sábado, 24 de outubro de 2009

ECONOMIA E TRABALHO



I. Introdução
Nosso trabalho é uma tentativa de comentar sobre o binômio trabalho e economia. Para melhor compreender aquilo que se anela expor aqui acreditamos ser importante uma conceitualização dos dois principais termos deste referido estudo.
Com referência ao termo trabalho a palavra aqui quer significar toda atividade realizada pelo homem, tanto a manual como a intelectual. Isto quer dizer que se deve reconhecer como trabalho humano toda atividade que o homem é capaz, e está disposto a fazer por sua própria natureza. O trabalho identifica o ser humano, pois por meio dele o ser humana transforma seu ambiente natural.
Já o conceito economia é bem mais complexo, por que envolve um conjunto de relações. O que nesta pesquisa chamaremos de economia é a articulação entre a força de trabalho, os meios de produção e acumulação dos bens. A economia, portanto será vista como a administração destas forças numa relação harmoniosa e equilibrada. Ora, o que se pretende definir neste conceito é a estreita relação entre trabalho e produção numa que valorize e favoreça o equilíbrio humano da posse dos bens produzidos.
Esta conceituação já demonstra que a economia está vinculada (esta vinculação como subordinação ao humano) a atividade humana como conseqüência das múltiplas relações de indivíduos. Daí que se pode falar de economia de mercado, política, doméstica e etc.
Nosso intento nestas paginas será apontar alguns aforismas que ajudem a identificar os problemas atuais que envolvem o trabalho e a economia, gerando um conflito entre o ético e econômico. A tônica aqui desenvolvida será efetuada em três momentos. Primeiro vamos apontar os aspectos bíblico-teológicos do binômio, buscando perceber como estes aspectos aparecem nos textos sagrados; quais os princípios fundamentais e a natureza do trabalho. Depois no segundo momento vamos deter-nos mais naquilo que diz respeito aos aspectos antropológicos da relação trabalho e economia. Neste ponto queremos defender a tese que a economia somente é viável se colocar no centro de seus interesses o ser humano como fim e não como meio. Por fim abordaremos como o binômio se desenvolveu nos últimos tempos e quais dificuldades se deverão enfrentar para construir uma economia que sirva, de fato, para criar um mundo sociabilizado e humanamente possível. Daremos atenção neste ponto da pesquisa aos aspectos sócio-econômicos da relação sujeito e objeto do trabalho e da economia.

II. A NATUREZA DO TRABALHO: ASPECTOS TEOLÓGICOS.

A natureza do trabalho humano, segundo um víeis teológico, pode ser interpretado à luz das primeiras páginas do Livro do Gênesis (Gn 1, 28-30; 3, 19), onde o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência humana sobre a terra. “O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus, e chamadas a prolongar, umas com as outras, a obra da criação dominando a terra.”[1] O trabalho visto desta forma é um prolongamento da ação criadora de Deus, onde o homem é “co-criador” com o Senhor. Visto assim, “o trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos”.[2] É importante destacar que o texto sagrado expressa uma verdade fundamental: o trabalho não é somente fonte econômica, mas expressão da dignidade humana e sua co-participação na obra criadora. Portanto o trabalho possui uma dimensão mistérica e teologal.
O trabalho para o homem não é apenas uma atividade econômica, mas exprime uma exigência natural. O Papa João XXIII já lembrava disso quando afirmava que “no que diz respeito às atividades econômicas, é claro que, por exigência natural, cabe à pessoa não só a liberdade de iniciativa, senão também o direito ao trabalho”.[3]
O trabalho como parte da estrutura fundamental da vida humana tem o seu papel ontológico como exercício pessoal. Deus criando o ser humano à sua Imagem quis que homem e mulher participassem como colaboradores pelo trabalho no acabamento do mundo. A criatura imagem de Deus recebe o mandato de seu Criador de submeter e dominar a terra[4], tal ação é mediada pelo trabalho. No desempenho deste mandato, o ser humano, reflete a própria ação do Criador no mundo e na história. O trabalho entendido como uma atividade “transformadora”, quer dizer, uma atividade que recria ou constrói a partir da obra divina, iniciando-se no sujeito, direciona-se a um objeto exterior e não pode deixar de pressupor o sujeito da atividade. Desta forma já se aponta, aqui, que o trabalho não é para alienar, subtrair ou anular a pessoa, ao contrário, ele deve vislumbrar a específìca missão do ser humano. Neste sentido ler-se na Pacem in Terris: “a exigência de poder a pessoa trabalhar em tais condições que não se lhe minem as forças físicas nem se lese a sua integridade moral.”[5]
O Papa Paulo VI alude que desde o nascimento o ser humano é orientado ao desenvolvimento de sua vocação diante do mundo:
Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação. É dado a todos, em germe, desde o nascimento, um conjunto de aptidões e de qualidades para as fazer render: desenvolvê-las será fruto da educação recebida do meio ambiente e do esforço pessoal, e permitirá a cada um orientar-se para o destino que lhe propõe o Criador. Dotado de inteligência e de liberdade, é cada um responsável tanto pelo seu crescimento como pela sua salvação. Ajudado, por vezes constrangido, por aqueles que o educam e rodeiam, cada um, sejam quais forem as influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu êxito ou do seu fracasso: apenas com o esforço da inteligência e da vontade, pode cada homem crescer em humanidade, valer mais, ser mais.[6]
O trabalho carrega em si mesmo uma forte conotação comunitária, e o seu papel, como fator produtivo das riquezas espirituais e materiais, aparece para além do econômico, pois evidencia que o trabalho de um homem se cruza naturalmente com o de outros homens. Hoje mais do que nunca, trabalhar é um trabalhar com os outros e um trabalhar para os outros: torna-se cada vez mais um fazer coisa para alguém. O trabalho é tanto mais fecundo e produtivo, quanto mais o homem é capaz de conhecer as potencialidades criativas da terra e de ler profundamente as necessidades do outro homem, para o qual é feito o trabalho. [7]
O Papa João Paulo II afirma que o trabalho deve ser uma atividade que realize e aprofunde cada vez mais a dignidade do ser humano. O homem realizando as “diversas ações que fazem parte do processo do trabalho; estas, independentemente do seu conteúdo objetivo, devem servir todas para a realização da sua humanidade e para o cumprimento da vocação a ser pessoa, que lhe é própria em razão da sua mesma humanidade”.[8] E completa o papa:
O homem deve trabalhar, quer pelo fato de o Criador lhe ter ordenado, quer pelo fato da sua mesma humanidade, cuja subsistência e desenvolvimento exigem o trabalho. O homem deve trabalhar por um motivo de consideração pelo próximo, especialmente consideração pela própria família, mas também pela sociedade de que faz parte, pela nação de que é filho ou filha, e pela inteira família humana de que é membro, sendo como é herdeiro do trabalho de gerações e, ao mesmo tempo, co-artífice do futuro daqueles que virão depois dele no suceder-se da história. [9]
Portanto, à luz da Palavra de Deus, o trabalho é a atividade para todo ser humano, o dinamismo pelo qual ele se auto-realiza. Em vista disso o trabalho humano encontra o seu sentido e o seu fim quando, fecundado pela fraternidade de toda criatura, se converte de uma ação pessoal em vista da dignidade do sujeito, a uma elevação da dignidade de toda humanidade. Diante da racionalidade econômico-capitalista é preciso lembrar que a expropriação ou dominação do trabalho do outro fere o princípio da dignidade humana e torna o trabalho uma escravidão e uma degeneração da pessoa, que não mais se encontra como sujeito frente ao objeto.

III. A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E TRABALHO EM SUAS MATRIZES ANTROPOLÓGICAS.

Neste ponto, analisaremos o binômio economia e trabalho, buscando evidenciar os seus aspectos antropológicos. Pensamos ser um ponto importante para se tratar, uma vez que, o ser humano é o sujeito desta relação. É salutar ter presente que o ser humano é o autor, o centro e o fim de toda vida econômico-social.[10] O que está em jogo é a inegável dignidade de pessoa humana como fundamento de toda economia justa. É difícil haver uma economia justa onde o humano é desrespeitado em seus direitos fundamentais. Para se ter uma ordem econômico-social equilibrada é preciso vislumbrar aquilo que diz a Pacem in Terris: “Em uma convivência humana bem constituída e eficiente é fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa; isto é, natureza dotada de inteligência e vontade livre. Por essa razão, possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza. Trata-se, por conseguinte, de direito e deveres universais, invioláveis e inalienáveis”.[11]
Com respeito ao trabalho, é imprescindível tomar consciência de seu primado sobre o lucro. “O trabalho é a chave essencial de toda questão social”[12], alerta o Papa João Paulo II. Ele ainda afirma que o ser humano não pode viver sem trabalho e que o homem é sujeito e não objeto na relação economia e trabalho, “...uma vez que o domínio do homem sobre a terra se realiza no trabalho e mediante o trabalho”[13] e por fim é “preciso acentuar e pôr em relevo o primado do homem no processo de produção, o primado do homem em relação às coisas”.[14]
O trabalho constitui, portanto esta atividade de capital importância no desenvolvimento da vida humana. Sendo por isso defendido o dever e o direito ao trabalho. O trabalho é meio de sustento, de realização e de sociabilidade, além de possuir uma dimensão religiosa de transcendência para Deus, como já apontamos no início deste artigo. Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, reconhece-se o direito ao trabalho como algo fundamental para o desenvolvimento humana e a conquista de uma vida digna.

Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.[15]
Para que essa atividade venha a ser realizada sem prejuízo, é preciso que sejam observadas e garantidas as condições humanas do trabalho. Por isso, é injusto um trabalho que destrói o homem ou o impede de realizar-se como sujeito de dignidade inalienável. Um sistema econômico, desenvolvido ou em desenvolvimento, que não favorece ao trabalhador as condições dignas cresce injustamente e é humanamente inaceitável. Se o trabalho ao qual o ser humano está submetido não o permite desenvolver seus talentos e dons inerentes ao seu status de criatura dotada de inteligência e criatividade, mas ao contrário o escraviza, esse trabalho fere no íntimo os direitos inalienáveis da pessoa e é eticamente questionável.
Enrique Dussel afirma que a vida humana tem dignidade sagrada porque é dom de Deus. E que o valor de uso do objeto produzido é vida humana objetivada.[16] Se observarmos nosso contexto sócio-econômico poderemos perceber que há na relação trabalho e economia uma perigosa inversão, onde o ser humano está na periferia e marginalizado e no centro predomina o capital. A vida, em certo sentido, tornou-se mercadoria em vista do lucro. Mas eticamente o valor do trabalho é seu produto e o trabalhador necessita de uma remuneração que seja equivalente ao tempo que ele alienou na elaboração do objeto.[17] O que assistimos atualmente é o contrário, a alienação do sujeito do trabalho diante do objeto de sua produção. Karl Marx já questionava tal situação quando apontava para perversidade que o capitalismo impunha ao trabalhador.[18]
Eticamente a autonomia dos poderes econômico-especulativos da produção capitalista não pode ser atingida mediante a supressão do ser humano, como também não pode feri-los em seus valores morais, culturais e etc. Contra o risco de esvaziar o papel e a figura da pessoa dentro da relação econômico- produtiva, lembra o Papa João Paulo II que quando se fala da antinomia entre trabalho e capital não se trata, como é evidente, apenas de conceitos abstratos e de ‘forças anônimas’ que agem na produção econômica. Por detrás de um e de outro conceito, há homens vivos e concretos.[19]
A atividade econômica é uma das tarefas humanas, e como tal, autoconsciente, livre e responsável. Assim a economia deve ser entendida como realidade importante não em si mesma e por si mesma, mas para o bem de todos os homens. Nisto a economia apresenta-se em dupla vertente como atividade e como ciência. Para Marciano Vidal, na atividade econômica há uma dimensão social pela qual, através de uma série de fatores, os bens econômicos são produzidos, repartidos, trocados e consumidos. [20]
Marciano Vidal enfatiza que “Tão importante é o papel da Economia na sua dupla vertente de atividade e de ciência, que constitui na sociedade atual o núcleo básico das relações humanas. (...) as justiças e as injustiças atuais se situam predominantemente nas relações econômico-tecnológicas.”[21] Sabemos que a Economia possui sua autonomia, mas isto não deve levá-la a fechar-se no seu mundo econômico-científico. Por isso urge um intercâmbio dos saberes que garanta a autonomia da ciência econômica e possibilite o desenvolvimento integral do ser humano.[22]
Passando por essa breve abordagem da intrínseca implicação entre trabalho e economia já podemos entrever que economia e antropologia se articulam num mesmo campo de ação, e que uma economia sem uma ética e uma a moral centrada na dignidade fundamental do ser humano pode gerar sérias dificuldades para a própria realização do ser humano como ser de abertura ao outro e ao transcendente.

IV. TRABALHO E ECONOMIA: ASPECTO SOCIOLÓGICO.

O que vamos expor nesta terceira parte são os aspectos sociológicos do binômio trabalho e economia, buscando luzes que possam colaborar na construção de uma ordem sócio-econômica equilibrada. Para analisar esta questão faz-se mister um remontar histórico, mesmo que superficial, das transformações ocorridas no sistema capitalista e seus impactos sobre o binômio em questão.
Os acontecimentos ocorridos ao longo das últimas décadas ocasionaram significativas mudanças tanto no campo econômico como social, que por sua vez, têm influências diretas na relação trabalho e economia. Entre essas diversas mudanças podemos destacar o advento da sociedade pós-indusrial, o conseqüente esgotamento da economia fordista, a globalização, o avanço das telecomunicações, o capital flexível e o florescimento do chamado terceiro setor (o setor serviços). [23]
As alterações e crises pelas quais a modernidade iluminista passou afetou também a relação entre trabalho e economia. O nascimento da sociedade pós-industrial que punha a criatividade e não a força de trabalho como centro motor do capital, contribuiu para o enfraquecimento do regime fordista, gerando uma crise profunda na oferta de vagas e tipos de trabalho. Nesta sociedade pós-industrial o trabalho perdeu seu lugar de sociabilidade e passou à marginalidade. Ele deixou de ser um fator constitutivo da relação do indivíduo no mundo e marca de sua dignidade natural para se tornar mercadoria.[24] Desta forma o trabalho perdeu seu lugar de vocação, missão e colaboração humana na obra de Deus, configurando-se apenas como meio de suprir as necessidades.
O Papa João Paulo II na Laborem Exercens já apontava para essa problemática quando falava do conflito que se desenvolveu no processo de industrialização no mundo e a dicotomia criada entre capital e trabalho no processo econômico.[25] Segundo a carta encíclica, o problema inicia-se quando os operários colocavam sua força de trabalho à disposição dos padrões, e estes, guiados pelo princípio do maior lucros, não garantiam as condições dignas aos trabalhadores.[26] O Papa João XXIII nesta mesma linha de pensamento já tinha afirmado que o direito ao trabalho comporta uma “exigência de poder a pessoa trabalhar em condições tais que não se minem as forças físicas nem se lese a sua integridade moral...” [27]
A relação entre trabalho e economia agrava-se mais ainda pelo surgimento da “globalização das relações econômicas” que pode ser entendida como a internacionalização das economias pela interconexão dos mercados financeiros. Essa globalização das economias criou um novo paradigma de produção industrial chamado automação flexível[28], possibilitou principalmente pela revolução tecnológica, a transformou da ciência em força de produção e agente de acumulação de capital. A ciência nesta nova conjuntura torna-se a primeira força produtiva e conseqüentemente provocou uma reestruturação do mercado de trabalho.
Esse novo paradigma de produção exige uma nova forma de organização da produção e do trabalho. Enquanto antes se possuía a produção centrada em determinados setores industriais, dominados por monopólios, que empregavam grande massa de mão-de-obra, e que de certa forma, eram controlados por meio de políticas ficais e sociais (fala-se aqui do regime fordista), hoje, o que encontramos é terceirização do trabalho, com o uso cada menor da mão de obra não-qualificada. Também em conseqüência desta conjuntura atual proliferam-se os trabalhos informais que não possui garantias trabalhistas ao empregado. Agora com essa nova conjuntura o processo produtivo concentra sua força não mais na massa de operários, e sim na técnica e na especialização do empregado.[29]
Os operários que possuem trabalho fixo ou de tempo integral estão cada vez mais escasso. Por outro lado, a exigência da tecnologia obriga o trabalhador a adquiri uma qualificação bem mais exigente do que aquela do sistema de produção anterior, onde cada operário fazia apenas um único serviço, sem necessitar de altas qualificações. O trabalhador atual para ingressar no mercado de trabalho precisa especializar-se e conhecer o processo tecnológico. Isso já cria um enorme problema, pois exige um nível escolar bem mais elevado, pondo à margem centenas de seres humanos fora do mundo do trabalho. O trabalhador de hoje tem que ser polivalente e qualificado; com um certo grau de autonomia e flexibilidade nas tarefas exercidas.[30]
Uma tendência deste tempo atual é diminuição do número de trabalhadores de tempo integral e o surgimento dos empregos temporários. Uma pesquisa feita pelo Jornal O Globo no dia 28 de maio de 2008, mostrou que o tempo que um trabalhador permanece no emprego no Brasil é inferior a cinco anos. Isso é reflexo da tensão e do desequilíbrio entre o trabalho e o modelo econômico capitalista atual.
Diante desse quadro exposto acima é possível criar um debate sobre a centralidade do ser humano em relação ao binômio trabalho e economia que contribua para construir um sistema econômico-social? Penso que sim.
As transformações recentes fizeram expandir a produção com uma exigência sempre menor da mão-de-obra e do tempo de trabalho. Daí que o emprego estável tornou-se privilégio de poucos. Hoje para muitas “populações ativamente produtivas” o trabalho define o lugar social. Em muitos países boa parte da população economicamente ativa vive à margem da civilização do trabalho. Numa sociedade de consumo, para boa parte dos trabalhadores perder o emprego significa perder a motivação que dá sentido a vida.
Ao que nos parece, o trabalho perdeu sua centralidade no campo econômico-social por falta de uma orientação ética dos meios de produção e acumulação. A concepção do trabalho, como direito e dever natural de todos, perdeu seu valor ético, tanto pela desvalorização das representações religiosas e seculares, como pelo descaso à vida e à natureza. O hedonismo e o desejo de consumo exagerado também são fatores que contribuíram na desvalorização do trabalho frente ao capital.[31]
Contudo, deve-se perguntar qual é mesmo a função do trabalho na vida do ser humano? O homem como um devir é um ser em processo, é um projeto infinito[32] e o trabalho é precisamente a atividade humana que o possibilita construir sua identidade na criatividade de recria o mundo pelo seu trabalho. O homem não é assim algo pronto e acabado, ele é o ser da “práxis”[33] e a partir da atividade de trabalhar no mundo ele transcende as coisas e eleva-se como ser “espiritual”. Quando o trabalho não mais realiza o homem como ser social, como pessoa aberta ao absoluto já não é mais ação humana. Assim o fim do trabalho não é o capital e o acúmulo, mas a felicidade e a transcendência do homem.
O objetivo de toda atividade humana é transparecer na ação de transformar o mundo a presença do criador. Isso significa dizer que a ação econômica é lícita quando estimula as potencialidades humanas tanto físicas como espirituais. Daí afirma o catecismo da Igreja Católica que “o trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito de Cristo.”[34]
Portanto, a economia não é a totalidade do homem, ele é também ser cultural, religioso, social, político e etc. O ser humano, na verdade, é um nó de relações voltado para todos os lados, voltado para os homens e para Deus.[35] Para Manfredo Araújo de Oliveira, não se pode estabelecer, portanto, um projeto econômico válido e, conseqüentemente, um projeto de sociedade, sem que se estabeleça com clareza, que a questão fundante é a configuração ética das relações sociais, de tal modo que se garanta a reprodução social da vida de todos os seres humanos numa perspectiva lógica da inclusão contra a lógica da exclusão.[36] Tal projeto econômico includente somente será possível quando os direitos elementares da pessoa e o respeito à natureza forem tratados com mais seriedade. Somente no reconhecimento dos princípios éticas em defesa da vida – que estão para além do econômico – se pode falar de uma relação justa do binômio economia e trabalho.


V. Conclusão

Nossa reflexão buscou tratar da relação entre “trabalho e economia” fazendo perceber que não pode haver uma separação entre o respeito a dignidade humana e processo de produção e acúmulo de bens. O trabalho produz a economia, e esta nada mais é do que o resultado (produto) das atividades humanas e do exercício do trabalho humano. Uma economia que não tenha o ser humano no centro de suas preocupações jamais responderá eficazmente aos grandes problemas da sociedade e dificilmente construirá um mundo de paz. A pessoa humana é a única protagonista, da vida econômica e social, os elementos da técnica, da ciência e outros são sempre meios e nunca fim. Como já tentamos demonstrar em todo o conteúdo explanado até aqui o homem é um ser pluridimensional e sendo assim, “trabalho e economia” dizem respeito a dimensões deste ser, mas nunca esgotam seu ser.
Numa justa compreensão do binômio trabalho e economia, em seus aspectos bíblico-teológicos, ficou evidente que à luz da Palavra de Deus, o trabalho possuem uma dimensão sacra, como dom de Deus, e que o econômico só se justifica à medida que oferece condições à realização do ser humana. No que tange aos aspectos antropológicos, buscou-se delinear a centralidade da pessoa e do trabalho como atividade humana, cujo primado encontra-se na dignidade fundamental da pessoa dotada de direito e deveres. Somente à luz deste primado o trabalho tem garantido seu papel na socialização do ser humano.

Bibliografia:

ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de, Algumas questões sobre globalização e modernidade, disponível em www.centrodeformaçãopoliticadomheldercamara.com.br
BOFF, L. Tempo de Transcendência: o ser humano como um projeto infinito, Sextante, RJ, 2000, p 35-39
BOFF L. A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana, Vozes, Petrópolis, 1998, p 99-101
Catecismo da Igreja Católica
Constituição Brasileira de 1988
Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) em 10/12/1948
DUSSEL, Enrique. Ética Comunitária. Petrópolis, 1987
GAUDIUM ET SPES
João XXIII, Papa, Pacem in Terris
PAULO VI, Papa, Carta Encíclica Populorum Progressio
PAULO VI Laborem Exercens
PAULO VI Centesimus Annus
MARX, K. E ENGELS Manifesto do Partido Comunista, II parte – Burguesia e proletário, Coleção Os Pensadores, São Paulo,Nova Cultural, 1993.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Desafios Éticos da Globalização, São Paulo, Paulinas, 2001, pp. 215-216.
VIDAL, Marciano. Dicionário de Moral. São Paulo, Paulinas, (s.d.), pp.189-190

[1] Catecismo da Igreja Católica, n. 2427.
[2] Catecismo da Igreja Católica, n. 2427.
[3] João XXIII, Papa, Pacem in Terris, n. 18.
[4] A expressão “submeter a terra” deve ser lida no seu contexto bíblico e não econômica capitalista. O termo não é propriamente uma ação de apropriação da terra como propriedade privada em vista do acúmulo, mas “o submeter a terra” está ligado ao cuidado, pois o escopo é de ser co-criador, continuador na obra que foi criada em processo de acabamento. Assim, tais palavras postas logo no princípio da Bíblia, jamais querem revelar um domínio como ato de dissecar, expurgar, exaurir todos as riquezas, etc. Cf. BOFF, L. Saber cuidar;Cf. Laborem Exercens, n. 4; Cf. Gn 1, 27-28.

[5] João XXIII, Papa, Pacem in Terris, n. 19
[6] PAULO VI, Papa, Carta Encíclica Populorum Progressio, n. 15.
[7] Cf. Centesimus Annus, n. 31.
[8] PAULO II, Papa João, Laborem Exercens, n. 6.
[9] PAULO II, Papa João Laborem Exercens, n. 16.

[10] Cf. GAUDIUM ET SPES, n. 63.
[11] JOÃO XXIII, Papa, Pacem in Terris, n. 9.
[12] PAULO II, Papa JOÃO. Laborem Exercens, n. 3
[13] PAULO II, Op. cit, n. 5
[14] PAULO II, Op. cit, n. 12
[15] Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) em 10/12/1948, Art. 23; cf. também Constituição Brasileira de 1988 Art. 5º, XIII – “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
[16] DUSSEL, Enrique. Ética Comunitária. Petrópolis, 1987. p 131
[17] Cf. DUSSEL, Enrique. Ética Comunitária. Petrópolis, Vozes, 1987. pp. 132-133
[18] Cf. MARX, K. E ENGELS Manifesto do Partido Comunista, II parte – Burguesia e proletário, Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1993.
[19] Cf. PAULO II, Papa JOÃO. Laborem Exercens, n. 14
[20] Cf. VIDAL, Marciano. Dicionário de Moral. São Paulo, Paulinas, (s.d.), pp.189-190
[21] VIDAL, Marciano. Dicionário de Moral. Sao Paulo, Paulinas, (s.d.) p.189
[22] Cf. VIDAL, Op. cit 190.
[23] Cf. ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de, Algumas questões sobre globalização e modernidade, disponível em www.centrodeformaçãopoliticadomheldercamara.com.br
[24] Cf. JOÃO XXIII, Papa, Pacem in Terris, n. 20.
[25] PAULO II, Papa JOÃO. Laborem Exercens, n. 11.
[26] Ibidem
[27] JOÃO XXIII, Papa, Pacem in Terris, n. 19.
[28] A automação flexível é quando há possibilidade de mudar rapidamente o produto sem mudança de equipamentos, a fim de atender as novas exigências de mercado no sentido de responder às mudanças de hábito dos consumidores, que se torna possível graça a vinculação dos computadores às maquinas. Cf: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Desafios Éticos da Globalização, São Paulo, Paulinas, 2001, pp. 215-216.
[29] Cf. ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de, Algumas questões sobre globalização e modernidade, www.centrodeformaçãopoliticadomheldercamara.com.br

[30] Cf: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Desafios Éticos da Globalização, São Paulo, Paulinas, 2001, p. 219
[31] Idem. 240 (o trabalhador tem uma idade de uso para o capital, quanto mais velho menor é seu valor como mercadoria.)
[32] L. Boff. Tempo de Transcendência: o ser humano como um projeto infinito, Sextante, RJ, 2000, p 35-39
[33] Esta “práxis” é a experiência que o homem faz de ser um ser entregue a si mesmo. Ele é um ser que se descobre na ação criativa e decide sobre sua vida que constitui o objeto fundante de suas ações no mundo (Cf: Manfredo Araújo de Oliveira. Desafios Éticos da Globalização, Paulinas, p 242-243.)
[34] Catecismo da Igreja Católica, n. 2428
[35] L. Boff. A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana, Vozes, Petrópolis, 1998, p 99-101
[36] Manfredo Araújo de Oliveira. Desafios Éticos da Globalização, Paulinas, p 249

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