sábado, 24 de outubro de 2009

Homilia da XXIX semana do tempo comum ano B


O cântico do servo sofredor de Isaias culmina na resposta de Jesus no Evangelho: “o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos (cf. Mc 10,45). Aqui já se vislumbra o motivo fundamental da morte de Jesus: resgatar muitos irmãos pelo seu sangue derramado. Em outras palavras o que se deseja afirmar é que pela morte-entrega livre de Jesus Deus reconciliou o mundo a ele. Deste conteúdo teológico nasce a doutrina da satisfação que consiste na tentativa de esclarecer o mistério da eficácia redentora da Páscoa de Cristo.
Como na raiz do pecado das origens estava à desobediência e a autossuficiência, convinha que aquele por quem todas as coisas seriam reconduzida ao Pai, aquele que recapitularia tudo nele, fosse o mais obediente e se esvaziasse de si dando sua vida como serviço à reconciliação. Para Ireneu de Leão Jesus que pela obediência de servo e sofrendo até a morte reconduziu seus irmãos a Deus. Para Ireneu “era preciso, portanto que o que estava para eliminar o pecado e resgatar o homem, digno de morte, se tornasse exatamente o que era este homem reduzido à escravidão pelo pecado e mantido debaixo do poder da morte, para que o pecado fosse morto por um homem e assim o homem saísse da morte. Como pela desobediência de um só homem... muitos foram constituídos pecadores, pela obediência de um só homem... muitos foram justificados...” (cf. Ireneu, Contra Heresias, Lv III, 18,7).
Santo, inocente e sem mancha, Jesus tomou sobre si, por seus irmãos, os pecados que lhes privavam de viver em Deus. Assim, ele reparou aos olhos de Deus as ofensas humanas contra o amor do Criador. Por isso, ele tornou-se o sumossacerdote eminente, perpétuo, definitivo. Ele é capaz de compadecer-se das nossas fraquezas, pois ele mesmo sentiu na sua carne as dores humanas, exceto o pecado. Por ter assumido nossa condição inteiramente, nele encontramos nossa única salvação. Pois para Santo Atanásio, ele é sumossacerdote porque se fez vitima e sacerdote, assumindo tudo que o homem é. E assim pôde recapitular o ser humano integral.
A deia da doutrina da satisfação precisa ser bem entendida, pois um mal entendido pode colocar Deus diante de um problema. Ora, se Deus pode tudo, porque não poupou o sofrimento do Filho? Deus quer castigo do Filho? Mas ele não pecou? Então esse Deus é cruel!? Porém, a compreensão não é bem essa. Desde Idade Media se fala na doutrina da satisfação, essa como já falamos é a expressão da motivação da morte de Jesus. Por amor Jesus quer sofrer pelos seus irmãos que não podendo salvar-se são por ele resgatados. Na tradição judaica o irmão mais velho sempre tinha a missão de resgatar seus irmãos que por um motivo qualquer caíram em escravidão. O irmão mais velho tinha assim a missão de resgatar seus irmãos mais jovens. Ora, Cristo é nosso irmão mais velho. Nele tudo foi criado e sem ele nada do que existe poderia existir. Assim Cristo salva-nos como irmão mais velho, resgata-nos de uma divida impagável por nós. Portanto a motivação da morte de Cristo é por amor aos seus irmãos. Por amor a nós Deus-Filho se faz servo e pobre a fim de enriquecer a todos os que nele crêem.
O grande convite de hoje conclui os dois primeiros feitos após os anúncios solenes da paixão. Ser cristão é essencialmente seguir o Mestre em sua vida e suas palavras, para isto é preciso servir a todos. Mas o terceiro e mais radical convite é sem dúvida o feito hoje: aprender com o Senhor a dar a vida.
Dar a vida é deixar o egoísmo, a “egolatria”, que tanto impera em nossa cultura moderna. Dar a vida é morrer diariamente em vista do bem alheio. Dar a vida é colocar de lado nosso comodismo e investirmos no serviço ao irmão. Dar a vida é não ter medo de sermos de fato “profetas”, anunciando a boa nova do Evangelho que sempre questiona as estruturas de morte que escravizam nossos irmãos.
Caros filhos, nestes dias olhemos melhor para nós mesmos. Tentemos descobrir, bem lá no fundo de nosso coração, o secreto desejo de poder que nos tenta e lutemos para dominá-lo com a ajuda onipotente de Jesus, o sacerdote perfeito.
Disso tudo fica a lição de que não podemos chegar ao reino de Deus com atitudes de superioridade, arrogância e egoísmo. Atitudes que Jesus reprovou no tempo dos apóstolos e continua a reprovar. Quem quiser possuir a vida em si mesmo precisar aprender a servir os irmãos. No reino de Deus não são os títulos e credenciais que abrirão as portas do paraíso, mas a vida colocada a serviços dos outros, pois quem quiser ser o maior deve ser o menor. Se o mestre veio para servir quem somos nós para exigirmos serviçais? Não somos mais que servos inúteis. Peçamos humildemente a capacidade de escolher – como bem ensinou, o apóstolos dos pobres, São Vicente – a humildade e os últimos lugares ao invés das horarias deste mundo para ganharmos no céu a coroa da justiça!
Pe. Fantico Borges, CM

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