecado e a injustiça

* A inseparabilidade entre Eucaristia e justiça é questão de fidelidade à memória de Jesus. Uma consciência muito nítida disso vemos testemunhada pelos Santos Padres. Na Didaskalia, o bispo é advertido para não aceitar a esmola de quem seja conivente com a injustiça. No século VII, inclusive, não era readmitido na Eucaristia quem tivesse cometido certos pecados públicos e houvesse lesado ao próximo, concretamente, em matéria de justiça.

* Vivida sem a preocupação de libertar os homens de suas condições subservientes e desumanas, a Eucaristia torna-se um ato inconsistente, vazio e caricatural, deslegitimando a própria Igreja



9. TEOLOGIA DO SACRAMENTO DA UNÇÃO DOS ENFERMOS

a) Fato valorizado

O sacramento da Unção celebra a vitória do enfermo sobre a doença. Momento privilegiado da Graça, o sacramento da Unção visa a reintegração do doente com o seu corpo, com o mundo e com sua própria finitude.
A vitória sobre a doença é vivida existencialmente e na fé como experiência de passagem da morte para a vida, do egoísmo para a solidariedade, do desânimo para a alegria. Como pano de fundo do sacramento, permanece sempre na memória a solicitude terapêutica de Jesus para com os pobres e sofredores.





b) Expressão significativa

A oração da fé associada ao gesto da unção com o óleo compõem a dinâmica simbolizadora do sacramento. Na Sagrada Escritura, o óleo conota alívio e cura, em virtude de suas propriedades balsâmicas.
O gesto de ungir, como ação assistencial, denota a atitude de alguém que vem, dadivosamente, ao encontro do enfermo, reproduzindo a atitude de Cristo. Realizada «em nome do Senhor», a Unção dos Enfermos constitui-se numa presença viva e reunificadora da graça santificante junto ao fiel.


c) Intercomunhão solidária

A Unção dos Enfermos faz a Igreja: restaura a comunhão eclesial do doente, fortalecendo o seu vínculo com a comunidade, outrora enfraquecido por causa da enfermidade. A oferta do sacramento leva a Igreja a abrir-se para o doente, exercendo com maior empenho e caridade a sua solicitude pastoral.
Por outro lado, a Igreja faz o sacramento. A prática da Unção dos Enfermos supõe uma comunidade de fé e a presença de um ministro que a represente. Além disso, espera-se uma participação mais efetiva da comunidade (família, vizinhos, amigos, visitadores) por ocasião da celebração domiciliar do sacramento, como presença solidária orante. Cabe, inclusive, à comunidade rezar regularmente pelos irmãos enfermos.



10. TEOLOGIA DO SACRAMENTO DA RECONCILIAÇÃO

1) Fato valorizado

No sacramento da Reconciliação se celebra o perdão de Jesus oferecido aos pecadores, a partir do qual se delineia a reorientação da opção fundamental de vida da pessoa, até então escrava de si mesma, para Deus e para o próximo. A Reconcliação abarca, sacramental e vivencialmente, todo o processo de volta do batizando para Deus e para a comunidade, no exercício cotidiano da caridade, sob a permanente assistência do Espírito Santo..
A Graça da Reconciliação é dada ao cristão em três níveis:
- como amor eficaz para consigo próprio (auto-aceitação e fidelidade à vocação filial);
- como amor eficaz para com o próximo, para com a Igreja (reconciliação com a comunidade santa, em cujo seio distoa o pecador);
- como amor eficaz para com Deus (união com a Trindade e bem-aventurança de vida).


2) Expressão significativa

A confissão pessoal converte-se, no sacramento da Reconciliação, em expressão externa, comunitária e social da contrição interna do pecador. Manifesta a disposição do pecador para o acolhimento do perdão e para a mudança de vida. A absolvição sacramental outorgada pelo ministro em nome de Deus e da Igreja, evidencia a gratuidade do perdão, como dom advindo de um outro. A satisfação penitencial, por sua vez, constitui o esboço de um novo projeto de caminhada a ser traçado e assumido pelo penitente, assinalando o realismo da conversão.


3) Intercomunhão solidária

A reconciliação com Deus se dá na reconciliação com a Igreja. Conforme à mensagem de Jesus, Deus quis e quer ser amado mediante o convívio humano interpessoal e comunitário. À comunidade toda foi dado o poder de perdoar. Na Igreja, o ministro ordenado apenas preside-lhe o perdão: perdoa em nome da comunidade que o faz em nome de Cristo.

Síntese histórica do sacramento da Penitência
1ª etapa: penitência pública (séc. I-VI): participação direta da comunidade no processo de readmissão do pecador; da excepcionalidade à instituição do rito - ênfase na reconciliação
2ª etapa: penitência tarifada (séc. VI-XII): os monges administram o sacramento tendo como critério livros penitenciários; ações penitenciaiss bastante severas - ênfase na penitência
3ª etapa: penitência auricular (séc. XII-XX): centralização no padre do poder de perdoar (perda do caráter comunitário); preocupação excessiva com a matéria e espécie do pecado; enfraquecimento da ação penitencial - ênfase na confissão



11. TEOLOGIA DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO

1) Fato valorizado

O sacramento do Matrimônio festeja a vida a dois no Senhor. Celebra o amor conjugal de dois batizados como realidade expressiva do amor de Deus para com a humanidade.
Em seu realismo natural, o matrimônio é utilizado pelo Antigo Testamento como metáfora da aliança (cf. Oséias, Jeremias, Cântico dos Cânticos...). No Novo Testamento, simboliza o Reino de Deus. No episódio das Bodas de Caná, o casamento abre-se para o sentido da salvação presente; segundo Efésios 5, a entrega do esposo à esposa deve refletir o amor fiel de Cristo à sua Igreja.

2) Expressão significativa

No Matrimônio, os cônjuges constituem os ministros próprios do sacramento. Além disso, o fato valorizado do Matrimônio se confunde com a própria expressão significativa. São nele sinais sacramentais: o consentimento de viver a dois, a coabitação corporal, a doação mútua cotidiana, enfim, tudo aquilo que exprime o amor conjugal verdadeiro realizado pela vida toda.

3) Intercomunhão solidária

O Matrimônio é lugar privilegiado para se viver como Igreja: é lugar de comunhão. Como «Ecclesíola doméstica», o casal fortalece a Igreja local. Espera-se que o amor familiar seja irradiado para toda a sociedade, como extensão da graça divina.
Por outro lado, o Matrimônio não sobrevive fora da comunidade. O casal ou a família necessitam de seu apoio para progredirem no amor e na fé. A inserção na comunidade de fé é o pressuposto para um Matrimônio permanente e eficaz.


12. TEOLOGIA DO SACRAMENTO DA ORDEM

1) Fato valorizado

O sacramento da Ordem celebra a incorporação de um batizado a um colégio de ministros com a função e o carisma específicos de promover a unidade e a reconciliação numa Igreja local.
É tarefa do ministro ordenado coordenar a comunidade eclesial, integrando na unidade todos os carismas nela existentes, cabendo-lhe a iniciativa de descobri-los e potencializá-los para a tarefa comum da construção do Corpo.
Em virtude de um carisma particular, o ministro ordenado deve zelar por «três unidades»:
a- Unidade na Palavra (múnus de ensinar): garantir a unidade da fé na ortodoxia apostólica e a audácia do testemunho profético por parte de todos os fiéis;
b- Unidade na Ação (múnus de governar): estimular o exercício da solidariedade e da caridade entre os fiéis, harmonizando e intercambiando as diferenças e particularidades do conjunto;
c- Unidade na Liturgia (múnus de santificar): vincular a comunidade local, pela celebração dos sacramentos, à comunhão da Igreja Universal.
O ministério ordenado é, simultaneamente, de índole funcional e sacramental. Como ministério funcional, não possui uma dignidade superior frente aos demais ministérios eclesiais; se apresenta inserido na comum responsabilidade de todos os batizados, embora com sua especificidade própria. Neste caso, o ministro age in persona Ecclesiae.
Como ministério sacramental, representa o ministério de Cristo, convocando a Igreja e enviando-a em missão. Neste sentido, o ministério ordenado exerce uma função de "face a face fraternal", agindo in persona Christi, assegurando à Igreja a possibilidade de ser ela mesma.



2) Expressão significativa

O sacramento da Ordem se expressa pelo gesto da imposição das mãos, seguido de oração consecratória. O gesto da imposição, no Antigo Testamento, é conotador de bênção e de função estabelecida. No Novo Testamento, significa pedido de bênção ou da descida do Espírito Santo, sendo também sinal de envio (cf. At 6,6). Na 1Tm 5,22 fala-se, explicitamente, da instituição de ministros pelo gesto da imposição das mãos.
A oração consecratória, de natureza epiclética, acompanha o gesto de bênção, e se estrutura, formalmente, do seguinte modo:
- invocação ao Pai;
- epiclese (pede-se o envio do Espírito Santo);
- doxologia final (presume-se que o ministério possa servir à glória de Deus).


3) Intercomunhão solidária

Ser ordenado é ser dado a uma comunidade e ser por ela recebido como ministro da reconciliação e da unidade. A dimensão eclesial do sacramento da Ordem se vislumbra, seja na presença da comunidade orante e suplicante na liturgia da ordenação, seja na eleição do ministro por parte da comunidade (que é, ao menos, consultada), seja pela destinação do ordenado a uma comunidade concreta.
Em outras palavras, o ministro vem da Igreja (nasce dela), passa pela Igreja (é encorajado, questionado e acolhido por ela) e existe para a Igreja (se destina a seu serviço).

Um comentário:

  1. Por gentileza, quais estruturas são estas?
    "De outro, traduz um desconforto vigente no interno da própria Igreja, onde suas estruturas padecem de certo estruturalismo que às vezes não deixam margem para a renovação do verdadeiro significado dos ritos sacramentais."
    No 2, o senhor afirma: "primeiramente, cabe a esta reconhecer o caráter não absoluto de suas asserções, devendo, pois, se abrir a outros horizontes interpretativos", que horizonte é esse?

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