Trabalho de Mariologia.
Analise Contextualizada da Perícope
de Carta aos Gálatas 4, 1-7
1. Contexto
dos Gálatas.
Os gálatas são
um povo que habita a Europa: Gália (França), Galícia (Espanha e Portugal) e
Gales (Grã Bretanha). Atualmente a Galácia fica situada na Turquia. No III séc. a. C, uma parte dos Gálatas foi
atraído para a Ásia Menor como mercenários, eles falavam língua bárbara como diziam os gregos,
que dominavam a região naquela época. Eram um povo de cultura e religião pagãs,
não conheciam a fé dos Judeus.[1]
Por duas vezes
Paulo visitou a região da Galácia e devido uma enfermidade efetuou a terceira
visita. Após a pregação de Paulo o povo gálata se converteu, mas como veremos
este comunidade recém-convertida do paganismo a fé cristã será sacudida pelos
cristãos judaizantes[2]
que tentaram disseminar a obrigação da Lei mosaica como garantia da salvação e
da própria efetivação das promessas messiânicas. Os judaizantes consideravam a
observância da Lei como algo necessária para garantir a salvação, e buscavam
por isso minar a autoridade de Paulo, que pregava um evangelho desvinculado das
obrigatoriedades da Lei mosaica.
A epístola aos
Gálatas, foi redigida durante a terceira viagem, pelo ano de 57. Sua maior
intenção, sobretudo nos capítulos 3-5 é demonstrar para os gálatas e
indiretamente para os cristão-judaizantes que a salvação não brota da Lei, mas
da fé; para isso ele parte da experiência cristã e da Sagrada Escritura.
2. Problemática da Carta.
Como já acenei os Gálatas devem ter recebido a visita de propagadores do
judaísmo, de judeu-cristãos insuficientemente consciente da fé. Estes, nas
visitas sugeriam que os gálatas deviam circuncidar-se para receber a salvação.
Ora, a questão para Paulo era mostrar que quem salva não é a Lei ou o comprimento
de regras religiosas, mas a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus morte e
ressuscitado.
Para o Padre J. Bortolini, os gálatas, segundo Paulo, estão arriscando
submeter-se a uma nova escravidão[3].
Porque Jesus já havia libertado-os da escravidão de uma lei que em muitos casos
não produzia vida e liberdade. Como nos diz Paulo, Cristo nos libertou para a
liberdade (Gl 5, 1).
Os Capítulos 3 e 4 da carta aos Gálatas relevam essa polêmica de Paulo
contra uma corrente judaizante que forçava a circuncisão dos gentios como meio
de assegurar a salvação. Os que pretendiam impor a circuncisão e o cumprimento
da Lei de Moisés anulavam todo os méritos de Jesus: sua vida, morte e
ressurreição. Segundo eles, o importante é o cumprimento da Lei, cumprindo-a as
pessoas alcançam a justiça pelas suas obras. Para Bortolini estão em jogo dois
tipos de justiça: a que surge do cumprimento da Lei e a que nasce da fé em
Jesus Cristo[4].
Para Paulo, ninguém pode, por conta própria obter a justiça, ela deve
ser, portanto, algo gratuito, doado por Deus. A plenitude dos tempos não é um
momento que se possa manifestar pelo cumprimento da Lei ou manipular através de
obras piedosas, mas é Kairos de Deus, ou
seja, o momento da maior manifestação do amor gratuito de Deus para os seres
humanos (Gl 4,4).
Ninguém, exceto Jesus Cristo, o Filho de Deus morto e ressuscitado pode
trazer a salvação a todo gênero humano, e somente a fé nele é nossa garantia de
salvação. Então a salvação não nasce do cumprimento de preceitos. Desta mesma
forma, a justiça vem da fé em Cristo Jesus, que não leva em conta os méritos
pessoais, mas a Graça: manifestada em Cristo que nos salvou mesmo quando ainda
éramos pecador.
Ser cristão não é basear a própria vida em regras, como se pudesse obter
a graça de Deus e a Salvação. Segundo Paulo em Gálatas cap. 3-4 esse caminho
leva escravidão da Lei. O processo de libertação proposto por Paulo reconhece
que “Cisto nos amou e se entregou por nos sem que o forçássemos a isso, sem que
o merecêssemos por causa do que temos realizado,”[5]
mas pelo seu beneplácito. Portanto, a
justificação que provem da fé é resposta do amor de Deus e de Jesus por nós, e
não resposta aos nosso méritos.
Então, esta perícope foi escrita para demonstrar aos Gálatas que não é
pelo cumprimento da Lei de Moisés que se obtém a salvação, mas por meio da fé
em Cristo Jesus. Por que para Paulo a lei não é condição para receber o dom da
justiça e da salvação, mas é apenas instrumento de educação para mostrar o
pecado; é aderindo a Jesus que nos tornamos libertos e herdamos a filiação
adotiva em Deus (cf. Gl 3, 15-29).
3.
Localização da carta no contexto das cartas paulina.
Podemos
localizar a Carta aos Gálatas num contexto de cunho doutrinal e “pastorais”,
visto que ela inicia com uma breve exortação à comunidade e depois toma posição
de admoestação e advertência do perigo das falsas doutrinas: “admiro-me que tão
depressa abandoneis aquele que vos chamou pela graça de Cristo, e passeis a
outro evangelho. Não que haja outro, mas há alguns que vos estão perturbando e
querendo corromper o evangelho de Cristo. Entretanto, se alguém – ainda que nós mesmo ou um anjo do céu – vos
anunciar um evangelho diferente do que vos anunciamos, seja anátema.” (Gl 1,
6-8)
Na carta
encontramos um conteúdo doutrinal, nela Paulo levar uma orientação à
comunidade, buscando desta forma fortalecer a fé no evangelho de cristo,
abalada pelas disseminações judaizantes, que como vimos queriam desautorizar a
palavra de Paulo, pregando a obrigatoriedade da Lei e das regras para obtenção
da justiça e salvação.
Como o
Querigma já tinha sido anunciado nas duas visitas anteriores à comunidade da
Galácia, Paulo não tratará na carta simplesmente do anuncio, mas da defesa da
fé. Por isso, parte da experiência cristã e da Escritura para o efetuar sua
argumentação. Com isso, ele desejava fundamentar como Jesus entrou no mundo
submetido à Lei (nascido de mulher) para superar a própria Lei, que é apenas um
estágio e não o fim. O fim mesmo de tudo segundo Paulo é Jesus Cristo, imagem
visível do Deus invisível. Toda a carta
neste sentido é uma exortação de Paulo ao povo cristão ( de Galácia, mas também
a todos os outros povos) de que é a fé em Jesus anunciado por ele, da mesma
forma como O recebeu dos apóstolos, que garante a justificação e a salvação.
4. Exegese.
Gl 4,1-7:
“Explico-me: enquanto o herdeiro é menor, em nada se diferencia do
escravo, ainda que seja senhor de tudo, pois está sobre tutores e
administradores, até o tempo determinado pelo Pai. Assim também nós, quando
menores, estávamos escravizados aos elementos do mundo. Mas quando chegou o
tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher e sob a lei, a fim de que
recebêssemos a adoção de filhos. Porque sois filhos, Deus enviou a nossos
corações o Espírito de seu Filho que clama: Abba, Pai! De maneira que já não és
escravo, mas filho e, se filho, também herdeiro por Deus”.
Paulo inicia a passagem pondo em relevo uma resposta a objeção dos
judaizantes. Como acontece em muitos de seus escritos Paulo parte da resposta
ao problema concreto da comunidade. Por isso, vimos no v. 1-3 Paulo introduzir
seu discurso com o paralelo entre a condição do herdeiro tutelado, ou seja, que
possui, mas não tem autoridade para usufruir com a condição de escravo.
Vivemos, segundo Paulo, escravizados pelas forças do mundo.
Ora, por que Paulo parte deste ponto? Como bem sabemos a perícope foi
escrita para demonstrar aos gálatas que é Deus Pai quem dirá o momento exato da
eclosão do Reino e, por conseguinte da salvação. Paulo tem claro, e, expressa
aqui nesta perícope, que não é a prática da Lei de Moisés que irá antecipar ou
ainda revelar esse momento, mas a fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus morto e
ressuscitado.
É pictórico notar que Paulo no v.1-3 tem consciência da situação
religiosa dos gentios diante dos judeus. Todavia, estes versículos nos fazem
entender que herdeiro tutelado (judeu) e escravo(gentio, órfão) não diferem,
pois os judeus tendo a Lei não conseguem chegar a justificação e a salvação.
Por outro lado, os gentios não possuindo a Lei também não atingem a salvação.
Desta forma, todos estão na mesma condição diante da justificação pela Lei.
Para Paulo este tempo de infância tem um fim e já chegou. O estado de
tutela, também para os judeus, chegou a cabo com a era messiânica: a plenitude
do tempo que somente a Deus cabe definir a hora (v. 4). Por meio de seu filho,
Deus nos libertou – judeus – sujeito a
Lei, necessitados de libertação não menos que os gentios. Paulo destaca a
condição divina do Filho, Filho de Deus. Nascido segundo a Lei, isto é, dentro
da realidade humana, que recorda provavelmente a circuncisão lembrada em Gl 3,
13.
Essa expressão “nascido de mulher” não é um acréscimo arbitrário,
ao contrário, Paulo com isso nos revela o modo como Cristo nos amou, destacando
o ato pelo qual Ele nos resgatou da maldição causada pela Lei. Paulo ainda
esclarece o efeito desta redenção: chamados a adoção filial pelo Filho por
graça de Deus Pai (v. 5-7).
Quadro conceitos chaves marcam essa perícope. Paulo estaca a figura de Deus
como centro de toda a realização, pois é Ele quem livremente envia seu Filho,
na medida do tempo fixado por ele mesmo e envia também o Espírito de seu Filho.
Paulo nos convida a perceber assim, a presença do Pai em toda abra da
salvação(cf: BORTOLINI, J Como Ler a Carta aos Gálatas: Evangelho é Liberdade.
p66).
A expressão plenitude do tempos é originariamente apocalíptica,
encontrada também em Mc 1,15. Aqui (em Gálatas essa expressão) não trata de
processo da civilização permitindo a vinda do salvador; porém quer afirmar que
somente Deus decide o tempo da encarnação (cf: BORTOLINI, J Como Ler a Carta
aos Gálatas: Evangelho é Liberdade, p67).
O Filho é outro conceito chave para entender a intenção de Paulo.
No texto original Paulo usa a palavra “Huios” para expressa quem é Jesus
Cristo. Designando Jesus Cristo com esse termo Paulo destrói a imagem do
messianismo judeu: o enviado do pai não está a altura da esperança dos judeus e
a relação existente entre o Pai-Filho é única (cf: BORTOLINI, J Como Ler a
Carta aos Gálatas: Evangelho é Liberdade, p67).
Depois Deus envia o Espírito do Filho para mostrar que a filiação
não é apenas de ordem jurídica, que ela se instaura no profundo de nosso ser
espiritual. Somos filhos por participação à filiação do Cristo (Rm 8,29) cf:
BORTOLINI, J Como Ler a Carta aos Gálatas: Evangelho é Liberdade, p69.
Como
filho, tu és herdeiro: ora, o herdeiro por excelência é Cristo, incorporado
à Cristo pelo batismo recebemos o Espírito como primícias do mundo futuro. O
espírito é que garante nossa relação de filiação. Ele não é um acréscimo ou um
complemento que falta a vida cristã como a tradução errada do v.6 pode sugerir
“porque sois filho, Deus enviou o Espírito do Filho... mas é uma prova de que
somos filhos por participação em Jesus Cristo (cf: BORTOLINI, J Como Ler a
Carta aos Gálatas: Evangelho é Liberdade. p70).
5.
Nascido de uma mulher
Esta passagem
é a única onde Paulo fala da mãe de Jesus. Provavelmente essa expressão queira
revelar-nos o estado no qual Jesus nasceu e veio ao mundo. Porém também nos
mostra como a história da salvação vai se realizando. A referencia a tal expressão faz certamente
alusão ao nascimento virginal do Cristo.
Contudo, qual
o sentido da expressão no meio judaico e sobre o contexto em questão? O paralelismo entre “nascido de uma
mulher” e “nascido sob a Lei” manifesta que Paulo tem em mente a
condição existencial que Cristo assume para nos salvar. Como nos diz em
Filipenses 12,7: “esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo,
tomando a semelhança humana”.
A expressão "nascido de uma mulher", permanece ainda hoje a nos
convidar a meditação. O fato de Paulo não dizer claramente o nome da mãe de
Jesus talvez esteja associado a tentativa de ligar a história de Gn capítulos 2
e 3. Por que dado a importância teológica que Paulo confere aos capítulos 2 e 3
do Gênesis, a mulher parece evocar Eva, qual é prometido um descendente (Gn
3,16), entendido no sentido pessoal e messiânico pelos tradutores gregos:
vitorioso sobre Satã este descendente é aquela por meio da qual nos vem a
bênção prometida a Abraão (Gl 3,16).[6]
Assim podemos com certa propriedade, relacionar a promessa
veterotestamentário de Gn cap. 3 com essa perícope de Paulo para afirmar que
esta mulher na qual gênesis e a Carta aos Gálatas comentam sem mencionar
diretamente o seu nome é Maria, expressa com toda clareza em Mateus na
genealogia. Desta forma, reconhece-se o papel de Maria não como objeto, ou
ainda como barriga de aluguel, mas como ponte na qual Cristo toma parte na
história humana.
Portanto, o “nascido de mulher” de Paulo não desmerece a mãe de
Jesus, ao contrário a coloca em destaque para marca o meio pelo qual Jesus
Cristo, Filho de Deus por obra do Espírito Santo entrou na história, submetido
a Lei, para desta maneira nos resgatar da Letra para a Vida.
É de suma importância ao meu parecer não perder de vista, na aproximação
que desejamos fazer, ou seja, relacionar o nascido de mulher com a figura de
Maria, a expressão “submetido a Lei”. Pois acredito que neste ponto
encontramos um fator relacional. Jesus nasceu como todo judeu, submetido a Lei,
por meio de uma mulher, mas com a intervenção divina. Por isso, encontramos na
genealogia de Jesus, uma brusca interrupção na ordem do genitor: Jacó foi o
pai de José, esposo de Maria, da qual nasceu o Jesus , chamado Cristo.(Mt
1,16) . Ora, essa interrupção é a prova de Jesus, é muito mais que o messias a
moda judaica, Ele é o messias, Filho de Deus.
BILBIOGRAFIA
CONSUTADA:
GEBARA, Ivone
& BINGEMER, Maria Clara L. Mãe de deus e Mãe dos Pobres.
Col.
Teologia e Libertação, Ed. Vozes, Petrópolis, 1988.
Viver e Anunciar
a Palavra: as Primeiras Comunidades. Col. Tua Palavra é Vida,
Vol. 6, Ed. Loyola
/ CRB, São Paulo, 1995.
COTHENET, E. A
epístola aos Gálatas. Col. Cadernos Bilbicos, Ed. Paulinas, São
Paulo 1985.
BORTOLINI,
J. Como Ler a Carta aos Gálatas: Evangelho é Liberdade. 2a
Edição,
Ed. Paulus, São Paulo, 1991.
ROUER, A. Maria. Ed. Paulinas, São Paulo1969.
Bíblia de Jerusalém
Bíblia Sagrada. Edição da
Família, Ed. Vozes.
[1] Viver e
Anunciar a Palavra: as Primeiras Comunidades. Col. Tua Palavra é Vida, Vol. 6, p 174.
[2] Estes
são judeu-cristãos vindos do judaísmo, que combatiam com violência o evangelho
pregado livre da lei, no qual Paulo anunciava.
[3]
BORTOLINI, J Como Ler a Carta aos Gálatas: Evangelho é Liberdade. p 18
[4]BORTOLINI,
J Como Ler a Carta aos Gálatas: Evangelho é Liberdade. p 19
[5] Idem. p
22
[6] E. Cothenet. A epístola aos
Gálatas. Col. Cadernos Bilbicos, p 68.
Nenhum comentário:
Postar um comentário