sábado, 24 de outubro de 2009

Quais as razões da diversidade das expressões da fé encontradas no Novo Testamento?


Segundo William Henn[1], a diversidade das expressões que encontramos no Novo Testamento (NT) está ligada à multiplicidade de contextos culturais e religiosos no qual se inseriu o cristianismo no inicio de sua formação. Por isso as expressões de fé presentes na Igreja primitiva levam-nos a crer que o cristianismo sofreu varias influências culturais na base de seu credo. Todavia, isso não tira a autoridade e a originalidade da fé cristã.
É importante lembrar, nos alerta William Henn, que os evangelhos não foram escritos de forma independentes, mas que cada um carrega traços e contribuições daquelas comunidades que abraçaram a pregação apostólica. Também é necessário não esquecer que o evangelista antes de ser historiador é um fiel que fez uma experiência radical de Jesus e a interpreta à luz da fé. Portanto, o evangelista não é historiador, que narra um fato histórico, mas um fiel que forma sua personalidade a partir da experiência do encontro com Jesus de Nazaré.
O nosso autor aponta duas razões básicas para essa diversidade das expressões da fé no NT. Primeiro o fato de que o cristianismo recebeu muita influência das culturas e tradições do povo que aderiam à pregação. A segunda razão consistia no fato de que os primeiros cristãos já vinham de uma experiência de fé religiosa (judaísmo, paganismo com suas diversas experiências religiosas). Portanto, as tradições culturais e as diversas religiões estão presentes na base do cristianismo primitivo e contribuíram para essas variações de expressões de fé no NT – que não foram negativas, mas ao contrário, colaboraram para que diversas dimensões da nossa fé se tornassem visíveis. A ausência desta diversidade, segundo William Henn, teria empobrecido a cristologia, a eclesiologia, em fim a mensagem cristã.
Essa diversidade pode ser perceptível no NT principalmente nos diferentes tipos de literatura: os Evangelhos e as Cartas. Cada um dos escritos aborda diferente assunto e evento, cada um apontando detalhes distintos e pontos de vistas diversos; por exemplo: as narrativas da Paixão e da Ressurreição nos Sinóticos em comparação ao Quarto Evangelho trazem particularidades bem significativas a cada comunidade. Para William Henn isso é possível porque a pregação apostólica não anunciava um dogma ou uma idéia, mas uma pessoa: Jesus de Nazaré, com sua história concreta. [2]
Na própria comunidade, entre as próprias lideranças se pode notar como as tradições culturais marcaram a fé primitiva. A luta de Paulo em Jerusalém para libertar os pagãos da obrigatoriedade da lei da circuncisão judaica (cf. At 15, 6-21); o conflito com Paulo, Pedro e Barnabé narrado em Gálatas 2, 11-14; a contenda verificada em Atos 15, 36-41, tendo como desfecho a separação de Paulo e Barnabé. Tudo isso demonstra que havia conflitos, fruto de posturas advindas de tradições culturais. Todavia, essas diferenças não atingiam o conteúdo da pregação; existia uma unidade que permeava tudo: a centralidade da pessoa histórica de Jesus de Nazaré no seu evento pascal: vida, morte e ressurreição.

2. É possível explicar a unidade da fé cristã no Novo Testamento somente a partir da história?
Como na comunidade existia uma diversidade de tradições culturais, onde a religião cristã foi inserindo-se, e, por conseguinte recebeu muita influência destas mesmas culturas, penso ser muito difícil conseguir perceber a unidade da fé cristã utilizando apenas o instrumental histórico.
A história é importante para se conhecer e corroborar o depósito da fé cristã, mas ela sozinha não explica a unidade da fé cristã. Segundo William Henn, mesmo o cânon não é base para explicar a unidade, ao contrário ele explicita a diversidade, uma vez que o cânon vem para garantir que essa diversidade não gere divisão. Portanto o cânon revela a multiplicidade das confissões.
Para conseguir a unidade da fé é necessário manter alguma ordem e estrutura. No centro desta ordem está Jesus de Nazaré. Cristo é o centro do querigma e por isso sinal visível da unidade da fé cristã. Na comunidade tudo converge ao centro que é Jesus. Daí que a unidade da fé não se explica somente com a história, mas, sobretudo a partir da interpretação teológica do evento histórico Jesus de Nazaré. É a partir da interpretação teológica que os dados culturais vão cedendo lugar a ortodoxia da fé.
O Evangelho não é fruto de um pensamento puramente histórico. Ele é conseqüência da experiência do encontro com a Palavra de Deus revelada em Jesus. Assim a unidade da fé cristã está na partilha e no acolhimento por parte de que ouve e aceita a experiência de fé. Essa partilha (pregação, querigma) é aceita e assim cria-se a unidade da Igreja. As pessoas que aceitam a pregação recebem não uma idéia, mas a experiência histórica de vida, morte e ressurreição de Jesus: “o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam: - falamos da Palavra, que é a vida.” (1Jo 1,1) Ou como falava Paulo: “nós, porém, anunciamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos...” (1 Cor 1,23)
A aceitação da experiência de fé faz chegar à unidade da fé. Pela pregação (querigma) e acolhnimento, como resposta da experiência de fé pessoal e comunitária, a Igreja vai criando a unidade. É neste acolhimento da pregação que a diversidade não constitui uma fragmentação, pois todos recebem a mesma mensagem de vida. Essas comunidades com suas tradições vão aceitando e aprofundando a fé cristã dando dinamismo e vida a Igreja. Assim a diferença gera dinamicidade da fé e a enriquece.
O autor ainda levanta alguns pontos onde se poderão averiguar os elementos que contribuíram à unidade da fé cristã. Segundo William Henn, o Querigma comum das comunidades era um forte sinal da unidade, pois mesmo com os diversos contextos e tradições culturais a centralidade do querigma era Cristo, como Deus e Senhor. Cada tradição e/ou comunidade a partir deste “núcleo duro” da pregação fazia sua leitura do evento histórico de Jesus, de modo mais expressivo para seu contexto cultural, sem perder o centro da fé cristã.
Um segundo elemento de verificação da unidade da fé é o diálogo. Pelo diálogo a comunidade produzia unidade, pois fazia a mensagem cristã dialogar com outras tradições sem perder seu conteúdo essencial: Cristo. Esse diálogo era garantido pela presença do Espírito Santo que gerava a unidade. Desta forma o diálogo ajuda a crescer na fé, pois colocava a pregação cristã em contato com outras realidades, levando-a a desenvolver elementos que poderiam ficar obscurecidos caso ela não se defrontasse com diferentes realidades.
Um terceiro elemento que se pode apontar para a unidade da fé cristã é a presença de diversos carismas e ministérios provindos de um único Espírito no seio da comunidade. A diversidade de carismas e ministérios marca a ação do Espírito, que distribui os dons e ministérios livremente como Ele quer para edificação da Igreja. A diversidade de carismas e ministérios enriquece e favorece a unidade, uma vez que cria diálogo e colaboração.
Uma outra coisa que ajuda a verificar a unidade da fé são os textos escritos. O Novo Testamento é um agrupamento de diferentes tradições (fontes) unidas entorno do mesmo e único evento: Jesus de Nazaré. A base dos textos do NT, sobretudo dos evangelhos, sãos as tradições comuns ( Fonte “Q”) , extraídas das comunidades primitivas. Assim os textos do NT, mesmo com suas variações, revelam uma forte unidade na sua redação: todos falam da vida de Jesus e da experiência do encontro com Cristo.
Por fim os lideres das comunidades são também sinais que podem ajudar à explicação da unidade da fé cristã. Ao redor destes lideres – que vivia sua autoridade através dos dons e ministérios do Espírito – muitos conflitos e possíveis contendas eram superadas em vista da unidade. Para William Henn, os escritos do NT possuíam direta ligação com essas lideres (apóstolos, profetas, mestres, confessores.). Através deles a comunidade encontrou um forte sinal de unidade. A reunião de Jerusalém (concílio de Jerusalém), para resolver o conflito sobre a obrigatoriedade da circuncisão para os não-judeus (cf. At 15, 6-21), é um exemplo claro da autoridade desses lideres das comunidades.
Desta forma fica claro que somente com a história é impossível explicar a unidade da fé cristã. Esses cinco elementos: querigma comum, o diálogo com as diferentes culturas, a presença dos carismas e ministérios provenientes do mesmo Espírito, os textos escritos do NT sobre a orientação e auxílio dos lideres das comunidades formam os elementos que apontam à unidade da fé cristã. É lógico que todos esses elementos sobre à luz da interpretação teológica do evento histórico-salvífico: Jesus de Nazaré.
[1] Esse artigo tenta responder a partir do texto de HEN, William, as perguntas propostas pelo Prof. Dr. Mario de França Miranda. Cf. HEN, William One Faith, Biblical and Patristic Contributions Toward Understanding Unity in Faith, Paulist Press, New York/ Mahwah, N.J., pp 60-85.
[2] Cf. HEN, William, One Faith, Biblical and Patristic Contributions Toward Understanding Unity in Faith, Paulist Press, New York/ Mahwah, N.J.

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