segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O que é central na noção de salvação cristã?

 Questões Teológicas:  

   O que é central na noção de salvação cristã? 
A noção de salvação do ser humano é o centro da noção de salvação cristã. O fundamental da existência da idéia de salvação são os homens e as mulheres que precisam ser salvos. O termo salvação aplica-se a salvar o ser humano, esse não pode eximir-lo ou abandonar ou ainda desconsiderar o contexto no qual o ser humano está inserido. Portanto a salvação diz respeito a tudo aquilo que é experiência do ser humano. Se o termo salvação for concebido num sentido mais amplo, então deve responder às inspirações e carências humanas, não satisfeitas pela razão e pelos esforços do próprio homem.  
Analisando a salvação cristã como salvação do ser humano, então na medida em que mudam as condições de vida, surgem novos desafios e transformam-se contextos socioculturais, pode e deve a Igreja acompanhar tais mudanças com pastorais, instituições e visões teológicas novas condizentes com o momento histórico.
As diversas expressões de salvação apresentam-se já presentes no Novo Testamento. Os discípulos utilizavam diversas expressões para exprimir o conteúdo da salvação cristã. Bem facilmente entendida essas expressões trazem em voga que a salvação cristã desde o começo foi sendo compreendida como algo unida a realidade vivencial de cada pessoa e comunidade de fé, por isso os diversos termos para exprimir o conteúdo da salvação cristã: santificação do ser humano, justificação, capacitados do alto, libertos da escravidão. Em Agostinho: sacrifício meritório; em Anselmo: satisfação de nossas culpas só encontra resposta em Cristo; St. Tomás: satisfação, mas vista como fundamento do amor de Deus à humanidade; Lutero: a justiça punitiva de Deus.  Mas uma coisa estava por trás de todas essas expressões: a realidade da experiência de ser salva. A salvação é uma experiência que acontece na história de cada pessoa e que encontra seu acento objetivo no sujeito eclesial. Há diversas expressões porque diversas são as experiências humanas. Nenhuma experiência pode por antonomásia esgotar o conteúdo da salvação e a realidade salvífica. Assim nasce idéia de um núcleo comum nas diversas experiências de salvação. Esse núcleo denomina-se autêntica experiência de salvação.  
A experiência humana é sempre uma experiência interpretada. Na experiência a percepção e o pensamento se encontram mutuamente. A experiência neste sentido é interpretada e vivida ao mesmo tempo. Mas então ela é somente subjetiva? Não. Existe uma autonomia da realidade que ultrapassa a experiência subjetiva. A realidade possui uma objetividade e uma subjetividade, pois cada experiência não esgota a realidade, mas revela parte dela. Assim dependendo da qualidade da experiência se pode chegar a uma conclusão diferente, porém que não exclui outras experiências e conclusões da tendo a mesma realidade como paradigma. Mas existe uma realidade autônoma que não depende nem da experiência, nem do quadro interpretativo: a realidade de Jesus Cristo como salvação. Essa realidade é fundamental, permanente e comum a toda experiência de salvação cristã. As diversas expressões não vazia e nem criam uma poção de salvações porque estão enraizadas na realidade fundamental de Cristo como salvador e portador absoluto da Salvação. Daí que conservando essa centro real e intransponível a experiência de salvação que acontecem na humanidade e, portanto, na história podem exprimir-se diversamente sem perder a unidade da fé da comunidade em Cristo.   

2.      Como sair do dilema: a salvações não-cristãs se são autênticas relativizam a salvação cristã, ou se não são autênticas então não passam de mentiras ou quimera!
A solução do dilema não pode ser resolvida sem primeiramente empreendermos uma verdadeira transmutação das questões até então elencadas para construir uma equilibrada saída. Primeiro é preciso deixar claro que a salvação cristã não só acontece por meio de Deus, mas acontece em Deus. Deus mesmo é a salvação do ser humano. A realização do ser humano não somente através de Deus e sim é Deus mesmo a sua felicidade. Deus é assim realidade final da salvação cristã, e não apenas como sua causa instrumental.
Essa salvação, todavia não é algo futurista e para o pós-morte. Ela é essa autocomunicação de Deus na vida e na história que atinge o ser humano em todas as suas dimensões e abri-o ao escaton numa unidade entre o Reino celeste e a construção dos meios aqui e agora.  
Ora, se já falamos que a salvação cristã está ligada a realidade do ser humano, se esta salvação é vontade universal de Deus para todos os homens e mulheres então a realidade da salvação deverá atingir a todas as experiências de salvação. Ora, a salvação é vivida na história e a história é limitada pelo contexto como afirmar que a salvação cristã é a única verdadeira se ela não abarca a totalidade das experiências humanas?
Então, se é assim existe algo comum entre nossa salvação e a salvação dos não-cristãos que contribui para cumprir a vontade salvífica de Deus? Mas isso não relativiza nossa pretensão de universalidade e totalidade da salvação?  Há segundo Pe. França Miranda um ethos comum a cada religião e com ele uma cosmovisão. Cada religião busca exprimir sua salvação baseando na realidade, vivência e contexto específico, portanto a partir de sua cosmovisão.
A base comum neste contexto é a salvação do ser humano e esse na sua multiforme realidade de experiência. Assim, a avaliação e análise da experiência de salvação devem levar em conta a contextualização de cada experiência. Desta forma não podemos negar que há elementos de salvação fora do cristianismo e que as salvação não-cristãs possuem caminhos de salvação. Mas ao mesmo tempo não podemos aceitar que diversidade de expressões e experiência nos leva a aceitar a irreal idéia de uma multiplicidade de salvações. A salvação é única porque Deus é o conteúdo mesmo da salvação, Deus é a meta e o fim da salvação do ser humano. As religiões e as instituições não podem esgotar toda a realidade de Deus. Nem o cristianismo, nem o judaísmo, nem islamismo ou o budismo, ou ainda o hinduísmo ou as religiões africanas entre tantas podem reter a totalidade de Deus. Uma coisa é reter o fenômeno (phainomenon) que o que o ser humano e a religião têm acesso outro coisa é Deus mesmo enquanto tal (noumenon).  

3.      Como pode um único Deus (Espírito) provocar experiências salvíficas plurais diversas? 
Não podemos confundir o fim com os meios nem a ação salvífica com os meios históricos de expressão desta única salvação. Aqui entra o papel do Espírito na raiz da salvação como aquele que possibilita falar de salvação universal ou de vontade salvífica universal para toda a humanidade. A ação do Espírito tem como lugar privilegiado a própria Igreja, por isso Santo Ireneu afirmava “onde está o Espírito do Senhor aí está a Igreja, e onde está a Igreja aí está o Espírito do Senhor, e toda a graça” (Adv. Haer. III, 24,1).
Mas o Espírito é derramado sobre toda a humanidade, pois como diz a Escritura, Ele sopra onde quer, precedendo com sua atividade a proclamação explícita da mensagem cristã. Neste sentido, queremos dizer que o Espírito do Senhor é livre e age onde que independentemente da presença histórica das instituições ou não. Em outras palavras, Ele age fora dos muros confessionais cristão, e o conceito de Igreja de Santo Ireneu aqui é alargado e abre muito mais que as expressões históricas que encontramos dentro dos contextos cristãos. Um é o mesmo Espírito que faz aparecer os diversos dons e talentos. O corpo possui um único Espírito que o conduz. Desta forma a ação do Espírito não se limita ao interior do cristianismo.  A atividade universal do Espírito é levar Jesus Cristo, vida e verdade, aos seres humanos. 
Como a encarnação implica não somente a salvação do homem, mas também a restauração do cosmos e de tudo que existe, então a salvação desencadeia um processo histórico que culmina na atual realidade e destina-se ao criar relação de comunhão entre Deus e a criação. Ora, sendo assim a ação do Espírito do Senhor é acolhido e experimentado na história e portanto  diversamente, pois como vimos cada etapa da história trás novos desafios existenciais aos quais a salvação de Deus tem que ser sinal visível na vida e no contexto de cada povo em cada época.
Todavia, não podemos esquecer que a salvação em plenitude só pode ser Deus. Neste sentido todo anseio de salvação plena se dirige a Deus, quer o aceitemos ou não, quer o chamemos por este nome ou aquele, já que é uma realidade transcendente. A Palavra de Deus está aqui para ser transcendente, que pode receber denominações diversas nas religiões, mas nunca ser substituído por qualquer outra realidade. A verdade é que Deus ultrapassa toda e qualquer estrutura e nada pode esgotar sua realidade. Da mesma forma que todas as realidades e estruturas podem dizer coisas sobre Deus e apresentar aspectos de Deus a partir de seu ethos e sua cosmovisão, porém não podem dizer possuir Deus totalmente nos seus muros e esquemas: Deus é mais. Qual, pois, o critério para não cairmos no subjetivismo de uma fé ilusória e intimista? A comunidade de fé. O sujeito por excelência da fé é a comunidade, por isso a importância do sensus fidellius

O critério do cristianismo é o amor (agape), o dom do Espírito e fora dele é a promoção do bem. Nestes critérios Deus age como ação do Espírito que faz surgir diversas expressões da mesma realidade que é Deus. Daí que cada experiência e expressão salvífica do passado são verdadeiras, mas não exaustivas, porque toda experiência é contextualizada e limitada, e Deus transcende a tudo isso.   

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