segunda-feira, 9 de março de 2015

UMA INTRODUÇÃO AO TERMO EUTANÁSIA.

UMA INTRODUÇÃO AO TERMO EUTANÁSIA.

1. Seu significado a partir da etimologia da palavra.
A palavra eutanásia foi criada no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon. Todavia, o termo Eutanásia vem do grego, compondo-se de duas palavras: Eu - que significa (bem) boa - e thanatos que significa morte. A partir do significado das palavras que constituem o termo, podemos tomar consciência de sua primeira significação, ou seja, a de boa morte. O termo eutanásia significava, em sua origem, uma morte tranqüila, sem angústias e dores. Proporcionar uma boa morte, nesse sentido de "eutanásia", seria dar uma ajuda para morrer, não no sentido de uma abreviação da vida, mas de ajudar o moribundo a encarar o seu momento derradeiro da forma mais bela, tranqüila e livre de sofrimentos.
Hodiernamente, o termo eutanásia passou a designar a morte deliberadamente causada a uma pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, para suprimir a agonia demasiado longa e dolorosa, o chamado paciente terminal. Em termos bem moderno V. Marcozzi define a eutanásia como a eliminação indolor ou por piedade de quem sofre ou presume-se estar sofrendo e possa sofrer no futuro de modo interminável.[1] Esta definição coincide com aquela aplicada pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé apresentada em 1980, onde afirma: entende-se por eutanásia uma ação ou uma omissão que, por sua natureza, ou nas intenções, busca a morte, com o objetivo de eliminar toda dor.
A eutanásia leva à discussão sobre o direito de uma pessoa por fim à própria vida, valendo-se de outra pessoa. Podemos indagar se haveria apenas uma faculdade, ou um direito juridicamente tutelado, isto é, que possa ser coercitivamente exigido. No mundo jurídico, se alguém tem um direito, pode socorrer-se do processo, para fazê-lo valer. Para que uma pessoa que não consegue por seus próprios meios extinguir a própria vida possa ter concretizado o seu intento, outra precisa ter o dever de realizá-lo. Mas como veremos, no campo da ética e da moral, isso fere um outro direito maior, do qual é princípio primário e mantenedor de todos os outros, a saber, o princípio a vida e a sacralidade desta vida.[2] Qualquer outro direito e dever esta sob a tutela da vida. Por que não há liberdade humana sem que antes haja uma vida para reivindicar esse direito. 

2. A EUTANÁSIA NA SUAS RAIZES HISTÓRICAS.
O homem como ser simbólico, ou seja, ser que possui a tendência de atribuir significado a tudo aquilo com que se relaciona, tende a encher de significado os momentos marcantes de sua vida. A problemática desta característica propriamente humana é que ela não se dá de uma forma homogênea. A diversidade de significados atribuídos a cada momento do desenvolvimento humano - momento que nenhum ser, sendo ele humano, pode se ver dispensado - é tão grande quanto a diversidade de culturas existentes na face desse pequeno planeta.
A forma de um católico considerar a morte é diferente da forma de um indígena de cultura ainda pura. Ter-se-ia uma missão interminável com a proposta de se relatar historicamente toda a caminhada e evolução daquilo que se entendeu por eutanásia, como também aquilo que se praticou tendo como fim levar ao moribundo a uma boa morte, mesmo que não se tenha utilizado o termo que hoje se entende designar esta ação. Contudo é possível entrar nos corredores históricos da eutanásia para lá, colher alguns de seus momentos importantes, que auxiliarão no entendimento do que foi e do que é a eutanásia hoje.
A discussão a cerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia apareceu, em primeiro plano, na Grécia antiga, de modo que encontramos em Platão, Epicuro e Plínio um abordagem do tema. Platão em sua República, expõe já conceitos de caráter solucionador patrocinando o homicídio dos anciões, dos débeis e dos enfermos. Igualmente, Sócrates defendia a idéia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Aristóteles, Pitágoras e Epicuro, ao contrário, condenavam tal prática. Mas é Hipócrates, que de modo definitivo, se divorcia da postura do primeiros filósofos citados, pois em seu juramento declarou: "eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo".
Se fizermos um retrospecto ao passado vemos que a antigüidade praticou a eutanásia, nas mais diversas formas e modalidades e os exemplos de sua aplicação se multiplicam ao longo da história.
Não se pode esquecer que os antigos praticavam a eutanásia contra as crianças raquíticas, velhas, enfermos incuráveis, aleijados etc. Esse tipo de eutanásia era praticada em larga escala, como confessa Platão: “Estabelecerá em nossa República uma medicina e uma jurisprudência que se limitem ao cuidado dos que receberam da natureza corpo sã e alma famosa; e pelo que toca aos que receberam corpo mal organizado, deixá-los morrer e que sejam castigados com pena de morte os de alma incorrigível”. 

UMA CULTURA SECULARIZADA.
            A mentalidade secularizada que invade a cultura ocidental é fortemente um dos mecanismos para a busca da legalização da eutanásia. Segundo Campanini, neste processo de justificação da eutanásia ela se une ao processo de secularização que permeia nossa sociedade e que se exprime, sobretudo, como forma suprema de reivindicação da independência do homem diante de Deus e como conseqüência a rejeição do simbolismo religioso da morte.[3] 
            A morte para o crente indica, neste sentido, a sua contingência e sua dependência de Deus. Ora, num mundo subjetivista e individualista a eutanásia é sinal para o homem moderno de independência absoluta de toda e qualquer estrutura e afirmação de si como senhor da vida e da morte. Por isso afirma Elio Sgreccia: A eutanásia, como fuga da dor e da agonia, acontece primeiro no espírito e depois na sociedade e no direito.[4]
            É interessante notar que a eutanásia ganhou mais aceitação nos países mais industrializados e tecnicamente mais desenvolvidos: EUA, Canadá, Holanda, França, Itália, entre outros. Fica claro que quanto mais a secularização e a banalização do aspecto religioso mais fácil se convive com a eutanásia.  

ALGUMAS POSTURAS MAGISTERIAIS A FAVOR DA VIDA.
O Papa Pio XII numa conferência dirigida aos médicos da Associação Médico-biológica São Lucas afirmou categoricamente que ninguém no mundo, nenhuma pessoa em particular, nenhum poder humano pode autorizar um médico a destruir a vida diretamente. Seu dever não é o de destruir a vida, mas de salvá-la. O mesmo pontífice, em 14 de setembro de 1952, num discurso que fez aos participantes do I Congresso de Histopatologia do sistema nervoso, declarou: O médico como pessoa privada não pode tomar medida alguma nem tentar intervenção alguma sem o consentimento do paciente. O médico não tem sobre o paciente senão os poderes e os direitos que lhe confere, quer explicita, quer implicitamente e de maneira tácita. De sua parte, o paciente não pode conferir ao médico mais direitos do que aquele que tem. Quanto ao paciente, ele não é senhor absoluto de si mesmo, do próprio corpo e do próprio espírito. Não pode, portanto, dispor deles livremente, a seu bel-prazer.
Paulo VI no seu pontificado também se pronunciou contra a eutanásia valendo-se do direito a vida e do respeito que essa vida exige. Para o Pontífice a vida humana independente da etapa tem seu dignidade inalienável quer seja embrião, feto, criança, adulto ou velho. Na mesma linha postulou a S. Congregação para a Doutrina da Fé, em 1974, com relação ao tema: O direito à vida continua íntegro num velho, ainda que muito debilitado; um doente incurável não o perde.
Também no Concílio Vaticano II, na constituição pastoral Gaudium et Spes encontramos uma solene declaração magisterial contra a eutanásia e a favor da vida: tudo quanto se opõe a vida em si, como todo tipo de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e o mesmo suicídio voluntário... todas essas coisas e outras semelhantes são certamente vergonhosas e, ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem do que os que padecem injustamente, e ofendem gravemente a honra do Criador.(GS, 27)
 

 Tipos de Eutanásia:
Distinguem-se as diversas formas de eutanásia, considerando-se os motivos e os meios empregados na sua execução, bem como a pessoa que a realiza. Aglutinamos aqui os diversos tipos de eutanásia, segundo os diferentes critérios usados para classificá-la: (10)
a) eutanásia terapêutica - está relacionada com o emprego ou omissão de meios terapêuticos a fim de obter a morte do paciente, distinguindo-se em:
1) eutanásia ativa - consiste no ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos;c) eutanásia passiva ou indireta - dá-se quando a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária (p. ex.: não colocar ou retirar o paciente de um respirador); pode também ser chamada eutanásia por omissão, ortotanásia ou paraeutanásia;
2) eutanásia voluntária - ocorre quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente;
3) eutanásia involuntária - ocorre quando a morte é provocada contra a vontade do paciente;
4) eutanásia não voluntária - caracteriza-se pela inexistência de manifestação da posição do paciente em relação a ela;
5) eutanásia de duplo efeito - dá-se quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas, que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal;
b) eutanásia eugênica - é a eliminação indolor dos doentes indesejáveis, dos inválidos e velhos, no escopo de aliviar a sociedade do peso de pessoas economicamente inúteis;
c) eutanásia criminal - é a eliminação indolor de pessoas socialmente perigosas;
d) eutanásia experimental - é a ocisão indolor de determinados indivíduos, com o fim experimental para o progresso da ciência;
e) eutanásia solidarística - é a ocisão indolor de seres humanos no escopo de salvar a vida de outrem;
f) eutanásia teológica - ou morte em estado de graça;
g) eutanásia legal - é aquela regulamentada ou consentida pela leis;
h) eutanásia-suicídio assistido - é o auxílio ao suicídio de quem já não consegue realizar sozinho a sua intenção de morrer;
i) eutanásia homicídio - resulta da distinção entre aquela praticada por médico e aquela praticada por parente ao amigo.
Por fim, devemos mencionar a eutanásia animal, que tem se revestido cada vez mais de aspectos éticos. Neste caso a eutanásia é realizada quando não existem meios de manter um animal sem sofrimento; quando clinicamente não há como mantê-lo vivo ou na falta de condições locais para realizar tratamento clínico ou cirúrgico. Admite-se na hipótese de o proprietário não ter recursos financeiros para realizar o tratamento ou se não há interesse em gastar alta soma num animal de esporte que não dará retorno.







[1] V. Marcuzzi, IN Elio Sgreccia.  Manual de Bioética: Fundamentos e ética biomédica. Vol. I, 2a edição, Loyola, SP 1996, p. 604.
[2] A Congregação para a Doutrina da Fé, numa declaração de 5 de maio de 1980 afirma explicitamente a vida humana como o fundamento de todos os bens, a fonte e a condição necessária de toda atividade humana e de toda vivência social. Portanto qualquer ato contra a vida, ou seja, contra o fundamento da vida é racionalmente inaceitável e amoral. Cf. Declaração sobre a Eutanásia, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, promungada em 5 de maio de 1980, no 1. 
[3] G. Campanini. IN Elio Sgreccia.  Manual de Bioética: Fundamentos e ética biomédica. Vol. I, 2a edição, Loyola, SP 1996, p. 607
[4] Sgreccia, Elio.  Manual de Bioética: Fundamentos e ética biomédica. Vol. I, 2a edição, Loyola, SP 1996, p. 607

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