Homilia
do Pe. Fantico Borges, CM – III Domingo da Quaresma – Ano B
Jesus quer
purificar-nos
A
quaresma é um tempo de purificação, onde Deus nos convida a mudar de vida. Para
isso, os mandamentos, a vivência moral da ética cristã. Ensina São Leão Magno que “A Quaresma é tempo de limpar e enfeitar a
casa por dentro. Convém que vivamos sempre de modo sábio e santo, dirigindo
nossa vontade e nossas ações para aquilo que sabemos agradar a
Deus.” Como acontece verdadeira e autêntica renovação se não se
passa por uma corajosa revisão da própria vida moral e da própria vida
litúrgica; com palavras mais simples, dos próprios costumes e da própria oração
pessoal?
A
liturgia do terceiro domingo nos apresenta o
Decálogo, a lei do Antigo Israel que regia toda a vida social e religiosa
do povo. Não pronunciarás o nome do
Senhor Teu Deus em vão; lembra-te de santificar o dia de sábado; honra teu pai
e tua mãe; não matarás; não cometerás adultério; não furtarás; não levantarás
falso testemunho; não cobiçarás as coisas do teu próximo; não desejarás a
mulher do teu próximo. Estes dez mandamentos foram a base da vida moral,
antes do povo hebreu e depois do povo cristão. Não contém toda a lei; sua forma
negativa (“não fazer”) indica que se trata de alguns limites que delimitam um
âmbito moral, antes que descrevê-lo positivamente; dentro devem ser colocados
“toda a lei e os profetas” e de maneira especial o mandamento do amor que os
resume a todos (Mt 22,40). É precisamente este caráter “negativo” que assegura
aos dez mandamentos sua perene e imutável atualidade.
No
início, eles não são percebidos nem mesmo como lei, mas como evento: o povo
entra na aliança com Deus e os mandamentos são um sinal de sua pertença ao
Senhor; são a proclamação de seu caráter de povo eleito, diferente de todos,
isto é, santo.
O
Decálogo é uma escolha de vida que Deus propõe ao homem: Olha que hoje ponho
diante de ti a vida com o bem, e a morte com o mal; observes seus mandamentos,
suas leis e seus preceitos [...] para que vivas e te multipliques [...] se não
obedeceres e se te deixares seduzir eu te declaro neste dia: perecereis (Dt
30,15 ss). O Decálogo é para o homem, não contra ele; não quer amarrar ou
limitar sua liberdade, mas antes soltá-la. Aquilo que proíbe não é, com efeito,
algo arbitrário que desagrada a Deus não se sabe por que, mas é o que
compromete antes de tudo o próprio homem e sua possibilidade de ter relações
equilibradas com os outros, de ser, em outras palavras, autenticamente homem.
Obedecer
a regras nunca é tão fácil; às vezes, nos deparamos com situações difíceis,
onde somente uma mente reta, pode realizar a vontade de Deus. Jesus veio ao
mundo para renovar a face da terra com seus amor e seu testemunho de obediência
ao Pai. Seguir o caminho cristão significa estar disposto a viver essa fé, mudar as atitudes
autenticamente. São Leão Magno diz que devemos passar da vingança ao amor:
"cessem as vinganças, as ofensas sejam perdoadas, transformai a severidade
em doçura, a indignação em mansidão e a discórdia em paz" (4o
sermão sobre a Quaresma)
Jesus
deseja que tenhamos uma relação com Deus que ultrapasse a mera preceituação
ritualistas e alcance o ápice da intimidade. Sua atitude no Evangelho de hoje
mais que estimular a violência quer deixar claro que Deus não se agrada de
cultos exteriores e sim que anela nossa adesão sincera. Segundo Santo Agostinho
no Comentário aos salmos Jesus age por meio da santa ira, movido pelo zelo das
almas que encontro no templo de pedra um sinal da presença constante de Deus. O
templo de Israel era apenas sinal escatológico do Cristo Templo vivo de Deus.
" Em nível de imagem, o Senhor expulsa do templo aos que no templo
buscavam seu próprio interesse, ou seja, os que iam ao templo para comprar e
vender. Agora, se aquele templo era uma imagem, é evidente que também no corpo
de Cristo - que é o verdadeiro templo no qual o outro era uma imagem - existe
uma miscelânea de compradores e vendedores, isto é, gente que busca seu
interesse, e não o de Jesus Cristo. E visto que os homens são açoitados pelos
seus próprios pecados, o Senhor fez um açoite de cordas e expulsou do templos a
todos os que buscavam seus interesses, e não o de Jesus Cristo." Jesus com
esse gesto conclama a pureza de espírito que deve ter quem se aproxima de
Cristo.
O
gesto ousado de Cristo não é apenas zelo de purificação do templo. As ofertas
para os sacrifícios faziam girar muito dinheiro e provocavam abusos e
exploração. “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de
comércio!” (Jo 2, 16). As relações do homem com Deus, e também para com o
próximo, têm que ser orientadas pela retidão, pela sinceridade; pode acontecer
que, no culto divino ou na observância de determinado preceito do Decálogo (os
Dez Mandamentos) se preste maior atenção ao aspecto externo legalista, do que
ao interno e, assim, poderá chegar-se, pouco ou muito, à profanação do templo,
da religião. São João afirma que Jesus purificou o templo, expulsando dele os
vendedores com as suas mercadorias, quando já estava próxima a “Páscoa dos
Judeus”.
A
Igreja, durante a quaresma, caminhando para a Páscoa, parece repetir o gesto de
Jesus, convidando os cristãos à purificação do templo do seu coração para que
possam prestar a Deus um culto mais purificado. Jesus falou de outro templo,
infinitamente digno, “o Templo do Seu Corpo” (Jo 2, 21), ao qual fazia alusão
quando dizia: “Destruí este Templo, e em três dias Eu o levantarei” (Jo 2,19).
Assim, o Senhor identifica o Templo de Jerusalém com Seu próprio Corpo, e deste
modo refere-se a uma das verdades mais profundas sobre Si mesmo: a Encarnação.
Depois da Ascensão do Senhor aos Céus essa presença real e especialíssima de
Deus, no meio dos homens, continua no sacramento da Eucaristia.
Como
todo ato de renovação e purificação é uma gesto de entrega, não se faz isso sem
sacrifícios e dor. Não é possível seguir
o Senhor sem a Cruz. Carregar a cruz, aceitar a dor e as contrariedades que
Deus permite para a nossa purificação, cumprir com esforço os deveres próprios,
assumir voluntariamente a mortificação cristã é condição indispensável para
seguir o Mestre. “Que seria de um Evangelho, de um cristianismo sem Cruz, sem
dor, sem o sacrifício da dor?, perguntava-se o Papa Paulo VI. Seria um
Evangelho, um cristianismo sem Redenção, sem Salvação, da qual temos necessidade
absoluta. O Senhor salvou-nos por meio da Cruz; com sua morte, devolveu-nos a
esperança, por meio da Cruz; com sua morte devolveu-nos a esperança o direito à
Vida”. Diz São Leão Magno que seria um cristianismo desvirtuado que não
serviria para alcançar o Céu, pois “o mundo não pode salvar-se senão por meio
da Cruz de Cristo.”
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