quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

São Vicente de Paulo e os novos areópagos.

São Vicente de Paulo e os novos areópagos.


Na era da comunicação e da novidade, onde tudo é descartável e o passado é visto com desconfiança, São Vicente contrasta, pois a mensagem deste tão importante santo da caridade tem sempre algo a nos comunicar. Mas porque a Vida de São Vicente, que viveu a quase 350 anos atrás tem ainda hoje algo de relevante? Qual o segredo desta jovialidade e atualidade das palavras vicentinas? Respondendo simploriamente, podemos afirmar que é fruto da unidade existencial entre ser e presença, entre vida e pensamento, entre ação e reflexão.
As grandíssimas da humanidade não são lembradas apenas pela que disseram e nem como disseram, mas sobremaneira pela unidade entre o dizer e fazer, ou melhor, entre o fazer e o dizer. A virtude primeira de um santo não é tanto o que ele diz, e sim o que ele faz de sua vida. A inapetência existente hoje entre discurso e prática, entre vida pública e ação privada criam uma lacuna entre o ideal de santidade autêntica e santidade “jurídica” ou “canônica.” Para ser santo divinamente falando não basta passar pelos tramites legais da Santa Sé. É mister avaliar com seriedade os critérios evangélicos do testemunho e autenticidade da vida: “Se alguém disser =: ‘amo a Deus’, mas, entretanto odeia o seu irmão, é um mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão.
É impressionante esse texto acima, quando nos convida a viver antes de dizer. Afirmar é fácil, realizar o que se diz é mais complicado. Por isso São Vicente dizia: não me basta amar a Deus se os pobres não os amo. Não me basta ir a Igreja e deixar o pobre, o doente, a viúva ou o órfão sem assistência. Isso é uma ofensa a Deus, pois assim diz o Senhor: “Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos. Não gosto do sangue dos bois, carneiros e cabritos. Quando vocês vêm à minha presença e pisam meus átrios, quem exige algo das mãos de vocês? Para de trazer essas oferendas inúteis. O incenso é coisa nojenta para mim... não suporto injustiça junto com solenidade.” [1]
Deus não quer sacrifícios, ele deseja ser amado e respeitado no mundo e através das pessoas criadas à sua imagem. Prova de amor a Deus é amor seu irmão. Neste sentido o exemplo de Vicente de Paulo é atualíssimo, pois ele foi um fiel amante do Senhor amando seus irmãos e senhores, a saber, os pobres. São Vicente amava Deus nos pobres, e amando os pobres sentia que amava a Deus mesmo: “ Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram.”[2]
Deus é amor[3] e é próprio do amor a dinamicidade e a práxis. São Vicente em seus escritos estava sempre consciente deste dado: só com amor se move a vida e que em nome desse amor o cristão tem que colocar todas as suas energias para bem vivê-lo. Amor para São Vicente não sentimentalismo ou piedade descomprometida. Amor é atitude, é realizar coisas, transformar realidade. Dizia Vicente: “Amemos a Deus, meus irmãos, amemos a Deus, mas que seja às custas de nossos braços, que seja com o suor de nossos rostos. Pois muitas vezes os atos de amor a Deus, de complacência, de benevolência, e outros semelhantes afetos e práticas interiores do coração amante, ainda que muito bons e desejáveis, resultam, entretanto, muito suspeitos, quando não se chega à prática do amor efetivo. (...) Mostram-se satisfeitos por sua imaginação fértil, contentes com os doces colóquios que têm com Deus na oração; falam quase como anjos; mas logo quando se trata de trabalhar por Deus, de sofrer, de se mortificar, de instruir os pobres, de ir buscar a ovelha perdida, (...), ai!, tudo vem abaixo e falham seus ânimos.”[4]
É imprescindível salientar que a atualidade de São Vicente está ligada a seu estilo sereno e coerente de unir palavra e prática; sua teologia era uma teologia da práxis. Amor não é aquilo que se sente pelo outro sem fazer nada por ele; amar é cuidar, proteger e amparar. É por isso que o amor não é apenas afetivo, mas também efetivo. Amor que configura apenas em afeição e não em efetivação não pode ser um amor cristão vicentino. Um vicentino não pode amar apenas afetivamente é necessário lançar-se no vôo vicentino do amor efetivo que transforma as estruturas e abre caminhos de vida e esperança. Para Vicente de Paulo “(...) o amor se divide em afetivo e efetivo. O amor afetivo é certa efusão do amante no amado, ou bem uma complacência e carinho que se tem pela coisa que se ama, como o pai a seu filho, etc. E o amor efetivo consiste em fazer as coisas que a pessoa amada manda ou deseja (...).” [5]Em outras palavra o néctar, a  essência e o âmago do amor é a práxis, isto é, o amor afetivo posto em ação.
São Vivente define: “O amor cristão é um amor pelo qual se amam uns aos outros por Deus, em Deus e segundo Deus; é um amor que faz nos amarmos mutuamente pelo mesmo fim por que Deus ama os homens, para fazê-los santos neste mundo e bem-aventurados no outro (...).” [6] Se o amor está na raiz da vida cristã e também vicentina, então a busca pelos novos areópagos passa necessariamente pela trilha do amor.
Penso que para encontrarmo-nos nos novos espaços de reflexão e assistência aos pobres; para encontrarmos o lugar teológico dos pobres é imprescindível que antes de mais nada voltemo-nos nosso olhar ao amor evangélico, tão caro a São Vicente. Os novos areópagos somente serão internalizados por meio de um retorno autêntico às fontes dos Evangelhos e Escrito de São Vicente. Com muita clareza acreditamos que os novos areópagos escondem-se no amor agápico e livre. Porque somente alguém sem interesses próprios pode penetrar no centro do amor e unir: fé e vida, pensamento e ação, teoria e vivência, existencial e eterno, divino e humano; Deus e homem.   




[1] Isaías 1, 11-13
[2] Mateus 25, 40
[3] 1Jo 1, 4; Bonto XVI, Deus caritas est, Paulinas 2007, n. 01-03
[4] Coste, Pierre, Escritos de São Vicente de Paulo, XI, 733.
[5] Coste, Pierre, Escritos de São Vicente de Paulo, XI, 736.
[6] Idem, XI, 769

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