sábado, 24 de outubro de 2009

HOMILIA DO XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B.

A INICIAÇÃO CRISTÃ: UM CAMINHO DE FÉ E COMPROMISSO.

O povo de Deus, por diversas vezes, senti-se ameaçado por escravidão, perseguição e provações de todo tipo. Muitas vezes Israel experimentou-se como um nada e viu-se num perigo de morte. Parecia que o povo iria acabar-se! A invasão dos assírios no ano de 722 aC e a tomada de Jerusalém que desembocou no exílio imputado por Nabucodonosor aos israelitas nos anos 597 a 587 aC, são exemplos desta situação difícil. Diante dessa realidade a saída do povo era confiar na misericórdia e no amor de Deus que não abandona o povo eleito.
A descrição profética da volta jubilosa dos exilados à pátria, que é apresentada hoje na primeira leitura, é tomada de sentido evangélico, sobretudo quando voltamos nossa atenção ao Deus libertador e salvador. É Jesus quem chama a todos da escravidão do pecado e da morte à luz da vida. Assim a volta dos exiladas é interpretada como o novo êxodo e eterna redenção do povo eleito. Essa volta pressupõe um caminho catecumenal, no qual o fiel reconhece a total soberania da vontade de Deus. O papel do cristão resume-se em refazer, ou seja, voltar o caminho e buscar o Senhor (metanoia). É redescobrir a alegria de ser salvo, de ser amada e estar nos braço do Deus uno e trino. Desta forma, a primeira leitura põe em evidência o aspecto da conversão e presume um ritual catecumenal que parte Deus e exige uma resposta do ser humano.
Desde os primórdios da Igreja cristã a iniciação da fé foi uma marca fundamental do processo de adesão a Cristo. Para ser cristão o fiel precisa entender a necessidade de refazer o caminho. Como afirma São Cirilo de Jerusalém nas suas catequeses mistagógicas: “as obras de satanás são todos os pecados, aos quais é necessário renunciar, assim como quem foge de um tirano atira para longe de si as armas dele”[1]. Quem quer ser cristão mesmo deve fugir a oportunidade de pecar. Ora, fica claro que não é somente dizer senhor e pronto, é imprescindível romper com um estilo de vida que não corresponde com a Nova experiência em Cristo. A iniciação cristã não conclui-se com o batismo, crisma e a eucaristia. A vida cristã supõe uma abertura de alma ao amor crístico. Por isso afirma Santa Catarina de Sena: “se o homem não se elevar, não contemplar e não procurar a desmedida bondade e caridade divina tal e qual a nós revelou, jamais chegará a grande abertura de alma e perfeição, mas se tornará mesquinho, incapaz de acolher a si mesmo e o próximo”[2]. Assim, somos tomados de consciência que rito sem a vida é ritualismo, ato celebrativo sem testemunho perde o sentido real da sacramentalidade ritual.
A iniciação da fé, é, portanto, um caminho de fé que inicia com a busca de uma vida nova. Por isso para Santo Abrósio o signiificado do batismo é um morrer para o pecado e ressurgir para a vida. Segundo ele o batismo é o desígnio de Deus para restaurar a humanidade pecadora. A fonte batismal é uma sepultura onde se morre vivo, e se ressuscita enquanto vivo[3]. Batizar na morte de Cristo é morrer para o pecado. Por isso na iniciação da fé somos crucificados com Cristo. O “efata” do ritual de iniciação é um alerta para a vida nova que se processa a partir da experiência com o ressuscitado.
Assim podemos construir um itinerário da iniciação cristã, elencando alguns elementos fundamentais, que se apresentam no Evangelho de hoje: primeiro é Jesus quem se manifesta ao homem. É necessário que Cristo passe pelo caminho (Mt 20-30). Depois, esta manifestação é misteriosa: o cego, que representa o homem no caminho da fé, não vê Jesus; tem a intuição da presença do Senhor nos acontecimentos, mas mesmo assim, ele já experimenta sua fé entregando-se à iniciativa salvífica de Deus. Por isso é necessário coragem para manter-se no caminho de Deus. Como sempre afirmo difícil na é entrar na vida cristã, difícil é permanecer nela. Por fim, o convite e o incentivo da comunidade são fundamentais nos primeiros passos da fé: coragem, levanta-te, Jesus te chama! Às vezes muitas pessoas por viverem situações fracassadas na fé não servem de encorajamento para os catecúmenos, ao contrário são pedras de tropeço no caminho. Mas a comunidade deve ser um sinal da graça e do amor do Mestre: coragem, ele te chama! O homem ao responder ao chamado, larga o manto, sinal do velho homem, marcado pela morte, dá um pulo e fica de pé: sinal de prontidão e da atenção. É o homem na vida nova. A pergunta de Cristo é terapêutica da alma: que queres que te faças? A resposta é confiante: que eu veja! Ver Cristo, ver Deus esse é o deseja maior do ser humano. Ver a Deus é habitar nas alturas celeste, contemplar a plenitude da graça e construir uma vida na paz na santidade e na justiça. Para tanto o caminho da fé exige comprometimento, testemunho e adesão. Cabe superar um conceito de fé passiva e anônima. A fé não pode ser encarada como tradição familiar ou costume doméstico. Esse tipo de fé é infantil e leva a nada. Como Bartirmeu, é mister fazer uma opção consciente e madura da fé. Tudo isso comporta um novo modo de enfrentar a questão da iniciação cristã. O cristão deverá percorrer não tanto um caminho feito de etapas e gestos sacramentais, que leva a entender a iniciação como ritos e festa, e menos como compromisso de vida, mas como um itinerário de fé, um catecumenato renovado, onde o critério seja a consciência da necessidade de uma vida nova. Sem isso os gestos sacramentais feitos em prazos fixos perdem sua eficácia.

Pe. Fantico Nonato silva Borges, CM
[1] São Cirilo de Jerusalém, Catequeses Mistagógicas,Petrópolis: Vozes, 1977, nº 9.
[2] Santa Catarina de Sena, As Cartas, São Paulo: Paulus. 1998, PP. 93-94
[3] Santo Ambrósio, Os Sacramentos e os mistérios: a iniciação cristã nos primórdios, Petrópolis: Vozes, 1972, PP. 14-15.

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