terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

RITO E SIMBOLISMO NA VIDA DA GREJA CATÓLICA


RITUALIDADE E SIMBOLOGIA

“Com razão, dessa maneira, considera-se a liturgia como exercício do sacerdócio de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um a seu modo, realizam a santificação do ser humano; e, da mesma forma, o Corpo Místico de Jesus Cristo – isto é, a Cabeça e seus membros – exerce o culto público integral”(SC 7)
A sacramentalidade da Liturgia –
Símbolo – Do ponto de vista antropológico. Na pessoa humana existe um ponto aberto à comunicação do Transcendente. Este ponto originário e central da pessoa humana foi chamado “coração”, “consciência” e “centro da pessoa”.
“Coração” significa, na linguagem da Bíblia, o centro da existência humana, a confluência da razão, da vontade, do temperamento e sensibilidade, centro no qual a pessoa encontra sua unidade e sua orientação interior.
É nesse ponto central onde, através do símbolo e, portanto, na mediação do símbolo, é comunicado aquilo que vem do Transcendente aos corações humanos. Esse ponto é adequado para que Deus encha a pessoa humana com sua Luz, seu Amor e sua Vida divinos. Assim, no símbolo do “murmúrio silencioso” – o “vento suave” de 1Rs 19,12 – Deus enche o coração de Elias.
Do ponto de vista teológico. Toda a imensidade de Deus se torna presente na pequenez do símbolo, que assim se apresenta uma contraditio in terminis (contradição nos termos): um som que não se ouve, uma “música calada”(São João da Cruz). São metáforas ou simbolismos portadores de contradição neles mesmos, como é o caso do “silêncio eloqüente”, ou da “imensa pequenez”. No Natal, contemplamos a imensidade infinita de Deus na fragilidade de uma criança. A realidade última – divina -, que se esconde e se comunica no símbolo, é sempre maior do que a capacidade receptiva humana e do que a mediação propriamente simbólica, já que ambas realizam o papel de uma espécie de filtro daquilo que é divino. Os Sacramentos são “preciosos e humildes”.
A fragilidade dos símbolos contrasta com a elevação que Deus lhes imprime até convertê-los em puras transparências do som divino (escatológico), o que ocorre sobretudo com o pão e o vinho da eucaristia. Nos sacramentos temos, de fato, a simplicidade da água, do óleo que unge à semelhança de Cristo, do pão e do vinho, das palavras de perdão sobre os atos do penitente, do óleo consolador que alivia o enfermo, da imposição das mãos e da mútua aceitação e compromisso, próprios do matrimônio. São signos humildes e preciosos, submetidos a um processo de transparência por parte de Deus: um processo de intensa significação, de verdadeira escatologização, pois esses símbolos humildes pertencem certamente à nossa terra e ao nosso tempo, porém, mais propriamente ainda, pertencem a Cristo glorificado, à sua ação e à sua vida. E por isso são preciosos.
O símbolo, em síntese, é signo de que a dispensação divina enraíza-se na confluência da inteligência, do afeto e do inconsciente humanos, o que permite à realidade significada antecipar-se na receptividade humana.
O símbolo nos lembra um acontecimento original, seja mediante palavras, seja mediante gestos ou ações. A morada do símbolo é a memória, lugar fronteiriço entre a inteligência e a afetividade humana. A recitação do “credo” torna presente na recordação a origem divina dos fiéis reunidos. Ao professarem sua fé, os que estão reunidos recordam precisamente sua origem comum, que nada mais é do que Deus, raiz da fé.
Símbolo religa o passado, que é rememorado, com o futuro, que é antecipado, em perseguição e garantia. Evidentemente, porém, o símbolo une passado e futuro no presente, onde se atualiza o acontecimento rememorado e se realiza o final pressentido. O símbolo põe em comunicação todos os níveis do tempo: estabelece a continuidade entre a linha do passado, do presente e do futuro. O símbolo religioso pode realizar essa função unitiva graças ao fato de a realidade última simbolizada ser eterna, divina, escatológica; está acima do passado, do presente e do futuro, dominado-os e, de certo modo, unificando-os em ponto presente e eterno: Jesus Cristo, o crucificado glorificado.
Se o símbolo faz com que lancemos raízes no passado, também pode invocar e tornar presente o futuro. O símbolo cristão não apenas indica o futuro, mas de certa forma antecipa e contém os bens futuros que esperamos.
A rejeição, que se nota em relação aos sacramentos, em grande parte deve-se ao fato de que nós os vemos como coisas situadas no nível da eficácia (magia), como obras da Igreja, em vez de contemplá-las como uma linguagem divina: como signos, no nível da significação, signos de que o próprio Jesus, Senhor, continua operando com seus discípulos. Com efeito, considerar os sacramentos como signos ou símbolos implica um mundo aberto onde o signo nos remete a um horizonte divino, para o qual indica. Os símbolos são, desse modo, signos prenhes do amor de Deus.
Do símbolo ao rito – O símbolo cristão é sempre uma mediação entre a transcendência de Deus e nossa condição histórica e mundana. A conseqüência é que o símbolo cristão não está do lado da magia, mas do lado da comunicação. A parti da perspectiva que contempla o símbolo como mediação, o símbolo é uma forma de linguagem. Uma linguagem comunicativa, “de fronteira”, com todas as linguagens que se situam na franja finíssima do presente, rememorando o passado e antecipando o futuro.
O símbolo é uma linguagem mais comunicativa que conceitual. É palavra visibilizada, gestual: palavra em ação, arraigada no substrato humano, antes que este se divida em idéia e afeto. Por isso mesmo, o símbolo afeta a idéia, o sentimento e a ação. Os símbolos são dotados de conotações afetivas e efetivas.
O rito é a perpetuação eclesial do símbolo. Os símbolos utilizados por Jesus Cristo foram recebidos e “codificados” – quer dizer, ritualizados – pela Igreja. Os ritos sacramentais são a perpetuação eclesial daqueles símbolos da comunhão eclesial que Jesus instituiu com os discípulos.
A Igreja, portanto, não se apega ao rito por imobilismo. A Igreja simplesmente recorda e assume com devoção os gestos e as ações de Jesus. Por essa razão, os conserva e os realiza, não para repeti-los inconsciente e mecanicamente como um autômato, mas segue o exemplo da Virgem Maria, que guardava as palavras do Senhor em seu coração lembrando-as de novo em sua riqueza original e através de múltiplas variações cheias da vida do Espírito.
Os símbolos utilizados por Jesus e pela comunidade dos que crêem são e devem ser elementares, universais, humanos. Estas três qualidades estão unidas. O mais elementar é aquilo que tem maior capacidade de ser universal e humano: é aquilo que mais pode afetar a todos e pode atingir a maior profundidade das pessoas. Parti o pão e levantar a taça de vinho são gestos eloqüentes em si mesmos, não necessitando de maiores explicações. Qualquer cultura entende que a água é alegre e viva e – por isso – sugere a comunicação da vida, também da vida divina.
Daqui decorre o princípio segundo o qual a liturgia e o simbolismo cristão são e devem ser, em princípio, simples e transparentes. Quanto mais simples e transparente for, e menos “explicação” o símbolo precisar, melhor. O fato de que todos entendam não quer dizer que se entenda tudo, já que o mistério permanece intacto, e é bom que não se tente manipula-lo ou “explicá-lo” com conceitos refinados.
Os símbolos são percebidos através dos sentidos, mas afetam o centro da pessoa. Todos os símbolos são percebidos pelos sentidos e possuem uma conotação afetiva; todavia, transcendem os sentidos, até chegar à esfera afetivo-espiritual. É próprio do símbolo superar as fronteiras que vão dos sentidos à afetividade, e desta à paz espiritual.
Os símbolos cristãos se destacam pela simplicidade. Por que se encontram na natureza do homem e em sua maneira de ser. Derivados de Cristo, graças à luz do Espírito que inspira a comunidade apostólica, estão profundamente enraizados na natureza e na condição humana: a imersão na água da vida divina; a unção com o óleo, que sempre aponta para o fortalecimento espiritual, seja do cristão que luta na vida a caminho do Reino de Deus, seja do cristão que é consolado; o pão e o vinho do banquete com Deus e com os irmãos; o gesto e as palavras de reconciliação e de perdão; a imposição das mãos, símbolo da missão ministerial; o amor e a sexualidade no matrimônio...
O rito – O rito faz parte da vida do ser humano. Não há vida sem ritualidade. A ritualidade apresenta-se a nós na vida cotidiana: saudações, modos de comportamento, formas de educação, ritos nas refeições.
Rito é um termo muito genérico com o qual são designadas ações humanas e religiosamente significativas, conforme módulos fixos tradicionais. O rito é aquilo que está em conformidade com a ordem, uma ação que tem uma estrutura institucionalizada.
A ritualidade atende à nossa necessidade de relacionar-nos e de transcender-nos a nós mesmos.
A característica mais singular do rito é a sua repetitividade. O rito é uma ação programada e repetitiva pelos quais o sujeito se integra com os outros. Trata-se, também, de uma forma de socialização com o sagrado ou o transcendente. Para a psicologia profunda, o rito é um redutor de tensão, um gesto que, repetido, ajuda a descarregar um estado de angústia. (A função do furúnculo num corpo doente)
A repetição no rito cristão como no hebraico é memorial ou comemorativa. As ações rituais são representações coletivas, momentos nos quais uma comunidade representa a si mesma, revive as próprias convicções, crenças e valores, se contempla como que num espelho, proclama, celebra e confirma o seu próprio programa. No contexto cristão, no centro do rito memorial está o acontecimento Cristo. A ritualidade não é um drama, recordação ou teatralidade, mas atualidade: contém sempre novas significações.
Enfim, o rito é a expressão, o gesto simbólico, destinado a identificar e a tornar coeso o grupo que o celebra, seja atestando-o, afirmando-o, diferenciando-o ou separando-o. A ritualidade é a linguagem própria da liturgia. Ela consiste em palavras, gestos e ações simbólicas, por meio das quais se estabelece uma relação entre a comunidade de fé e Deus.
Constata-se hoje um certo desprezo às formas rituais exteriores esteriotipadas. No entanto, buscam-se experiências religiosas interiorizadas, mesmo em ritos de seitas, bruxaria e satanismo; surge uma multiplicidade de símbolos humanos sociais, sobretudo entre adolescentes e jovens, assim como nos setores pobres emergentes que reivindicam seus direitos.
O rito em termos negativos: como cerimônia externa, hábito mecânico, convencionalismo, repetição rotineira, controle social. Conjunto de determinações formais prescritivas, etc. Qualquer religião está ameaçada de desaparecer ou de degenerar em gnose ou moralismo, se perder o sentido e o ritmo do rito. O rito religioso perde o seu sentido quando já não funciona como linguagem na qual o crente exprime a sua comunhão com Deus. A fé em Deus, o sentido de Deus, a escuta de Deus e o voltar-se para Eles são a matriz radical do autêntico rito religioso.


Viver a ritualidade litúrgica como
momento histórico da salvação
“Há alguma coisa que escapa ao olho e à percepção sensível, e que ressoa no sacrário do coração, capaz de admirar-se diante do mistério de Deus”.
Rito: arte sutil e eficaz para o mergulho nas profundezas do sagrado e do coração humano, onde Deus se deixa encontrar.
Há uma relação estreita entre rito e mística, pois a mística tem um significado importante no contexto celebrativo, por causa da centralidade do mistério pascal de Jesus Cristo na oração da Igreja. Teologicamente, mística é aquela “experiência que se faz no plano sobre natural e nas profundezas misteriosas do encontro homem-Deus...
O religioso e o místico – são como uma nascente que vai crescendo e percorrendo meandros até se lançar no mar. Apesar da base comum, há um longo percurso. E este percurso que a celebração eucarística faz. O homem religioso se abre a Deus, o homem místico transmite Deus ao mundo. A diferença fundamental entre ambos é que o primeiro busca, para além do cotidiano, a experiência de Deus, e o segundo, com sua experiência de Deus, forma o ambiente ou o metabolismo espiritual da base da vida cotidiana.
Karl Rahner profetizou que o cristão do futuro ou será místico ou não será nada. Diríamos que o cristão do futuro será místico por excelência e litúrgico por conseqüência. O ser humano, vivendo em uma comunidade de natureza mística, saberá integrar as realidades históricas com as verdades da fé, e o mistério pascal terá seu reflexo no mundo, e sua vida será pascal.
A mística, além se seu aspecto teológico, e um fenômeno que altera positivamente as potencialidades da pessoa, produzindo efeitos de comunhão e integração no mundo, pois representa um estado refinado da lama e da inteligência humanas.
Depois da encarnação, não necessitamos mais buscar a Deus, pois ele já nos encontrou através do mistério pascal de Jesus Cristo. Deus é o protagonista do encontro conosco – a Igreja deve ser “sacramento de acolhimento”. Felizmente, a Igreja está despertando para a sacramentalidade da acolhida litúrgica.
Binômio: Liturgia e Vida – Para a Igreja primitiva, a celebração do mistério pascal de Jesus Cristo não estava dissociada da vivência do dia-a-dia. Não havia uma separação abrupta entre o rito celebrado e o testemunho cotidiano. A relação liturgia e vida acontece em três momentos: como mistério, celebração e vida cotidiana, ou seja, as ações rituais, nossas ações cotidianas devem louvar a Deus e santificar o mundo.
O rito – fundamental para expressar a fé. Como ainda estamos na história, a nossa relação com o mistério exige celebração, realizada na sacramentalidade da liturgia. A relação entre mistério e liturgia não é difícil de vislumbrar. O difícil é continuar a liturgia quando o rito termina. Ao encerrar a liturgia ritual, começa a liturgia vivencial. São Gregório Nazianzeno (séc. IV), convida os cristãos e participarem não só da Páscoa ritual, mas também da Páscoa vivencial.
Liturgo é o agente na liturgia, quem faz a liturgia, ou seja, cada cristão, que por meio do batismo se torna membro do Corpo de Cristo e deve, por isso, celebrar e testemunhar sua fé. Liturgo é quem vivencia a fé na celebração e nas ações cotidianas. Ao receber o batismo, o cristão transforma a sua vida em liturgia, ou seja, em adoração a Deus e serviço ao próximo.



Oração como resposta: seu aspecto exterior e interior.
Transcendência, indica a realidade para além do que os nossos sentidos captam e a ciência humana pode controlar. Quando rezamos individual ou liturgicamente, atravessamos a barreira do visível para nos colocar na dimensão do transcendente, do invisível.
Deus é o protagonista da oração - é Ele quem toma a iniciativa. Nosso engajamento no diálogo com Deus é de resposta, em palavras e ações. Uma outra maneira de se dizer que Deus falou primeiro é reconhece-lo como “protagonista do amor”. Deus nos amou primeiro, desde a criação.
O coração é a condensação dos sentimentos humanos mais profundos. “órgão central do sistema de irrigação sanguínea , desde muito cedo considerado sede do princípio vital e das faculdades afetiva, também na linguagem bíblica significa condescendência, desejo, amor.” Por isso, de nada adianta sermos tocados pelos sentidos do corpo, se isso não nos conduzisse, na leveza da participação interior, ao toque do coração, como metáfora da interioridade humana.
A beleza como via de passagem da oração exterior para a interior. Todo o aspecto exterior da liturgia deve ser um instrumento a serviço do mistério. Como pode um signo material causar na alma a graça que é espiritual? Isso só é possível através da beleza como elo e via de comunicação entre Deus e o homem, e vice-versa. O princípio geral que rege a sacramentalidade litúrgica é a beleza dos sinais, como expressão de Deus, a fonte da beleza, a qual, por isso mesmo, se torna via de comunicação com o transcendente. A beleza tem a ver com a harmonia no todo de uma determinada realidade. “Beleza é a totalidade ordenada... a realização da plenitude”(Alceu Amoroso Lima). O termo Todo é a expressão da totalidade que somente Deus pode abarcar, enquanto o fragmento é cada coisa onde a beleza sinaliza de alguma forma a presença de Deus.
A celebração litúrgica é o lugar por excelência da manifestação da beleza e do amor de Deus, que passam pelo corpo e tocam o coração. A beleza litúrgica não é uma qualidade acessória, mas pertence à identidade da celebração. O cosmo está repleto da beleza de Deus.
Em que sentido a ausência de beleza pode nos falar de Deus? O rosto desfigurado do Cristo sofredor que, segundo Isaías, não tinha beleza que atraísse os olhares (Is 53,2). Ele tinha uma outra beleza, que transparece na “vítima massacrada” e resplandece no coração tomado de compaixão. É a beleza que não passa pelos sentidos, mas vai direto ao coração.

Qualificações da participação litúrgica na Sacrosanctum Concilium.
Adjetivo é uma qualidade que acrescentamos a um nome para fazE-lo mais coerente, compatível e harmônico com as nossas sensações ou sentimentos profundos. Quanto maior o nível de complexidade, tanto mais múltipla a adjetivação. Deus é uma realidade tão complexa, que todos os adjetivos não esgotariam sua essência. No caso da participação litúrgica, a SC 11, acresce cinco adjetivos para defini-la melhor: “ativa, consciente, plena, frutuosa e piedosa”. Esses cinco adjetivos querem mostrar a beleza da participação litúrgica, levando em consideração que bondade e beleza se fundem como resumo de todas as virtudes, por causa de sua origem. A beleza está intimamente relacionada com a bondade, porque todo bom é belo e todo belo é bom. Uma liturgia bem participada só pode ser profundamente bela, em razão de sua harmonia, proporção e ordem, causando bem-estar e alegria. Teologicamente, o lugar mais próprio da epifania da beleza é a liturgia.
Rubricismo: rubrica é um termo atribuído às leis canônicas porque se costumava escreve-las em cor vermelha. Se dividiam em duas categorias: preceptivas – obrigavam sob pena de pecado; diretivas – funcionavam como um conselho ou explicação. Rubricismo passou a representar uma preocupação exagerada com a aplicação correta das rubricas e da validade canônico-juridica dos sacramentos. O Vat. II, não desprezando as rubricas, nos aponta mais que o rubricismo, o caminho da ritualidade litúrgica. Mas do que uma participação válida e lícita, precisamos de uma participação: consciente, ativa, plena, frutuosa e piedosa.
Necessidade das disposições pessoais: A participação consciente, ativa e frutuosa é resultado do encontro de duas forças ou desejos: a graça de Deus, que por meio da liturgia flui como um dom, e a disposição do fiel em acolhe-la com todo o seu coração. A eficácia da celebração litúrgica, como encontro divino e humano, depende também do engajamento de quem celebra. A plena eficácia da celebração litúrgica, dita de forma mais teológica, é a glorificação de Deus e a santificação humana.
Quando utilizamos o termo santificação em referência à eficácia da liturgia, estamos caracterizando a capacidade da liturgia de dar frutos, não somente como oração, mas também como vida cotidiana. Os fiéis, por meio da liturgia, são impelidos à imperiosa caridade de Cristo.
Nossas celebrações litúrgicas deveriam ser o principal chamariz da Igreja e o momento cume e fonte da nossa vida de fé. Se elas são frias, vazias, ideológicas ou abusivas, temáticas, tumultuadas, confusas, é porque na formação litúrgica há muito ainda que fazer.

I - PARTICIPAÇÃO LITÚRGICA ATIVA
A principal manifestação da Igreja se faz numa participação perfeita e ativa de todo o povo santo de Deus na mesma celebração litúrgica. O adjetivo ativo tem a ver com o verbo agir.
A liturgia, por natureza, requer um tipo de participação ativa muito especial, pois é uma ação conjunta do Cristo Total: cabeça e membros. A celebração litúrgica expressa, alimenta e fortalece a fé, alem de ser profundamente mental, coloca todo o corpo em postura ativa de cunho ritual. Uma procissão litúrgica é um exemplo de como todo o nosso ser se envolve em uma ação sagrada ordenada e bem coordenada (Sl 67/68,25-27).
Fé e ação também estão intimamente ligadas, pois a fé é uma resposta integral e obediente à auto-comunicação de Deus, levando a pessoa a uma decisão fundamental que engloba todas as dimensões da vida. Tanto no cotidiano como na celebração litúrgica, a fé se revela mediante posturas ativas. Como opção de vida que representa obediência à vontade de Deus, a fé exige ao mesmo tempo fadiga do testemunho como repouso que a beleza da ritualidade litúrgica proporciona. É da índole da ação ritual religiosa, como comunicação simbólica, ser ativamente participada.
Como sacramento de Deus, o corpo se torna um desafio litúrgico, pois toda a nossa subjetividade se coloca em função da vivência de significados transcendentes.
A celebração litúrgica é necessariamente uma ação ritual – Liturgia é essencialmente ação celebrativa (serviço à fé), ou ação de testemunho (serviço ao mundo). A comunicação litúrgica se difere de um show, ou de uma aula, , pois envolve a racionalidade da fé com a densidade das emoções. Na liturgia celebrada, razão e emoção se entrelaçam e se completam. São elas que ordenam a pessoa, porque suprimindo uma delas, o ser humano entra em processo de desordem. O mundo dos humanos não pode ser nem frias máquinas pensantes nem fanatismos exorbitantes.
A liturgia celebrada é essencialmente “ação” e necessariamente “rito”.
O rito é essencialmente ativo, e não narrativo – os ritos são ativos, justamente por serem performance. Por isso, “um rito é inapreensível; é vivido, experimentado e participado, não é narrado; é um ‘hipertexto’, e não somente um texto linear capaz de ser transcrito e relatado”. Rito é um “evento”, e não um relato. “Se os mitos são a explicação teórica da experiência, os ritos são a explicação prática. O rito é de forma geral o gesto que recorda e revive, através de sinais expressivos, o poder criador do divino. Se o mito provoca a lembrança, o rito evoca presença.
O rito na sua essência simbólica e as conseqüências para a vida – O rito é o conjunto de ações ou gestos simbólicos que tem por objetivo assumir, expressar, celebrar, comunicar ou transmitir o acontecimento que motiva uma celebração, e também as atitudes pessoais e comunitárias com as quais se representa, se vive e se atualiza o que está sendo celebrado. É claro que tudo que se faz no curso do rito tem um significado simbólico e o desenrolar do conjunto dá lugar ao processo ritual. Em todo rito costumam entrar estes componentes: a palavra; o gesto, que é uma forma de palavra; e os elementos naturais e os objetos de todo o tipo que são utilizados na ação ritual. O tempo e o espaço também entram.
A comunicação ritual nos dá os significados simbólicos das relações humanas mais profundas. Os símbolos litúrgicos nos falam de Deus. A simbolização foi o ponto forte de todas as religiões.
O símbolo só existe enquanto tal no momento da simbolização, ou seja, quando o objeto simbólico entra no “movimento das palavras”. Quem garante o processo simbólico litúrgico é justamente o rito. Nesse sentido, não se levam símbolos para a celebração, mas objetos potencialmente simbólicos. O símbolo fala mediante o processo ritual, ou não funciona como símbolo.
Os ritos não são elaborações do raciocínio, mas reflexos de natureza emotivo-inconsciente, revestidos de uma simplicidade eloqüente.A energia proporcionada pela experiência da arte, do belo, da fruição ritual amenizam os conflitos e reordenam a vida. Gera, então, uma sensação de “bem-estar” e “descanso”. É por isso que a celebração litúrgica é descontraída e fala por si mesma, sem cansar. Se for diferente, ela perde a sua essência e provoca participação positiva.
O rito é o melhor canal para atravessarmos os momentos cuja intensidade de alegria ou de dor que pede vazão. Exemplos são as celebrações fúnebres, que para nós, cristãos, se transformam num confiante anúncio pascal da ressurreição. Também há momentos tão fortemente marcados pela alegria, que é preciso “comemorar”. Então, necessitamos do rito para celebrar um fato de grande monta. São aqueles momentos que jamais poderiam cair no esquecimento.
A rigor, o cristão vive da alegria pascal, que a missa tem a função de celebrar. Por isso, o domingo é alegre por natureza, dia em que os amigos do noivo não jejuam por que festejam a presença do noivo entre eles (Lc 5,34).
De onde vem a eficácia do rito? É que o rito, por cauda de sua essência simbólica, tem uma relação com a transcendência, que é um dado fundamental da existência humana. Há certos momentos que necessitamos da transcendência para salvar a nossa existência. Como diz U. Galimberti, “onde perde as pecadas da transcendência, a existência nega a si mesma, cai sobre si mesma, coisa entre as coisas, sem reenvio, sem ulterioridade”.
A SC 34, recomenda que as cerimônias resplandeçam de nobre simplicidade. Em latim, nobre significa, “conhecido”.Os ritos reformados precisam “resplandecer” como fachos de luz, revelando uma beleza em que todos se reconheçam. Foi com nobre simplicidade que o Filho de Deus apareceu entre nós.
A quebra do rito e seu efeito na assembléia litúrgica – O rito, como arte, enleva a pessoa e a coloca na profunda e delicada comunicação com as realidades que estão para além dos símbolos. Existem muitas formas de interrupção da fluência ritual, que estão destruindo as nossas celebrações litúrgicas. O choque entre comunicação ritual e explicativa. É comum interromper-se o rito para explicar uma parte dele. Aí se incluem a maioria dos comentários litúrgicos. O choque da comunicação ritual, com a operacional, a moralista, a narrativa, a falta de espiritualidade...
Na ceia de Jesus, o comer e o beber com ele foram o nível mais alto da participação ritual naquela noite. Era comunhão de vida e de ideais, com toda a densidade do mistério de Cristo que possibilitou a participação naquela noite pascal.
A liturgia e a virtude da religião. O maior empecilho dos cristãos para fazerem da liturgia uma autêntica experiência de fé não está em relação ao rito em si, mas à falta de sensibilidade para com a linguagem ritual. O secularismo, o espiritualismo e o individualismo são comportamentos que tornam difícil a experiência ritual.
Na religião, o homem vislumbra a unidade última para os anseios de beleza e de amor que acompanham toda a sua existência. O êxito neste anseio depende da virtude, que é uma disposição constante da mente que se transforma em um hábito operativo. É, ainda, uma disposição, uma habilidade, adquirida mediante a repetição dos atos, que aperfeiçoa a faculdade; uma qualificação que supõe a atividade da razão, a determinação do bem. A virtude da religião não ligo somente o homem a Deus, mas a todo o cosmo. Para o homem religioso, o Cosmo vive e fala.
A dificuldade com o rito é o reflexo de uma relação imatura com o sagrado, que se manifesta tanto no atrofiamento quanto na hipersensibilização religiosa explosiva e desordenada.
O homem de fé vive do mistério. No entanto, sua base religiosa hoje precisa ser reestruturada em vista de um relacionamento maduro com o sagrado, Nesta perspectiva, o rito se desenvolve na beleza da arte, para atingir a mística do coração, a fim de fazer de cada componente de uma assembléia litúrgica um participante ativo na celebração dos mistérios de Cristo.

II – PARTICIPAÇÃO LITÚRGICA CONSCIENTE

Quanto maior for a consciência e a disposição da pessoa, tanto maior será o culto prestado a Deus na ação sacramental e tanto mais profunda a conformação do sujeito a Cristo. A aliança que Deus fará conosco será gravada em nossos corações e mentes (cf. Hb 10,16). O termo “mente” refere-se a certo conjunto de disposições de um organismo. Na celebração cristã, é preciso que o conjunto das nossas disposições, como percepção, intelecção, vontade, memória, criatividade e outras, estejam sintonizado e nos transforme em sujeitos conscientes da ação que executamos. É preciso unir razão e emoção, sentimentos e pensamento, intenção e sentido, a fim de que a participação interior no mistério celebrado seja eficaz. Tal integração evita, de um lado, que a celebração se transforme em uma ação cerebral, racionalista e fria, e, de outro, que caia no sentimentalismo, perdendo sua objetividade sacramental.
Conscientia significa ”conhecimento em comum”, onde conhecimento e sentimento se fundem na consciência que leva à convicção. Não se trata apenas de saber, mas de identificar. É um conhecimento que brota e se desenvolve no nível do coração. “O coração é também algo como consciência”. Por isso, coração limpo significa consciência reta. Liturgia consciente é “a liturgia do coração”.
O coração humano não é apenas luz, mas também trevas. O altar do coração é também sepulcro que acolheu o corpo do Senhor sem vida, para devolvê-lo ressuscitado. Quanto mais adentramos o nosso coração, tanto mais nos deparamos com a condição humana sujeita ao pecado. No entanto, a última palavra não provém das nossas fragilidades, mas da redenção. Cristo arrancou do império da morte e nos elevou à dignidade de filhos de Deus. Então, no altar do coração se celebra a liturgia de coração, pascal por excelência, porque não só celebra a Páscoa de Cristo, mas a ela associa a nossa Páscoa também.
A participação litúrgica é essencialmente ativa, porque, por meio da ritualidade sacramental, envolve o coração e a mente, conhecimento e afeição. O conhecimento não anula o mistério, mas o valoriza, e a busca de seus significados não o esgota, porém o engrandece. O lugar do mistério é o coração. Este tipo de conhecimento é mais fácil de captar, sentir e avaliar, do que explicar. No entanto, não se subtrai à palavra, porém comporta tal intensidade, que requer, às vezes, a linguagem da poesia, da música, da arte. A atitude própria da ação litúrgica é permeada de reverência e admiração que brotam da consciência de quem está na presença de Deus.
A racionalidade da fé exige que cada liturgo cristão tenha consciência suficiente para celebrar frutuosamente o que o rito expressa... Instrutiva é a oração da entrega do cálice com vinho na liturgia de ordenação presbiteral: “Recebe a oferenda do povo santo para apresenta-la a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais celebrar, conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor” (Pontifical Romano, Paulus, p. 131).
Exercendo o nosso sacerdócio ritualmente, o nível de consciência com que o fazemos nos conduz a uma transformação e renovação da mente, de tal forma que possamos interpretar e discernir a vontade de Deus na busca da perfeição evangélica (cf. Rm 12,2). A prática da celebração litúrgica sem a devida consciência pode levar a comportamentos rituais que nada tem a ver com o mistério de Cristo.
A palavra-chave para a participação litúrgica consciente é iniciação. É preciso conhecer o mistério de Cristo (com a mente) para poder se identificar com ele (com o coração). Para amar é preciso conhecer e para conhecer de verdade é preciso amar.
A eucaristia, na densidade de significados, exige uma compreensão aprofundada. Cada gesto e cada palavra já nasciam imbuídos de densidade. Foi a noite mais densa de toda a história da salvação. Mais do nunca, os olhos deveriam estar fixos no Senhor, na expressão do seu rosto, no alcance do seu olhar, em cada movimento de suas mãos. Cada palavra era, “corporificada”, no sentido de que estava intimamente relacionada a toda gestualidade corporal. As palavras daquela noite eram como setas que feriam o coração dos apóstolos com a “seiva” do amor. Quem deveria se afastar do mistério, teve que sair durante a Ceia. Quem ficou, ficou para sempre.
O que viram no dia seguinte foi dramático e cruel, mas não mais denso do eu celebraram na noite anterior, porque a vivência ritual nos faz celebrar situações terrenas as quais ultrapassam a si mesmas, chegando a acariciar as realidades eternas. O pão e o vinho como presença real de Jesus para a salvação do mundo desafiam toda a lógica humana. Pura fé! Tentar racionalizar esse mistério com explicações que não brotem do altar do coração só causa sofrimento e confusão.

III - PARTICIPAÇÃO LITÚRGICA PLENA

A participação consciente é, de modo específico, a participação ativa da mente e do coração no mistério celebrado. A participação ativa, quando atinge também um nível de ativação da mente e dos afetos, a ponto de densamente captar com o coração os significados simbólicos das ações litúrgicas (participação consciente), se transforma em uma participação plena.
A participação plena nos possibilita o mergulho no mistério. Um rito litúrgico vivido em plenitude transforma-se num rio da vida que sai do trono de Deus e do Cordeiro, imagem trinitária da liturgia celeste (cf. Ap 22,1).
Nesse processo, é fundamental a dimensão sacramental-simbólica da liturgia. Embora tudo parta dos sinais sensíveis, pois a viagem ao transcendente começa necessariamente nos sentidos do corpo, transformando-se em liturgia do coração. A partir daí se realiza o “salto místico”.
A participação plena na liturgia, é aquela que conduz ao transcendente, levando o orante à experiência do mistério, envolvendo todas as dimensões da corporeidade e gerando a sintonia das ações litúrgicas.
Uma participação plena percorre o itinerário que Santo Agostinho intuiu como duplo movimento: do exterior (sinal) para o interior (coração), do interior para Deus. É um processo que parte do sinal sensível, passa pelo coração e atinge o mistério de Deus.
A celebração se torna uma experiência de plenitude, que passa pela qualidade do sinal, pela sensibilidade dos sentidos humanos, pelos acolhimento afetivo e pela experiência mística da fé, a fim de que possamos gozar da presença de Deus.

PARTICIPAÇÃO LITÚRGICA FRUTUOSA

A SC. 59, diz que “os sacramentos conferem a graça, mas a celebração dos mesmos dispõe otimamente os fiéis à frutuosa recepção da mesma graça, a honrar a Deus de modo devido e a praticar a caridade”. Nesse sentido, os sacramentos são ao mesmo tempo sinais sensíveis e instrumentos da graça de Deus (cf. LG 1). “Não só supõe a fé, mas também a alimentam, fortificam e expressam por meio de palavras e ritos”. Sendo sinais sensíveis, os sacramentos também se destinam à instrução (SC 59).
A celebração também pode influir diretamente na fé. Pessoas com a fé abalada podem sair fortalecidas de um rito litúrgico, dependendo de como se coloquem diante da graça sacramental e da forma como se conduz a celebração.
Na criação, tudo reflete a bondade e a beleza do Criador: “Tudo me fala de Deus” (São Francisco de Assis). A trajetória da visibilidade de Deus na história da salvação tem três momentos significativamente especiais, pelas características de aliança Pascal. Ao modo de maravilha, Deus promove essas passagens: 1) O êxodo dos Hebreus; 2) a Páscoa de Jesus; 3) A Igreja e a celebração dos sacramentos.
São Leão Magno (440-461), afirma que, depois da ascensão, tudo o que era visível do nosso Redentor passou para os sacramentos da Igreja. Então, a via normal e principal para o encontro com o Senhor mediante os sinais sensíveis está nos sacramentos da fé, que a Igreja tem a missão de celebrar até a consumação da história. Podemos, então, entender sob a ótica do Evangelho porque a liturgia é cume e fonte das ações da Igreja.
A salvação em sua dimensão escatológica – O primeiro elemento a considerar é a sede de Deus, que leva o homem religioso ao mistério de Cristo. “Fizeste-nos para ti e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti” (Santo Agostinho). Cristão é um ser de busca e sinônimo de vida pascal é vida peregrina. O cristão é quem se deixou encontrar por Deus, mas, ao celebrar a liturgia, sente que a plenitude do encontro está um pouco além. Da liturgia terrestre caminhamos para a liturgia celeste. O cristão é um verdadeiro peregrino, pascal e litúrgico por excelência.
Corações inquietos, almas sedentas, são as pessoas que se acercam da liturgia celebrada, na esperança de encontrar a água da vida e o repouso do coração: “Vinde a mim vós todos que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos aliviarei”(Mt 11,28). O descanso (repouso) sabático, traduz-se sacramentalmente pela liturgia dominical. Não é o lazer do domingo que nos traz o repouso sabático, mas a celebração da fé, que por natureza é a eucaristia. Somos peregrinos não em busca de Deus, mas com Deus buscamos a nova ordem, cuja plenitude se dá para além do presente histórico.
O repouso do coração e a saciedade da alma são quesitos para que o homem possa buscar a perfeita união, na caridade com Cristo. Quando Deus é glorificado e o homem santificado, ocorre, então, a salvação, que é o objetivo final da celebração do mistério de Cristo.
A salvação nas libertações históricas – A ordem que rege a vida de fé é transcendente e escatológica, mas profundamente inserida no mundo. A comunhão com Cristo, celebrada de modo sacramental e testemunhada na vida cotidiana dos cristãos, é causa de salvação para o mundo. Nutrindo-se de tal presença, a liturgia celebrada se torna fecundamente frutuosa. É por isso que a SC. 10, diz que a liturgia é o cimo para o qual tende a ação da Igreja e a fonte de onde emana toda a sua força. Toda a ação da Igreja, entendida como trabalho apostólico, converge para a liturgia (como mistério, celebração e vivência). É da liturgia bem celebrada e indissociavelmente vivenciada pelo testemunho dos cristãos que a Igreja adquire força ou, do contrário, se enfraquece.
Com o termo “salvação” pode-se indicar o estado de realização plena e definitiva de todas as aspirações do coração humano nas diversas ramificações da sua existência.
Ser salvo é ser tirado de um perigo onde se corria o risco de perecer. A sociedade atual esconde uma espécie de “doença mortal” que aos poucos se alastra em camadas sempre mais amplas. Trata-se de um sentimento vago, mas resistente, que cria confusão, desnorteamento, depressão, ansiedade. Constitui um atentado contra a possibilidade de ser feliz.
Na dinâmica da satisfação das necessidades, existem cinco passos, segundo a lógica da natureza humana: A) Necessidades fisiológicas; B) Necessidades de segurança, de estabilidade, de proteção, de estrutura, de ordem, de lei, de limites adequados...; C) De sentimento de posse e de afeto, amigos, família...; D) Necessidade de auto-estima e o desejo de valorização pelos outros; E) A auto-realização, como desejo maduro no final de um processo ascendente de valores. É aí que se alojam a verdade, a beleza, a perfeição, a justiça, a honestidade.
A celebração litúrgica deve apresentar Jesus, que não descuidou de nenhum detalhe da pessoa humana, entre os quais a necessidade de alimentação, a autoconfiança, a saúde, o amor-caridade e a solidariedade com os excluídos.
Foi exatamente num contexto de refeição em evocação ao alimento como necessidade primária de sobrevivência individual (comida) e social (ceia), que Jesus instituiu o principal sacramento da salvação, doando-se a si mesmo como comida e bebida para a vida eterna.
Como para Deus palavra e ação não tem separação, para os cristãos orar e buscar soluções concretas constituem um único ato de fé, um culto litúrgico pleno. A relação entre liturgia e caridade sempre foi muito explícita. A eucaristia é o sacramento da caridade. Entre os frutos da celebração estão a comunhão e solidariedade para com os excluídos. A comunhão sacramental com o Senhor só tem sentido se nos levar à comunhão solidária com aqueles que estão à margem da vida.
A relação entre celebração litúrgica e autoconfiança sempre foi muito evidente. O homem pós-moderno está vivendo a pior crise de insegurança de todos os tempos. Sair de um culto litúrgico sentindo-se protegido por Deus não é pouca coisa diante do medo que esmaga e deforma a pessoa, preconizando também as ações violentas.
Uma visível reaproximação, com base na eficácia litúrgica, é entre celebração litúrgica e saúde. “Tudo nos leva a admitir que a relação entre religião e saúde é uma relação essencial, inegável e antiqüíssima que com certeza não poderá ser destruída pelo mundo técnico-científico” (Aldo Terrin).
Pelo batismo, assumimos a missão de Jesus, cf. Is 61,1-4 e Lc 4,18ss. Desconsiderando isto, podemos ter muita prática litúrgica e pouca libertação, sem nunca trabalharmos as feridas da alma,as repressões, tristezas e solidão, ou também sem nos dispormos à caridade.

PARTICIPAÇÃO LITÚRGICA PIEDOSA

O conjunto de nossas disposições, representado pela percepção, intelecção, vontade, memória, criatividade, etc., aliado aos afetos, proporciona uma vivência ritual, em que a leitura simbólica conduz à experiência mística. Para chegarmos a colher com abundância os frutos da celebração é preciso que toda a celebração nos leve à participação consciente, ativa e plena de todo o corpo e espírito, animada pelo fervor da fé, da esperança e da caridade. É esse fervor que pode ser identificado com a piedade.
O adjetivo “pio” é uma qualidade que expressa os sentimentos de devoção. Devoção significa prometer em voto, consagrar a Deus. A piedade supõe uma relação madura com o sagrado. A piedade é como a argamassa que junta os blocos, dando consistência à construção, como a solidez do alicerce. É a piedade que sempre dá o tom da participação interior e harmonia da participação exterior.
A piedade se manifesta no coração, no âmbito da virtude de religião, e ilumina o caminho da mística, tornando-se, assim, um elemento fundamental da participação litúrgica ativa.
Piedade é uma virtude religiosa, um sentimento forte de amor, gratidão e afeto, até se transformar em ternura, compaixão e clemência. A piedade só funciona porque a gente vê o outro como sagrado. Segundo a liturgia, a piedade é aquela disposição amorosa de acolher o mistério celebrado.
Se a técnica está ensaiando o “homem plugado no computador”, a liturgia celebrada forja o “homem piedoso”. Na era da máquina, precisamos continuar celebrando nossa fé, de tal forma que Deus seja louvado e o homem, santificado.


SACRAMENTOS
“Maravilhas de Deus”
O tema das “maravilhas de Deus” é parte constitutiva da economia bíblico-cristã. Em Jesus, Deus intervém na história e se revela através das grandes obras que realiza, visando ao cumprimento do seu desígnio eterno de salvação. Jesus veio cumprir a obra do Pai. Toda a sua existência, da encarnação à ressurreição e à ascensão ao céu, encontra-se sob o signo das “maravilhas de Deus” e constitui a “maravilha decisiva da salvação” para toda a humanidade. O que se realiza em Cristo – e em Cristo para cada homem – é o acontecimento central da história humana. Nada terá jamais tanta importância paras a humanidade quanto a ressurreição de Jesus. A partir deste acontecimento, o mundo está objetivamente salvo.
Os sacramentos, de modo especial, são as “maravilhas da salvação” no tempo atual, dando continuidade às grandes “maravilhas da salvação” do AT e do NT e prenunciando as “maravilhas” da escatologia definitiva.
História e salvação. O tema salvação é sempre central em qualquer religião. Na revelação judaico-cristã, a salvação centra-se antes de mais nada nas intervenções salvíficas de Deus na história. A história humana é o “lugar” e o “meio” da salvação, visto que é nela que Deus se revela e atua, assumindo-a para a realização de seu plano eterna de graça. Por outro, lado é na história que o homem se encontra com Deus de Jesus Cristo, tornando-se partícipe de sua “gesta” salvífica. Nesse sentido, o homem acolhe a salvação não fora da história, e sim na história, graças aos eventos operados por Deus no âmbito da própria história.
Não por acaso a Bíblia se abre com a criação do universo e do homem e se encerra com a descrição da nova criação realizada por Deus em Cristo e no dom de seu Espírito, estendida a todas as nações da Igreja.
Religião e salvação. Na maioria das religiões e filosofias antigas, o tempo era ligado ao ritmo natural dos astros e das estações, um ritmo que se repete. Para estes, suas próprias origens são objeto de mitologia, não de história. O evento mítico é o evento constante, que retorna em ritmo cíclico: é o retorno anual das estações, a revolução dos corpos celestes, o ciclo do dia e da noite, o perpétuo conflito entre ordem e caos. Em oposição ao evento mítico encontra-se o acontecimento histórico, singular e único, que caracteriza a história da salvação testemunhada pela Bíblia.
As religiões naturais se referem à regularidade dos ciclos das estações. Já o judeu-cristianismo tem por referência acontecimentos únicos, decisivos e irrepetíveis, que constituem a expressão das intervenções de Deus há história e são constituídos de valor “uma vez para sempre”.
Israel e a salvação. Israel experienciou que a salvação se realiza dentro da história graças às intervenções miraculosas (mirabilia Dei) realizadas por Deus em favor do povo. E começou a intuir de modo sempre mais claro que a salvação está ligada a uma sucessão de acontecimentos que se desenvolvem segundo o plano estabelecido por Deus, indo da espera ao atendimento das espera, do anúncio profético ao cumprimento do anúncio. Promessa e cumprimento constituem o dinamismo desse tempo de tríplice dimensão: o presente inicia o futuro, anunciado e prometido no passado.
Cristianismo e salvação. Cristo constitui a ação decisiva de Deus na história, ação que muda “uma vez para sempre” o sentido da condição humana e traz novidade que, a partir daí, torna-se absolutamente adquirida: ninguém poderá mais separar a união da natureza humana com a natureza divina realizada em Cristo. Ao homem só resta participar daquilo que foi realizado uma vez por todas em Cristo: agora, cada homem decide o sentido de sua própria existência e de sua própria eternidade em função da acolhida ou da rejeição desse mistério de salvação operado na história.
Categorias Bíblico teológicas da salvação
Salvação significa essencialmente ser tirado do perigo. A salvação está ligada à vitória, ao resgate, à liberdade, à saúde, à vida, à paz ou ao bem moral.
No AT, pelo anúncio profético, a salvação coincidirá com as “maravilhas” que Deus realizará na plenitude dos tempos, que assim será: nova libertação, nova criação, nova eleição, nova e definitiva aliança, nova habitação de Javé em meio ao seu povo, nova e perfeita santificação, a realização da justiça de Deus. No NT, tudo isto se cumpre em Jesus Cristo.
Das “maravilhas da salvação” aos sacramentos da fé
Os sacramentos são obras divinas que não se explicam racionalmente. A razão ajuda na obstrução dos obstáculos e na qualidade da fé sacramental. A fé nos sacramentos apóia-se na fé nas grandes ações realizadas por Deus no AT e NT, que constituem, em seu conjunto, a história da salvação.
O AT só é memorial por ser profecia: é recordação das grandes obras realizadas por Deus no passado, mas para fundamentar a promessa das obras infinitamente maiores que ele realizará no futuro. Os profetas só recordam as “maravilhas” realizadas por Deus no passado para suscitar a fé nas novas obras, imensamente mais esplêndidas.
Com Cristo, realizou-se tudo o que os profetas haviam anunciado: ele é a nova criação, o novo templo, a aliança perfeita, a verdadeira santificação, o juízo de Deus sobre o mundo. As obras de Jesus são as “maravilhas” dos tempos messiânicos – o cumprimento da “plenitude dos tempos”: são obras da redenção, as obras dos tempos escatológicos que já começaram.
Os sacramentos pertencem a essa economia, objetivamente prevista, desejada e realizada por Deus: são obras divinas que desdobram no espaço e no tempo tudo o que se cumpriu em Cristo.
- Em relação ao mistério de Cristo, os sacramentos não constituem “outros” eventos salvíficos. Eles são continuação do único mistério.
- Em relação ao AT, os sacramentos, em continuidade com o mistério de Cristo, são o cumprimento daquilo que os profetas haviam prenunciado para os últimos tempos: sinais da nova criação já iniciada, sinais reais e eficazes; sinais da nova e definitiva aliança...
A exemplo das obras de Cristo, os sacramentos são eventos dos tempos escatológicos, os sinais do cumprimento dos tempos messiânicos e as obras da redenção em curso.
Os sacramentos proclamam que o desígnio da salvação já se realizou: eles o prolongam e atualizam no tempo da Igreja, transmitindo a cada homem a eficácia única do mistério pascal de Cristo.
Os Sacramentos são da mesma natureza das grandes obras realizadas por Deus no AT e NT: o seu conteúdo é idêntico ao manifestado nas constantes da ação de Deus ao longo da Bíblia. Em todos os níveis da historia salutis, Deus cria, chama, liberta, faz aliança, habita, santifica,, envia e julga. É à luz de Cristo que os acontecimentos que o precedem e o seguem tornam-se inteligíveis e se manifesta plenamente a continuidade da ação de Deus. Uma catequese sacramental que não se remeta constantemente à história salutis e às suas “maravilhas” não pode ser eficaz: com efeito, tal catequese não respeita a própria pedagogia de Deus ao revelar os seus mistérios, pressupondo de fato uma fé pouco inteligível.
Os sacramentos não são simplesmente sinais que recordam o que Deus fez no passado em favor do homem. São as intervenções pessoais e atuais de Deus em nossa existência: são intervenções de criação, de eleição, de presença e de libertação da mesma natureza das grandes intervenções de Deus no AT e NT. Na fase neotestamentária, as grandes intervenções de Deus, da encarnação ao Pentecostes, realizam, manifestam e já contém a salvação da humanidade, que agora se cumpriu, mas que deve ser transmitida individualmente a cada homem. No tempo da Igreja, as grandes intervenções sacramentais de Deus não se substituem nem se sobrepõe ao mistério pascal de Cristo, mas o prolongam, o difundem e o tornam presente em todo tempo e lugar. Como as intervenções divinas do passado, os sacramentos são expressão da iniciativa transcendente, livre e gratuita de Deus, que vai ao encontro do homem para salvá-lo.
Crer, em sentido cristão, significa crer que Deus continua a intervir na história e que, de forma eminente, os sacramentos são essas intervenções divinas no mundo. “Ser cristão significa afirmar que essas irrupções de Deus na existência do homem constituem a notícia alegre, magnífica e esplêndida que propomos a cada homem”.
Os sacramentos são “imitações” e “representações” da morte e da ressurreição de Cristo. Eles estendem a cada homem o mistério pascal de Cristo, fazendo-o dele participar, mas nada acrescentam ao evento central da história. São apenas o seu desdobramento e atualização em todos os tempos e lugares. São acontecimentos realmente salvíficos, porque tornam presente para cada homem o mistério da redenção já realizado.
Os sacramentos “maravilhas” antecipadoras da escatologia definitiva. Os sacramentos prefiguram as realidades dos tempos escatológicos: o batismo não é só imersão e emersão na morte e ressurreição de Cristo, mas também antecipação da glorificação escatológica; a eucaristia é memorial e presença do banquete sacrifical de Cristo, mas também proclamação do banquete dos tempos escatológicos; a penitência sacramental é preparação e figura da purificação definitiva, que nos permitirá entrar na glória do Pai.


Os sacramentos, atos de Cristo glorioso na Igreja
O conteúdo do mysterion, portanto, é o próprio Cristo, cumprimento e vértice do plano divino. O mysterion tou Christou, por sua vez, perpetua-se no mundo e se estende a cada homem através do mysterium tes ekklesias. Cristo é o sacramento primordial da salvação; a Igreja é o seu sacramento; os sacramentos são atos do Senhor ressuscitado, sentado à direita do Pai, realizados na Igreja e por meio da Igreja e que, como vimos, continuam os grandes gestos de salvação realizados por Deus no AT e NT.
O homem só pode encontrar-se plena e efetivamente com Deus se o próprio Deus revela-se de modo positivo ao homem o sustenta com poder de sua graça. A comunhão pessoal com o mistério do absoluto de Deus só é possível em virtude da iniciativa gratuita e amorosa do próprio Deus, que vai ao encontro do homem para entrar em contato com ele. O projeto de Deus é introduzir o homem e todos os homens na própria comunhão de sua vida trinitária. A fé é a adesão do homem a esse projeto. A procura de Deus pelo homem encontra sua plena resposta na vinda de Deus ao homem, encontro que tem em Cristo e sua plenitude e o seu supremo cumprimento.
Cristo é o sacramento fundamental do encontro com o Deus invisível na humanidade visível.Esta afirmação implica três tipos de verdade:
a) A humanidade assumida pelo Verbo eterno de Deus é o sacramento próprio do encontro com Deus. “O amor do homem Jesus, com efeito, é a encarnação humana do amor redentor de Deus, a vinda do amor de Deus em forma visível. Os atos humanos de Jesus são atos de Deus, possuem, portanto, a força divina de salvação: são salutares, causa de graça”.
b) A humanidade assumida pelo Verbo de Deus é “sinal” e “causa” de salvação para toda a humanidade. Com a encarnação, o Verbo eterno de Deus veio recuperar a humanidade decaída e libertá-la de sua condição de morte e de pecado para introduzi-la na comunhão sobrenatural com Deus. Há em Jesus um dinamismo descendente;Deus vai ao encontro do homem para transmitir-lhe a sua própria vida e, desse modo, “divinizá-lo”. Também há um dinamismo escendente, porque o mistério da encarnação direciona-se essencialmente para a glorificação do Pai pelo cumprimento de sua vontade no mundo. Assim, a humanidade de Cristo é “sinal” e “causa” da nossa salvação.
c) A humanidade foi glorificada de Cristo é o sacramento-fonte da transmissão da salvação ao homem no tempo da Igreja. O que foi adquirido na humanidade de Jesus ressuscitado foi adquirido para todos e para sempre. A humanidade do Verbo não apenas foi o sacramentum salutis, o sinal e a causa de nossa salvação, mas o é atualmente. Transfigurada pela vida do Espírito na na alma e no corpo, essa humanidade glorificada constitui o sacramento-fonte da difusão do Espírito e da transmissão da graça na Igreja e no mundo.
A Igreja, sacramento de Cristo
A corporeidade do Verbo encarnado e glorificado continua na Igreja, corpo de Cristo e nos momentos visíveis fundamentais que são os gestos sacramentais. A Igreja é o sacramento do Cristo celeste, o “sinal” e o “instrumento” visível do Senhor glorioso sobre a terra. A essência da Igreja, em sua totalidade, consiste em ser prolongamento sacramental, no espaço e no tempo, da ação de Cristo no mundo.
É pelo contato com a Igreja que é dada a graça de Cristo, havendo ação sacramental que não seja ação eclesial. A Igreja é o sacramento visível de que o Cristo invisível se serve para distribuir os seus dons invisíveis a homens visíveis.
Os sacramentos são “maravilhas da salvação” nos quais a ação de Cristo e da Igreja coincide e se une inseparavelmente para a salvação do homem.

O Espírito Santo e os sacramentos
Os sacramentos são acontecimentos do Espírito que nos fazem participar da própria vida do Senhor Ressuscitado. Há estreita correspondência entre o Espírito Santo que habita plenamente em Jesus e operou a sua glorificação, ressuscitando-o da morte e fazendo-o sentar à direita do Pai, e o Espírito Santo que irrompeu na Igreja e nela habita plenamente.
Os sacramentos pertencem a esse dinamismo cristológico-pneumatológico-eclesial e são “maravilhas de salvação” operadas pelo Espírito de Jesus que habita na Igreja.
Os sacramentos são atos de Cristo e da Igreja de modo inseparável. “Onde está a Igreja está o Espírito de Deus” (Santo Irineu). “Somente na Igreja os sacramentos são frutuosamente celebrados: com efeito, quem opera secretamente o seu efeito é o Espírito Santo que nela habita” (Isidoro de Sevilha).
O Espírito não somente age no ministro e por meio do ministro, mas também é invocado sobre os elementos sacramentais para santificá-los e torná-los sinais eficazes da presença do evento da salvação: é a intervenção do Espírito Santo que consagra os gestos sacramentais e realiza a identidade entre o evento pascal e o evento sacramental da Igreja.
Os sacramentos são os “espaços” privilegiados em que se dá o desdobramento do dom do Espírito em cada crente para a construção da Igreja no mundo.
A “palavra” leva aos sacramentos, revelando-os e cumprindo-os. É nos sacramentos que a palavra se torna, em sentido pleno, evento de salvação. Dois aspectos caracterizam a união indissolúvel entre a palavra e sacramento na economia salvífica do tempo da Igreja. A palavra revela e cumpre o mistério sacramental. A palavra sacramental prolonga a eficácia da palavra de Deus e, como esta, é inseparavelmente também fato, evento salvífico.A palavra expressa e cumpre esse evento. Os sacramentos são inseparavelmente palavra e evento: indicam e realizam e realizam o que indicam.
ria que o homem se encontra com Deus, tornando-se parto do seu des

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O ser humano: uma criatura essencialmente simbólica.



A escatologia ao chamar a Igreja de instrumento, sinal e sacramento da salvação em Cristo, afirma nas entrelinhas que ela é também um mistério no qual se desvela como num véu a graça de Cristo. Essa linguagem é extremamente permeada de sentido sacramental. Por isso ao utiliza-se da linguagem simbólica os padres conciliares trazem ao discurso escatológico uma consistência sacramental no qual se une símbolo e realidade. O divórcio entre símbolo e realidade, ou entre conteúdo externo e unidade com o real afetam o centro do discurso escatológico. Uma sociedade onde símbolo e realidade estão divorciados torna-se um terreno árduo para efetivar um profícuo discurso escatológico. Isso se processa porque tal divórcio relega a linguagem simbólica a uma existência marginal no conjunto das realidades, impossibilitando a autêntica referência entre sacramento e realidade simbolizada.
O problema levantado se agrava quando tomamos consciência da realidade profundamente simbólica que tem a Igreja como comunidade escatológica de salvação. A Igreja é sinal escatológico do Reino[1], e como tal sua meta é o Reino e não ela mesma. Segundo a afirmação conciliar esse reino já foi iniciado em Cristo, nele abriu-se a nova fase da história humana: “A era final do mundo: a prometida restauração, que esperamos, começou já em Cristo, foi impulsionada com a vinda do Espírito Santo, e continua no meio da Igreja...”[2] Em Cristo, em sua palavra, em seus gestos, começou a concretizar-se o Reino de Deus (cf. LG, 5). Nele inaugurou-se na terra o Reino dos céus (cf. LG, 3; DV, 17). Por Cristo no Espírito o Reino já está presente em mistério(LG, 3): his in terris regnum iam in misterio (GS, 39c). Igreja é sinal escatológico do Reino já inaugurado e ainda não acabado; nisso se estrutura a imagem de “germen et initium” do Reino.[3] A Igreja, na condição deste movimento dialético de estar na meta e rumo a meta, já antecipa na história a vitória que foi decretada por Deus, mas que ainda não foi consumada em toda humanidade. K. Rahner fala do movimento dialético de busca do Reino e posso iniciada como um sinal escatológico, pois a comunidade escatológica representa o futuro já presente.[4]
É muito importante vislumbrar a íntima relação entre linguagem sacramental e missão da Igreja. Os padres ao levantar a tese da Igreja como sinal e instrumento do Reino, une numa só realidade o mistério e a efetivação em processo. “A Igreja antecipa como real-simbolicamente esse Reino, em todo seu conteúdo de sentido, como vontade de Deus – vinda em Jesus Cristo ao mundo – de paz, justiça e vida; ao seguir Jesus, ela já pode ser, na história, a antecipação do Reino de Deus que transcende e consuma toda a história.”[5]
É a partir dessa imagem eclesiologica sinal e sacramento do Reino que a linguagem sacramental tem importância na nossa pesquisa. A linguagem sacramental se expressa na vida concreto como ação simbólica que produz uma intercomunicação dos diversos personagens integrantes da trama da vida: Deus, a comunidade de fé ou a comunidade eclesial de fé, a pessoa do fiel e a graça. Essa linguagem é sempre mediada, pelo símbolo que manifesta elementos da realidade em si, mas que, ao mesmo tempo, não a esgota, apontando à plenitude do real. Neste sentido, o símbolo é um modo de presentificar a realidade ausente.
Na linguagem simbólica dos sacramentos se esconde uma função essencial que consiste em antecipar e experimentar sacramentalmente aquilo que se espera na fé. É neste sentido que podemos e devemos vislumbrar na sacramentologia a própria tensão escatológica da Igreja. É por isso que o no 48 da Lumen Gentium fala dos sacramentos como um revestimento visível, imersos na fragilidade deste mundo que passa, mas dotados da graça de Deus que transcende o tempo.[6]
A realidade simbólica é, por assim dizer, uma maneira que o homem possui para expressar-se no mundo. Por isso é imprescindível recuperar o valor e o papel do símbolo no contexto hodierno como condição para colocar a relevância do discurso escatológico na sociedade atual. A escatologia, e por conseguinte, a Igreja como sinal e instrumento do Reino, somente atingirá o homem atual quando se reconstruir a eficácia da linguagem simbólica na vida do ser humano. Só rompendo o divórcio entre conteúdo e linguagem simbólica é que falaremos com autoridade das coisas últimas; somente quando o homem entrevê o enrraizamento das coisas primeiras (protologia) com as coisas últimas (escatologia), a vida retomará o valor que sempre lhe foi dada por Deus.
O homem sentir-se-á envolvido escatologicamente no caminho para Deus, à medida, que a Igreja sacramento antecipatório do Reino for para ele uma realidade familiar. E para o sacramento penetrar o homem ele necessita encontrar-se como ser simbólico, um ser de abertura. Fica claro que o pensamento simbólico é algo consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e a própria razão discursiva. Não se trata de uma criação irresponsável da psique, mas algo que envolve todo o ser humano nas suas tarefas de ser aberto à comunicação.[7]
Negar ao homem uma dimensão simbólica é deslocá-lo para uma realidade fechada; forçando-o a uma vida onde sua corporeidade é objetivada, dissecada, reduzida e coisificada. Quando isso acontece a realidade sacramental se separa da vida, chegando a uma total indiferença. A Igreja é aqui minimizada e reduzida a uma associação de pessoas que se encontra por ritualismo, porém que não se comprometem com a difusão do Reino. A ecclesia deixa de ser instrumento do Reino para se converter em realidade desejada. A utopia do Reino transforma-se em topias diária e nada mais.[8] Mas isto contradiz a existência humana que é ser aberto à salvação de Deus e, portanto, a comunicação da graça salvífica. É neste sentido que os sacramentos são acontecimento da graça divina que perdoam; que santificam e que divinizam, mas não são em sentido alheio ao homem. É por isso que afirma Rahner que a graça não se realiza como fenômeno particular, ao lado do resto da vida do homem, mas é a radicalidade de tudo aquilo que a criatura espiritual vive e sofre.[9]
Assim podemos afirma que a linguagem sacramental é importante ao discurso escatológico, uma vez que, a Igreja como sinal do Reino é um sacramento de salvação apontando em meio às figuras deste mundo a realidade que não passa (cf. LG 48c; Rm 8, 19-22). A sacramentalidade é linguagem que imprime em signos inteligíveis a graça que não se vê. Pois através dela explicita-se o que estava implícito, desvela-se o que estava escondido como que num véu, e realiza-se a unidade entre o que é manifestado e aquilo pelo qual o manifestado se presentifica.[10]
É neste sentido que podemos entender a Igreja como sinal escatológico do Reino. O reino de Deus é a meta última, a consumação de tudo, quando todas as coisas serão renovadas plenamente em Cristo. Esse é o horizonte radical e mais profundo da sacramentalidade da Igreja. O destino de tudo encontra sua consolação no mistério segunda vinda do Senhor. Quando com todo gênero humano, também o mundo todo, que se encontra intimamente ligado ao homem e por ele chega ao seu fim, será perfeitamente renovado em Cristo (LG, 48a) então a Igreja como sinal do Reino não será mais necessária. Mas até que isso aconteça a ela caminha como sacramento visível da realidade invisível da graça de Cristo.[11]

IV. Reconstruído o itinerário do simbolismo Sacramental.
Assistimos hoje nos nossos dias um verdadeiro esvaziamento do caráter simbólico-escatológico da vida, da sacramentalidade do mundo e da transcendência do ser humano a uma esfera espiritual. O imperialismo da técnica e os raciocínios instrumentais, próprios da ciência moderna, como também a secularização traz muita dificuldade à linguagem simbólica. A realidade do homem atual empalideceu no mundo o viés simbólico. Tal constatação tem subjugado o discurso escatológico a uma situação de fragilidade, que emergem da perda do próprio sentido da vida e do papel simbólico do mundo como caminho para Deus. D. Sartore salienta, que a atual situação exige dos cristãos coragem e esforço para não perder a dimensão fundamental de nossa história que é a salvação revelada em Cristo.[12]
A crise da linguagem simbólica afeta diretamente o cristianismo, pois o seu núcleo está expresso numa linguagem simbólica: a esperança nos bens futuros anunciados na revelação do homem-Deus, Jesus Cristo. O centro é a encarnação de Jesus Cristo; o mistério de Deus revelado na história, sacramento primordial e supremo da fé cristã. Cristo como sacramento do encontro com Deus[13] não será bem entendido sem uma larga compreensão do simbolismo da criação na trajetória da autocomunicação de Deus. Porque “o encontro humano realiza-se, pois pela e na presença visível do corpo, sinal que, ao mesmo tempo, cobre e desvenda a interioridade humana.”[14]
O simbolismo é o caminho que o ser humano percorre para transcender a esfera do incondicionado, do infinito, do ilimitado de Deus. Por isso no simbolismo encontram-se os elementos fundamentais à linguagem sacramental, e conseqüentemente ao maior entendimento da Igreja como índole escatológica para o Reino. Daí que “um cristianismo sem vitalidade simbólica será talvez um cristianismo com alguma força institucional, mas sem capacidade de inquietação e sugestão. Será filho do ritual, mas sem oxigênio renovador nem impulsionador. Terá consistência da organização, da boa administração, da burocracia e até sofisticada conceituação teológica, mas carecerá do dinamismo e da alegria que apontam para o mistério e vivem dele.”[15] Urge recuperar a dimensão simbólica, evocadora e sugestiva do Mistério, pois do contrário o cristianismo e suas liturgias serão apenas ritualismo esvaziado, moralismo formal extrínseco.
Recuperar o papel do simbolismo é responder a uma necessidade de re-humanizar o nosso mundo, encontrando novamente o sentido perdido da vida. Trata-se de recuperar o primado da pessoa, com todas as suas dimensões, sobretudo a espiritual. Pois, com efeito, a crise do simbolismo é também crise do cristianismo, e a crise do cristianismo deságua na fragmentação do discurso escatológico. Falar de índole escatológica; de vocação última do cristão; de unidade e comunhão entre a Igreja peregrina e a Igreja celeste sem uma consciência simbólico-sacramental profunda pode levar o debate ao fundamentalismo e ao isolamento sem chegar a lugar nenhum. Sem o sentido sacramental a experiência religioso-cristã carece de elementos de comunicabilidade, pois é pelo sinal sacramental que o inefável, o tremendum se revela ao humano. Como o ser humano é um ser simbólico por essência, o cristianismo que é sinal da presença de Cristo necessita do simbolismo para comunicar-se com toda realidade humana que é sacramental. A ausência do sentido profundo do símbolo põe em dificuldade a transcendência da comunicação religiosa. Porque no cristianismo os símbolos são formas salutares de inserção do mistério na história.[16]



Recuperando o conceito de Símbolo.

O termo símbolo provém da palavra grega symbolon, derivada do verbo symballein ou symbállo, que significa lançar com, colocar junto, unir.[17] Na terminologia clássica trata-se de um objeto composto de uma parte na qual uma fundia-se a outra formando uma unidade. Na significação do conceito, uma parte isolada perde seu valor. Desta forma o valor do símbolo está na relação de unidade entre as metades. No símbolo, neste sentido, unem-se duas partes separadas, mas não antagônicas, formando uma realidade complexa.[18]
O símbolo, todavia, não consiste apenas nesta definição elencada. Ele comporta mais que juntar coisas dispersas. Na verdade, a principal função do símbolo é estabelecer unidade. Através dos símbolos gera-se um canal de comunicação entre aquilo que estava separado. Assim o símbolo propicia e comporta meios de comunicação e unidade entre realidades.[19]
Mas para que esse símbolo exerça sua função e seu papel na linguagem humana; ou seja, para que possa comunicar e estabelecer unidade ele necessita ser compreendido e auscultado pelo ser humano. O processo de simbolização é inexoravelmente uma necessidade humana. Pois, o pensamento simbólico é algo consubstancial ao ser humano; precede essência do seu ser.[20]
O símbolo possui uma linguagem própria que revelar parte da realidade, que em certo sentido a linguagem analítica não consegue apresentar. O homem religioso percebe a fala do Mistério por meio dos sinais. É como afirma José María Mardones: “a realidade em profundidade não se manifesta em linguagem direta, funcional ou utilitária e objetiva, mas o faz indiretamente por meio do símbolo. Portanto o símbolo não é mero reflexo da realidade que jaz aqui diante de nossa percepção, mas revela algo da profundidade e da riqueza inesgotável da realidade, isto é, de seu Mistério. O símbolo, neste caso religioso, ‘revela uma modalidade do real ou uma estrutura do mundo (transcendente) que não é evidente no nível da experiência imediata.”[21]
No campo religioso o sinal é a linguagem mais apropriada à fé, pois remete à realidade do Mistério que a racionalidade ausente de símbolos não consegue responder satisfatoriamente. Isto significa dizer que através do símbolo as pessoas conseguem atingir e expressar sua fé com mais amplitude. E isto acontece porque aquilo que toca o homem incondicionalmente precisa ser expresso por meio do símbolo.[22] A linguagem simbólica é, neste sentido, a mediação entre a realidade espiritual do Mistério e a experiência humana concreta. É importante ter bem claro que o Concilio chama a Igreja mistério, sinal e instrumento do Reino, e como sinal ela apresenta-se em linguagem sacramental. A Igreja é Sacramento porque depois da ascensão, o corpo de Jesus é uma transparência perfeita – a mais perfeita possível entre as criaturas – da divindade. Por isso olhar terreno pode ver Cristo gloriosos sem o véu da corporeidade. Porém, Jesus se faz visível através de sua Igreja sinal, sacramento e instrumento de salvação.[23]
É importante destacar que o símbolo possui características e aspectos próprios e inerentes à sua realidade. Para D. Sartore, o campo simbólico comporta um conjunto de elementos sensíveis no qual, o homem, seguindo o dinamismo das imagens percebe, capta e compreende os significados que transcendem as realidades concretas.[24]
No simbolismo descobrimos uma nova relação com a realidade e, sobretudo, uma possibilidade de comunicar de forma mais profunda com tudo que o está ao nosso redor. Lembra-nos M. Augé que nossa capacidade simbólica não consiste apenas em dizer ou realizar coisas, mas em ver todas as coisas de um modo integral, interligado e globalmente significativos. [25]
Como o ser humano é um ser simbólico isso significa dizer que a compreensão humana não estar limitada somente ao campo semântico analítico e nem ao campo do puramente material. Pela linguagem simbólico-sacramental o homem transcende o mundo material. Há, segundo M. Augé, “uma tensão dialética entre o natural e o sobrenatural, entre história e escatologia, entre imanência e transcendência; de forma que eles encontram no simbolismo a possibilidade de sair da contradição fundamentalmente de concorrência para evoluir rumo a uma situação de efetiva e recíproca afirmação.”[26] A realidade simbólico-sacramental faz emergir paradoxalmente a experiência de Deus na pequenez de um sinal sacramental, presente num gesto ritual. É como diz Belloso: “a fragilidade dos símbolos contrasta com a elevação que Deus lhes imprime até convertê-los em puras transcendências do dom divino (escatológico), o que ocorre, sobretudo com o pão e o vinho da eucaristia.”[27] Aqui se entende com mais probidade a tensão escatológica da Igreja em ser sinal e realidade no “já da história da esperança que ainda não se realizou plenamente em nós.[28]
Cabe aqui distinguir o que é um símbolo real e um símbolo representativo. Este último serve para comunicar; informar sobre alguma realidade ausente ou imperceptível no momento. Por exemplo, uma placa de transito é um símbolo informativo, pois ela não remete à coisa, apenas comunica uma realidade que está por vir. O símbolo informativo não contém a realidade nem parte dela. Por outro lado o sacramento é um símbolo real, pois realiza aquilo que comunica. Os sacramentos são sinais eficazes da graça. Como afirma o Catecismo da Igreja Católica, ”os ritos visíveis sob os quais os sacramentos são celebrados significam e realizam as graças próprias de cada sacramento.”[29] É neste sentido que a Igreja não somente anuncia pela pregação e sacramentos o Reino, mas ela já antecipa o Reino porque insere o fiel no mistério Deus. A parusia se constrói na tensão do Reino já presente em sinais e sua irrupção última e definitiva já aparece aqui. O Reino de Deus já está presente através dos sinais maravilhosos, dos milagres, e de tudo que Jesus operou e continua realizando pela Igreja com o auxílio do Espírito Santo.[30]

VI. A mediação dos sinais sacramentais.
A teologia encontra seus fundamentos na história da salvação judeu-cristã. A comunicação divina é sempre mediada. Já no Antigo Testamento, ela foi realizada por meio da aliança, da lei e do envio dos profetas as quais constituem elementos imprescindíveis para identificar a presença de Deus entre o povo (Gn 9,9; Ex 2,24; Lv 26,9; Is 59,21; Jr 50,5; Ez 37,26; Ml 26,28). Também no Novo Testamento por meio de Jesus Cristo, sacramento do encontro com Deus, e da comunidade escatológica de salvação Deus continua a apresentar-se ao ser humano. A tensão escatológica da Igreja aparece como uma realidade característica da chamada mediação. A noção de mediação é fundamental à teologia sacramental e a escatologia.
Segundo a tradição judaico-cristã, Deus sempre se comunicou com seu povo através da mediação de sinais e gestos concretos. “muita vezes e de modos diversos falou Deus outrora aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos”(Hb 1, 1-2). Neste sentido a história da Salvação é o lugar privilegiado da Palavra profética. A história para Israel converte-se processo que tem um fim determinado em Deus.[31] É historia salvífica que encontra na pessoa de Jesus Cristo seu conteúdo definitivo. Para o povo de Israel o evento histórico estar voltado a Deus que escolheu Israel, libertou, salvou.[32]
No Antigo Testamento a Torá, ganha destaque especial, porque constitui o sinal mais evidente da disposição e beneplácito de Deus para com o antigo Israel. A eleição e a aliança revela a presença de Deus entre o povo de Deus eleito. A história de Israel reveste-se de sentido e esperança. Em tempo pós-exílico a Torá é celebrada anualmente na “festa da alegria da Torá”. Nesta solenidade os rolos são tirados do armário e conduzidos em alegre procissão; depois recolocados em seu lugar.[33] Tudo isso para simbolizar a presença de Deus que caminha com seu povo. Também no contexto da mediação podem-se elencar os gestos simbólicos dos profetas, por exemplo: Elias que lança o manto sobre Eliseu (1Rs 19,19-21), como símbolo da eleição de Deus. De forma geral pode-se dizer que toda historia de Israel tem um caráter simbólico, desde os seus processos políticos, até as grandes epifanias como a sarça ardente (Ex 3, 1-6).
No Novo testamento Deus se comunicou a humanidade pela mediação do seu Filho Jesus Cristo. Ele é o Verbo divino que veio habitar no seio da história. Novamente a historicidade torna-se critério para compreender a revelação. A história aqui não se restringe a mera conexão de fatos, mas comporta a consciência que o próprio Jesus tinha ao situar-se diante da sua vida, dando sentido a sua entrega e a assumindo como resposta fiel à vontade do Pai.[34]
O sinal mais fundamental da autocomunicação mediada de Deus foi a encarnação do Filho. Jesus é a manifestação, por excelência de Deus; Schillebeeckx, fala que Jesus é o lugar do encontro de Deus com a humanidade. O encontro humano realiza-se pela corporeidade. A sacramentalidade só é possível pela presença do corpo que paradoxalmente como sinal manifesta e vela a interioridade e mistério. “Assim o homem Jesus, manifestação terrestre e pessoal da graça e redenção divina, é o Sacramento Primordial, pois este homem, Filho de Deus, é querido pelo Pai como único acesso à realidade de salvação”.[35]
Os sacramentos da Nova Aliança são, portanto, atualização e antecipação escatológica da graça de Deus manifestada em Cristo.[36] A esta comunicação divina pede-se, por parte dos crentes, a resposta obediente da fé. Aqui entra fundamentalmente o papel da linguagem simbólica, pois a revelação dirigida a seres humanos é uma mensagem que une corporeidade e historicidade. Neste sentido o sinal sacramental aproxima a realidade simbolizada levando a uma experiência de antecipação e antegozo com mistério. É neste sentido que o concílio chama a Igreja de sacramento, sinal e instrumento do Reino escatológico: “A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano...” (cf. LG, 1). Em outro momento o Concílio afirma que a missão da Igreja é promover a unidade porque ela é em Cristo sacramento e sinal desta união de Deus com os seres humanos (cf. GS, 42). Ainda podemos verificar a referência à como sinal e sacramento da salvação presente no nº 48, aqui a Igreja enunciado propõem que Cristo elevado sobre a terra atraiu todos a ele, e, que infundindo seu Espírito Santo vivificador sobre os discípulos constituiu a Igreja como sacramento universal da salvação.[37]
Como os sacramentos contêm nos seus sinais sacramentais a realidade que comunicam, então é muito justo que a abordagem sacramental não seja periférica na argumentação sobre a missão da Igreja que consiste em ser sinal como tensão escatológica da comunidade de salvação rumo ao reino definitivo, no qual a sua realidade sacramental já aponta como aurora resplandecente de beleza.
O que tentamos demonstrar aqui não foi em vista de uma teologia dos sacramentos, mas verificar como a realidade sacramental é imprescindível para uma reta compreensão do tema fundamental de nossa tese, que é explicar a tensão de ser já uma comunidade de salvação e ao mesmo tempo esperar a salvação definitiva. Somente resolveremos tal paradoxo tendo em mente o papel do simbolismo sacramental da Igreja na sua peregrinação entre a Igreja celestial e a Igreja em caminho. O pensamento simbólico com suas dimensões de mediação representa um uma porta aberta para entrever todo o edifício do VII capitulo da Lumen Gentium.

[1] Cf. KLOPPENBURG, B., A Natureza e a Missão da Igreja, in REB – Revista Eclesiástica Brasileira, fasc. 4, Vozes, Petrópolis, 1969, pp. 801-802
[2] LG, 48b
[3] Cf. KLOPPENBURG, B., A Natureza e a Missão da Igreja, op. Cit, 801-812
[4] RAHNER, K. Kirche und Parusie Christi, in E’crits Theologique, Vol. 10, n Textes et Etudes Theologiques, Paris: Desclée de Brouwer, 1970, pp. 107-119
[5] MEDARD, K., A Igreja: Uma Eclesiologia Católica, Loyola, São Paulo, 1997, p.86
[6] Cf. BELLOSO, Josep M. Rovira, Os Sacramentos: símbolos do Espírito, coleção Sacramentos e Sacramentais, São Paulo, Paulinas, 2005, pp. 25-29.
[7] Cf. ELIADE, M., Imagens e Símbolos. São Paulo, Martins fontes, 1996, pp. 7-9.
[8] NIJMEGEN - SECRETARIADO GERAL, A Utopia, in CONCILIUM (Revista Internacional de Teologia), n° 1 Dogma: Escatologia, jan-1969, pp. 130-145
[9] Cf. RAHNER, K. O Homem e a Graça, São Paulo, Paulinas, 1970, pp. 23-26
[10] Cf. BOROBIO, op.cit., p. 65.
[11] KLOPPENBURG, B., A Natureza e a Missão da Igreja, in REB – Revista Eclesiástica Brasileira, fasc. 4, Vozes, Petrópolis, 1969, pp. 801-802
[12] Cf. SARTORE, D. e ,ACHILLE, M., verbete sinal/simbolismo: Crise e oportunidade do simbolismo litúrgico, in Dicionário de Liturgia, São Paulo, Paulinas/Paulistas, 1992, pp. 1148-1149.
[13] Cf. SCHILLEBEECKX, E., Cristo, Sacramento do Encontro com Deus:Estudo Teológico sobre a Salvação mediante os Sacramentos, 2a edição, Petrópolis, Vozes, 1968.
[14] SCHILLEBEECKX, E., op. cit. P.21
[15] MARDONES, José María, A Vida dos Símbolos: A Dimensão Simbólica da Religião, São Paulo, Paulinas, 2006, p. 11.
[16] Cf. SAMANES, C.F. e Acosta, J. T., Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo, São Paulo, Paulinas, 2006, p. 784.
[17] Cf. SARTORE, D. e ,ACHILLE, M., verbete sinal/simbolismo: Crise e oportunidade do simbolismo litúrgico, in Dicionário de Liturgia, São Paulo, Paulinas/Paulistas, 1992, p. 1143.
[18] Idem. Ibidem.
[19] Cf. AUGÉ, M., Liturgia: História, Celebração, Teologia, Espiritualidade. 2a edição São Paulo, Ave Maria, 2004, pp. 98-100.
[20] Cf. ELIADE, M., Imagens e Símbolos. São Paulo, Martins fontes, 1996, p. 8.
[21]MARDONES, José María, A Vida dos Símbolos: A Dimensão Simbólica da Religião, São Paulo, Paulinas, 2006, p. 89.
[22] Cf. TILLICH, P., Dinâmica da fé, São Leopoldo, Sinodal, 1974, in KLEIN, R., O Lugar e o Papel dos símbolos no processo educativo-religioso. Disponível emhttp://www.est.com.br./publicaçoes/estudos_teologicos.
[23] CF. GABÁS, R. Indole Escatologica de la Iglesia Peregrinante y su unión con la Iglesia Celeste. In GONZALEZ, Casimiro M. Comentários a la Constitución sobre la Iglesia, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1966, pp. 901-902
[24] Cf. SARTORE, D. e ,ACHILLE, M., op. cit. p. 1142
[25] Cf. AUGÉ, M, op. cit., pp. 99-100
[26] AUGÉ, M, op. cit. 101.
[27]BELLOSO, Josep M. Rovira, Os Sacramentos: símbolos do Espírito, coleção Sacramentos e Sacramentais, São Paulo, Paulinas, 2005, p. 58.
[28] Cf. KOCLEGA, Jan, L’indole Escatologica Della chiesa: La prospetiva “già e non ancora” della pienezza del nuovo popolo di Dio nel capitolo VII della Lumen gentium, Roma, Pontificia Università della Santa Croce, 2000, pp. 78- 82; POZO, Candido. Teologia del mas Allá, (Biblioteca de autores cristianos), Madrid Ed. Catolica, 1968, pp. 542-548; CF. GABÁS, R. Indole Escatologica de la Iglesia Peregrinante y su unión con la Iglesia Celeste. In GONZALEZ, Casimiro M. Comentários a la Constitución sobre la Iglesia, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1966, pp. 901-907
[29] Catecismo da Igreja Católica, no 1131.
[30] LIBANIO, João Batista/ BINGEMER, Maria Clara L., Escatologia Cristã: o novo céu e a nova terra, Tomo X, Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 108-119
[31] Cf. LATOURELLA, R., Teologia da Revelação, 4aedição, São Paulo, Paulinas, 1985, pp.30-34
[32]Cf. NOCKE, Franz-Josef, Doutrina geral dos Sacramentos, In Schneider, T., (org), Manual de Dogmática, Vol. II, 2ª edição, Petrópolis, Vozes,2002, pp. 174-175.
[33]Idem. Ibidem.
[34] Cf. FISICHELLA, R., Introdução à teologia fundamental. São Paulo, Loyola, 2000, pp. 70-71
[35] SCHILLEBEECKX, E., Cristo, Sacramento do Encontro com Deus:Estudo Teológico sobre a Salvação mediante os Sacramentos, 2a edição, Petrópolis, Vozes, 1968, p. 21.
[36] Cf. Catecismo da Igreja Católica, no 1131
[37] É importante notar que a referencias ao aspecto sacramental da Igreja não é circunstância marginal, mas faz parte do escopo temático do concílio (cf. LG, 2, 9; GS, 40, 45; NA, 4; SC, 7), pois segundo Kloppenburg Boaventura, era desejo de João XXIII apresentar a Igreja ao mundo apresentado seu mistério de forma bem condizente com os tempos atuais, mas sem perder o conteúdo da tradição e a sua realidade mistérica. Cf. KLOPPENBURG, Frei Boaventura, OFM, Concílio Vaticano II, Vol. IV Terceira sessão conciliar, Vozes, Petrópolis, 1972, pp. 11-19.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A CONTROVÉRSIA SOBRE A GRAÇA NO V SÉCULO DA IGREJA


Pelágio e suas Idéias
No ocidente as disputas teológicas concentram-se sobre as questões antropológicas e soteriológicas, ou seja, sobre o problema da salvação e seus fatores decisivos: a capacidade do homem, as consequências do pecado original, a relação entre a graça divina e a liberdade humana. Ao pelagiano opô-se, no século V, Santo Agostinho.
No século V Pelágio havia debatido ferozmente com Agostinho sobre o pecado original e suas consequências. Agostinho mantinha a ideia que o pecado original de Adão foi herdado por toda a humanidade e que, mesmo que o homem caído retenha a habilidade para escolher, ele está escravizado ao pecado e não pode não pecar. Por outro lado, Pelágio insistia que a queda de Adão afetara apenas a Adão, e que se Deus exige das pessoas que vivam vidas perfeitas, Ele também dá a habilidade moral para que elas possam fazer assim. Ele reivindicou tempos adiante que a graça divina era desnecessária para salvação, embora, facilitasse a obediência.
Tudo isso se deu devido o caráter ocidental, romano e latino, da vida prática dos cristãos, sobretudo de Roma. Quando Pelágio chegou à cidade de Roma ficou profundamente impressionado com a imoralidade do ambiente, e decidiu começar uma reforma moralista nos sacerdotes romanos.
Com a multiplicação das conversões, a multidão que lotava igrejas era formada, em sua, maioria, por cristãos recém-convertidos, por catecúmenos insuficientemente instruídos que ainda viviam num ambiente amplamente impregnado de costumes pagãos; essa massa preocupava-se essencialmente em obter o perdão dos pecados e a garantia da felicidade no além (era rara a persuasão da necessidade de uma renovação interior que investisse o homem todo). Tais tendências eram reforçadas pelo ensino de Joviniano, em oposição à vida ascética - inadmissibilidade da graça do batismo, inutilidade das boas obras, não-concessão de um valor especial à castidade - e, pelo fatalismo e dualismo dos maniqueus.



A pessoa de Pelágio:
Pelágio (350-425) era um monge nascido na Grã-bretanha, dotado de muita força de vontade e profundo senso do dever, eloquente e autodidata em teologia. Rigoroso com a moralidade do cristianismo, com um ideal de perfeccionismo, chegando a imputar no ser humano um certo grau de heroísmo, quase como uma auto-salvação. Chegado a Roma, começou a atacar a tepidez e hipocrisia de muitos cristãos, e logo um círculo de amigos se formou ao seu redor.
Insatisfeitos apenas com as exortações orais, os pelagianos tentaram também uma obra de renovação moral por meio de escritos: durante sua estada em Roma, Pelágio publicou um comentário às cartas de Paulo, e Celéstio, advogado e monge, um tratado sobre o pecado original (Contra traducem peccati).
O rigor moral não conseguiu evitar que o círculo pelagiano incidisse numa certa complacência para consigo mesmo, dado que transparece no comportamento de Pelágio.
A insistência sobre a coerência moral degradou-se na segurança de si e na confiança nas próprias forças; ademais pelágio estava persuadido de que a "Igreja somos nós", ele próprio contribuiu para a acentuação crescente desta atitude: embora pretendesse ser sobretudo um reformador social, teve de evocar princípios teóricos para justificar seu comportamento.

Princípios fundamentais do sistema de Pelágio:
absoluta liberdade e auto-suficiência do homem: a vontade humana é perfeitamente livre, dependente apenas de si para evitar o pecado;
justiça infinita de Deus: Deus é justo e não pode impor-nos algo que supere nossas forças, e não pode dar a alguém um auxílio maior que a outrem.

Destes dois princípios, Pelágio tirou várias consequências:
O homem não necessita da ajuda divina para observar os mandamentos: ele pode ser sem pecado e somente com o livre-arbítrio cumprir os mandamentos; a única graça admitida é a medicinal, para a remissão dos pecados pessoais e atuais; a criação, o livre arbítrio, a encarnação de Cristo, os exemplos de Cristo...são graças externas; negação da necessidade da graça interna sobrenatural que torna o homem capaz de compreender e de seguir aquilo que é incapaz, contando com seus próprios recursos.
Para Pelágio o cristão faz uso do poder que lhe foi dado uma vez para sempre na criação, isto é, a liberdade, único dom dado ao homem, que permanece, caso contrário, necessitaria de uma força estanha a sua vontade, isso poria fim a liberdade humano.
O pecado original não nos enfraqueceu e estamos nas mesmas condições em que Adão foi criado: Deus seria injusto imputando-nos uma culpa que nos é alheia; Adão foi criado mortal, com nossas mesmas concupiscências, que são fortes em nos devido aos efeitos dos maus hábitos e exemplos;
Sendo assim, a redenção consiste no bom exemplo que Cristo nos deu, vivendo entre nós; o batismo é necessário para os adultos, a fim de obter o perdão dos pecados pessoais, e não para as crianças antes do uso da razão (distinção entre Reino de Deus e vida eterna).
O cristianismo de Pelágio constituía uma reação à fé sem obras, próprio de joviniano, e ao pessimismo maniqueu, e reduzia-se a um complexo de preceitos morais. Negando a transmissão do pecado original e salientando as possibilidades inatas da natureza humana, reduzindo-se à simples iluminação do homem acerca do fim a ser perseguido, para, posteriormente coroar seus esforços para a consecução desse fim; Pelágio reduzia a graça ao perdão dos pecados atuais e a um conhecimento maior da lei divina, ou seja, a uma ajuda concedida à vontade humana, mas apenas para facilitar o que qualquer homem está em grau de cumprir com as próprias forças de sua natureza.


Bibliografia consultada:

DANIÉLOU, J.& MARROU, H. Nova História da Igreja: dos primórdios a São Gregório
Magno, Vozes, Petrópolis, 1984.
FEINER, J. & LOEHRER, M. Misterium Salutis Vol. IV/7, Vozes, Petrópolis, 1978.
SESBOÜÉ, B. O Homem e Sua Salvação. Col. História dos Dogmas. vol.2, Loyola, SP,
2003.

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C) Um homem vem a Jesus pedindo que diga ao irmão que reparta consigo a herança. Depois ...