quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A morte de Deus em Nietzsche.


A idéia de Nietzsche acerca do homem é que ele cria seus próprios valores. O homem é quem confere um sentido a sua vida e ao mundo. Isto Nietzsche afirma em Zaratrusta: o homem é criador de seus próprios valores, que a evolução consiste em dar valor ao seu mundo e o valor se estabelece pela evolução e é por essa evolução que o homem atribui sentido a própria realidade. Para ele o homem compreende-se a partir de si mesmo e não fora de si, como sempre manifestou a metafísica e o cristianismo.
Para Nietzsche a grande falácia do mundo Ocidental, como já vimos no ponto anterior foi ter definido que não existe mundo real sem uma pré-compreensão de mundo ideal ou metafísica. Critica esse critério, pois segundo ele é o homem que profere critério e sentido ao mundo.[1]
O supra-sensível não se apresenta como uma simples ocorrência de algum pensamento, mas como resultado das questões do ser sensível mesmo. Para Nietzsche, o metafísico não está relacionado a uma coisa fora do mundo, mas ao sensível mesmo como condição da experiência mesma. Daí nasce o problema: como o homem pode criar se existe algo que é anteposto a ele, uma realidade fundamental fora dele? Para Nietzsche aqui se encontra o grande problema do Ocidente, o fato de ter unido o ser ideal ao ser real, uni o ser da coisa com a coisa mesma. Essa união fez com que o homem buscasse fora dele algo que pudesse fundamentar a sua realidade. Para Estrada Nietzsche desejava que o homem se preocupasse com o aqui e agora do indivíduo e do instante histórico.[2]
Para Nietzsche os que Platão não pôde fazer, o fizeram e o levaram a cabo os primeiros teólogos cristãos que identificam o ser absoluto de Platão a necessidade do Deus pessoal. Reconhecem no absoluto de Platão o ser que verdadeiramente é, uma espécie de preparatório ou antecipação racional do mesmo e único Deus. Toda filosofia do Ocidente até Kant se moveu, segundo Nietzsche, no horizonte desta concepção:é o problema do ser e do valor que permanecerá unido ao problema de Deus.[3]
A filosofia de Nietzsche, por outro lado, está nas antípodas de uma filosofia na qual não faz falta falar de Deus. Ela pretende ser uma leitura dos sinais e sintomas de uma crise de fé. Segundo Ledure, Nietzsche percebe no cristianismo uma sintomologia da fraqueza e da impotência. O cristianismo resume a o grito dos fracos contra o poder dos fortes e o vigor da vida.[4]
Deve está clara a peculiar literária fórmula nietzschiana Deus morreu que não é uma proposição teórica ou especulativa, mas sim uma proposição parabólica ou dramática. No sentido parabólico ou dramático há uma diferença, na proposição Deus morreu, pois aqui se opera uma síntese entre a compreensão de Deus, do homem e da historia, em seu passado e seu futuro. Então, o que está morto não é Deus mesmo, mas a fé que o homem depositou nele.[5]
Nasce uma critica seria a fé religiosa. A morte de Deus não é somente uma palavra teórica ou conceitual, mas um acontecimento histórico como algo que aconteceu ao homem na sua relação com Deus. Este acontecimento define aos seus olhos a essência de uma época histórica, a nossa. Vivemos num mundo histórico-cultural no qual Deus está ausente em boa parte.
Nietzsche se deu conta da gravidade da crise contemporânea da fé religiosa. Ele assim se opõe sem duvida, a fé cristã, mas também a incrença banal e o conformismo. Nietzsche decreta a morte do Deus cristão e chega a chamar o cristianismo de a mancha negra da humanidade ou vampiro do imperium Romanum.[6]
O fato de Deus está morto significava dizer que a fé no Deus cristão estava em descrença. E como em Nietzsche Deus não consistia apenas criação de certos crentes, mas a pedra singular e a chave da abóbada do mundo supra-sensível, que nele tem seu sustentáculo, a morte dele era a morte também do conceito metafísico e do fundamento supra-sensível do mundo, enquanto realidade de toda realidade. Tudo isso desmorona, a cultura cristã ocidental, na verdade, é uma irrealidade, e, portanto uma mentira. Nietzsche decreta, por assim dizer, o fim de uma era.
Ora, se toda estrutura do mundo, verdades, valores morais, religião estão ligados a Deus e ao ideal metafísico então o desmoronamento e o fim destas estruturas significa o fim de tudo que encontrava nelas seu fundamento. Deste modo, não resta mais nada senão o niilismo, como vontade de poder.[7] O sem sentido configurado como ausência de ordem no mundo, pois é o homem, para Nietzsche, que dá sentido ao mundo por sua vontade de poder.
Pelo que foi dito assim, já podemos vislumbrar, segundo o pensamento de Colomer, os motivos pelos quais Nietzsche se tornou ateu. Ora, seu motivo primeiro é ético, pois ele se opõe a moral ocidental, que condenava a existência do homem a viver como escravo de um mundo fora de si. Todavia, para suprimir a moral é necessário suprimir também a Deus. Nietzsche questiona neste ponto a posição kantiana da moral que segundo Kant é baseado na necessidade de Deus e da imortalidade da alma. Para Nietzsche a moral oprime o homem de fora. O homem não precisa da moral por que ele está para além do bem e do mal.
Nietzsche propõe, como fica claro outro tipo de moral a moral dos fortes, criadores que não conhecem normas e proibições e que nasce do íntimo do ser humano. É que ele propõe na Genealogia da Moral. A moral de Nietzsche é a do homem livre e absoluto. Daí a impossibilidade de coexistir o homem livre e Deus moralizante.
O segundo elemento do ateísmo de Nietzsche é o seu humanismo. Se o homem cria e dá sentido a todos as coisas ele é o único artífice. Nietzsche que demonstrar até onde pode chegar o homem solitário. O homem como único mediador entre a sua criação. Mas se Deus existe, há fora do homem uma ordem objetiva que o limita na sua própria criação. Para existir o homem nietzschiano (super-homem) Deus tem que morrer, como ele mesmo afirma em Zaratrusta: Deus morreu, que nasça o super-homem.
Por fim o terceiro motivo do ateísmo de Nietzsche é teológico, pois segundo Colomer, o homem se impõe como próprio Deus. Afirmava Nietzsche se existisse Deus ele deveria ser um. Na verdade, ele deseja inaugurar a história do novo homem absolutamente livre onde nada é proibido. Aqui fica claro que Deus aparece como rival do homem, que está em combate com o ser humano.[8]


[1] Para Nietzsche se o medo ao caos e o devir da realidade leva a uma organização racional, axiológica e moral do mundo, também implica a teologia. Assim a problemática de Deus como princípio fundamental e lógico para explicar a ordem no mundo é um erro filosófico, pois deste forma o homem estava preso a outra ordem que não está no mundo e portanto fora dele que limita e delimita sua relação com o mundo real. Ver. ESTRADA, Juan Antonio, Deus nas Tradições Filosóficas, vol.II Da Morte de Deus à Crise do Sujeito, São Paulo, Paulus, 2003, pp. 178-179
[2] Ibid.
[3] COLOMER, Eusebi, El Pensamiento Alemán de Kant a Heidegger, vol.III, Barcelona, Herder, 1990, p. 266
[4] LEDURE, Y, O Pensamento Cristão face à Crítica de Nietzsche, IN Concilium 165/1981/5 Teologia fundamental Nietzsche e o Cristianismo, Petrópolis, vozes, 1981, p. 58
[5] COLOMER, Eusebi, El Pensamiento Alemán de Kant a Heidegger, vol.III, Barcelona, Herder, 1990, p. 266
[6] NIETZSCHE, F., O Anticristo, § 58
[7] Aqui cabe bem o comentário de Estrada ao afirma que o niilismo moral, epistemológico e ontológico, vem ser contraposto ao mundo estável e seguro constituído pelos cristãos apoiado em Sócrates e Platão. A alternativa nietzschiana será à vontade de poder sobre a razão, dos instintos sobre as construções mentais, da liberdade contra os costumes, da criatividade pessoal contra uma ordem previa, enfim da estética contra a ética. Cf. ESTRADA, Juan Antonio, Imagem de Deus: A Filosofia ante a Linguagem Religiosa, São Paulo, Paulinas, 2007, p225
[8] COLOMER, Eusebi, El Pensamiento Alemán de Kant a Heidegger, vol.III, Barcelona, Herder, 1990, pp. 275-278

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