UMA INTRODUÇÃO AO TERMO EUTANÁSIA.
1. Seu significado a partir da
etimologia da palavra.
A palavra
eutanásia foi criada no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon.
Todavia, o
termo Eutanásia vem do grego,
compondo-se de duas palavras: Eu - que significa (bem) boa - e thanatos que
significa morte. A partir do
significado das palavras que constituem o termo, podemos tomar consciência de
sua primeira significação, ou seja, a de boa
morte. O termo eutanásia significava,
em sua origem, uma morte tranqüila, sem angústias e dores. Proporcionar uma boa
morte, nesse sentido de "eutanásia", seria dar uma ajuda para morrer,
não no sentido de uma abreviação da vida, mas de ajudar o moribundo a encarar o
seu momento derradeiro da forma mais bela, tranqüila e livre de sofrimentos.
Hodiernamente,
o termo eutanásia passou a designar a morte deliberadamente causada a uma
pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, para suprimir a
agonia demasiado longa e dolorosa, o chamado paciente terminal. Em termos bem
moderno V. Marcozzi define a eutanásia como a eliminação indolor ou por
piedade de quem sofre ou presume-se estar sofrendo e possa sofrer no futuro de
modo interminável.[1]
Esta definição coincide com aquela aplicada pela Sagrada Congregação para a
Doutrina da Fé apresentada em 1980, onde afirma: entende-se por eutanásia
uma ação ou uma omissão que, por sua natureza, ou nas intenções, busca a morte,
com o objetivo de eliminar toda dor.
A eutanásia
leva à discussão sobre o direito de uma pessoa por fim à própria vida,
valendo-se de outra pessoa. Podemos indagar se haveria apenas uma faculdade, ou
um direito juridicamente tutelado, isto é, que possa ser coercitivamente
exigido. No mundo jurídico, se alguém tem um direito, pode socorrer-se do
processo, para fazê-lo valer. Para que uma pessoa que não consegue por seus
próprios meios extinguir a própria vida possa ter concretizado o seu intento,
outra precisa ter o dever de realizá-lo. Mas como veremos, no campo da ética e
da moral, isso fere um outro direito maior, do qual é princípio primário e
mantenedor de todos os outros, a saber, o princípio a vida e a sacralidade
desta vida.[2]
Qualquer outro direito e dever esta sob a tutela da vida. Por que não há
liberdade humana sem que antes haja uma vida para reivindicar esse
direito.
2. A EUTANÁSIA NA SUAS RAIZES
HISTÓRICAS.
O homem como
ser simbólico, ou seja, ser que possui a tendência de atribuir significado a
tudo aquilo com que se relaciona, tende a encher de significado os momentos
marcantes de sua vida. A problemática desta característica propriamente humana
é que ela não se dá de uma forma homogênea. A diversidade de significados
atribuídos a cada momento do desenvolvimento humano - momento que nenhum ser,
sendo ele humano, pode se ver dispensado - é tão grande quanto a diversidade de
culturas existentes na face desse pequeno planeta.
A forma de um católico considerar
a morte é diferente da forma de um indígena de cultura ainda pura. Ter-se-ia
uma missão interminável com a proposta de se relatar historicamente toda a
caminhada e evolução daquilo que se entendeu por eutanásia, como também aquilo
que se praticou tendo como fim levar ao moribundo a uma boa morte, mesmo que
não se tenha utilizado o termo que hoje se entende designar esta ação. Contudo
é possível entrar nos corredores históricos da eutanásia para lá, colher alguns
de seus momentos importantes, que auxiliarão no entendimento do que foi e do
que é a eutanásia hoje.
A discussão a
cerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da
eutanásia apareceu, em primeiro plano, na Grécia antiga, de modo que
encontramos em Platão, Epicuro e Plínio um abordagem do tema. Platão em sua
República, expõe já conceitos de caráter solucionador patrocinando o homicídio
dos anciões, dos débeis e dos enfermos. Igualmente, Sócrates defendia a idéia
de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio.
Aristóteles, Pitágoras e Epicuro, ao contrário, condenavam tal prática. Mas é
Hipócrates, que de modo definitivo, se divorcia da postura do primeiros
filósofos citados, pois em seu juramento declarou: "eu
não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem
sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo".
Se fizermos um retrospecto ao passado vemos que a
antigüidade praticou a eutanásia, nas mais diversas formas e modalidades e os
exemplos de sua aplicação se multiplicam ao longo da história.
Não se pode
esquecer que os antigos praticavam a eutanásia contra as crianças raquíticas,
velhas, enfermos incuráveis, aleijados etc. Esse tipo de eutanásia era
praticada em larga escala, como confessa Platão: “Estabelecerá
em nossa República uma medicina e uma jurisprudência que se limitem ao cuidado
dos que receberam da natureza corpo sã e alma famosa; e pelo que toca aos que
receberam corpo mal organizado, deixá-los morrer e que sejam castigados com
pena de morte os de alma incorrigível”.
UMA CULTURA SECULARIZADA.
A mentalidade secularizada que invade a cultura
ocidental é fortemente um dos mecanismos para a busca da legalização da
eutanásia. Segundo Campanini, neste processo de justificação da eutanásia ela
se une ao processo de secularização que permeia nossa sociedade e que se
exprime, sobretudo, como forma suprema de reivindicação da independência do
homem diante de Deus e como conseqüência a rejeição do simbolismo religioso da
morte.[3]
A morte para o crente indica, neste
sentido, a sua contingência e sua dependência de Deus. Ora, num mundo
subjetivista e individualista a eutanásia é sinal para o homem moderno de
independência absoluta de toda e qualquer estrutura e afirmação de si como
senhor da vida e da morte. Por isso afirma Elio Sgreccia: A eutanásia, como fuga da dor e da agonia, acontece
primeiro no espírito e depois na sociedade e no direito.[4]
É
interessante notar que a eutanásia ganhou mais aceitação nos países mais
industrializados e tecnicamente mais desenvolvidos: EUA, Canadá, Holanda,
França, Itália, entre outros. Fica claro que quanto mais a secularização e a
banalização do aspecto religioso mais fácil se convive com a eutanásia.
ALGUMAS POSTURAS
MAGISTERIAIS A FAVOR DA VIDA.
O Papa
Pio XII numa conferência dirigida aos médicos da Associação Médico-biológica
São Lucas afirmou categoricamente que ninguém no mundo, nenhuma pessoa em
particular, nenhum poder humano pode autorizar um médico a destruir a vida
diretamente. Seu dever não é o de destruir a vida, mas de salvá-la. O mesmo
pontífice, em 14 de setembro de 1952, num discurso que fez aos participantes do
I Congresso de Histopatologia do sistema nervoso, declarou: O médico como
pessoa privada não pode tomar medida alguma nem tentar intervenção alguma sem o
consentimento do paciente. O médico não tem sobre o paciente senão os poderes e
os direitos que lhe confere, quer explicita, quer implicitamente e de maneira
tácita. De sua parte, o paciente não pode conferir ao médico mais direitos do
que aquele que tem. Quanto ao paciente, ele não é senhor absoluto de si mesmo,
do próprio corpo e do próprio espírito. Não pode, portanto, dispor deles
livremente, a seu bel-prazer.
Paulo
VI no seu pontificado também se pronunciou contra a eutanásia valendo-se do
direito a vida e do respeito que essa vida exige. Para o Pontífice a vida
humana independente da etapa tem seu dignidade inalienável quer seja embrião,
feto, criança, adulto ou velho. Na mesma linha postulou a S. Congregação para a
Doutrina da Fé, em 1974, com relação ao tema: O direito à vida continua
íntegro num velho, ainda que muito debilitado; um doente incurável não o perde.
Também
no Concílio Vaticano II, na constituição pastoral Gaudium et Spes encontramos
uma solene declaração magisterial contra a eutanásia e a favor da vida: tudo
quanto se opõe a vida em si, como todo tipo de homicídio, genocídio, aborto,
eutanásia e o mesmo suicídio voluntário... todas essas coisas e outras
semelhantes são certamente vergonhosas e, ao mesmo tempo que corrompem a
civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem do que os que
padecem injustamente, e ofendem gravemente a honra do Criador.(GS, 27)
Tipos de Eutanásia:
Distinguem-se
as diversas formas de eutanásia, considerando-se os motivos e os meios
empregados na sua execução, bem como a pessoa que a realiza. Aglutinamos aqui
os diversos tipos de eutanásia, segundo os diferentes critérios usados para
classificá-la: (10)
a) eutanásia
terapêutica - está relacionada com o emprego ou omissão de meios terapêuticos a
fim de obter a morte do paciente, distinguindo-se em:
1) eutanásia
ativa - consiste no ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do
paciente, por fins misericordiosos;c) eutanásia passiva ou indireta - dá-se
quando a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou
porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida
extraordinária (p. ex.: não colocar ou retirar o paciente de um respirador);
pode também ser chamada eutanásia por omissão, ortotanásia ou paraeutanásia;
2) eutanásia
voluntária - ocorre quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do
paciente;
3) eutanásia
involuntária - ocorre quando a morte é provocada contra a vontade do paciente;
4) eutanásia não
voluntária - caracteriza-se pela inexistência de manifestação da posição do
paciente em relação a ela;
5) eutanásia de
duplo efeito - dá-se quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta
das ações médicas, que são executadas visando o alívio do sofrimento de um
paciente terminal;
b) eutanásia
eugênica - é a eliminação indolor dos doentes indesejáveis, dos inválidos e
velhos, no escopo de aliviar a sociedade do peso de pessoas economicamente
inúteis;
c) eutanásia
criminal - é a eliminação indolor de pessoas socialmente perigosas;
d) eutanásia
experimental - é a ocisão indolor de determinados indivíduos, com o fim
experimental para o progresso da ciência;
e) eutanásia
solidarística - é a ocisão indolor de seres humanos no escopo de salvar a vida
de outrem;
f) eutanásia
teológica - ou morte em estado de graça;
g) eutanásia
legal - é aquela regulamentada ou consentida pela leis;
h)
eutanásia-suicídio assistido - é o auxílio ao suicídio de quem já não consegue
realizar sozinho a sua intenção de morrer;
i) eutanásia
homicídio - resulta da distinção entre aquela praticada por médico e aquela
praticada por parente ao amigo.
Por
fim, devemos mencionar a eutanásia animal, que tem se revestido cada vez mais
de aspectos éticos. Neste caso a eutanásia é realizada quando não existem meios
de manter um animal sem sofrimento; quando clinicamente não há como mantê-lo
vivo ou na falta de condições locais para realizar tratamento clínico ou cirúrgico.
Admite-se na hipótese de o proprietário não ter recursos financeiros para
realizar o tratamento ou se não há interesse em gastar alta soma num animal de
esporte que não dará retorno.
[1] V. Marcuzzi, IN Elio
Sgreccia. Manual de Bioética:
Fundamentos e ética biomédica. Vol. I, 2a edição, Loyola, SP
1996, p. 604.
[2]
A Congregação para a Doutrina da Fé, numa declaração de 5 de maio de 1980
afirma explicitamente a vida humana como o fundamento de todos os bens, a fonte
e a condição necessária de toda atividade humana e de toda vivência social.
Portanto qualquer ato contra a vida, ou seja, contra o fundamento da vida é
racionalmente inaceitável e amoral. Cf. Declaração sobre a Eutanásia, da
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, promungada em 5 de maio de 1980, no
1.
[3]
G. Campanini. IN Elio Sgreccia. Manual
de Bioética: Fundamentos e ética biomédica. Vol. I, 2a edição,
Loyola, SP 1996, p. 607
[4] Sgreccia, Elio. Manual de Bioética: Fundamentos e
ética biomédica. Vol. I, 2a edição, Loyola, SP 1996, p. 607
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