sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

LITURGIA E INCULTURAÇÃO


LITURGIA E INCULTURAÇÃO
Referências bibliográficas:
1.    França (de) MIRANDA, Mário. A inculturação da Fé. In A celebração do misté­rio pascal. Outras expressões celebrativas do mistério pascal e a liturgia na vida da Igreja. (= CELAM. Manual de Liturgia, IV), São Paulo, Paulus, 2007, p. 263-273;
2.    RUSSO, Roberto. A inculturação da Liturgia. In A celebração do mistério pascal, op. cit., p. 274-296.
3.    CELAM. Nova evangelização, promoção humana, cultura cristã. Documento de Santo Domingo, Petrópolis, Vozes, 1993: n. P24, M32, 84, 230.
4.    CELAM. Documento de Aparecida, Edições CNBB, 2007: n. 4, 94, 99b, 479, 491.
5.    TRIACCA, Aquiles Maria. Participação, in Novo Dicionário de Liturgia, São Paulo, Paulus, 20043, p. 886-904.

Premissas.

1.    Falar em inculturação é algo complicado e complexo por várias razões. As últimas Diretrizes Gerais (n. 79 a) colocam qual primeiro entre os desafios “a promoção de uma liturgia mais popular e inculturada, para que também os pobres e excluídos tenham mais espaço para celebrar, no Mistério Pascal de Jesus Cristo, sua vida e sua fé”.
2.     Eu pretendo abordar só alguns aspectos, também para não complicar o tema e perder o essencial. Solicito, antes de tudo, algumas atitudes interiores para colher este essencial. Por isso - qual premissa - gostaria destacar alguns elementos fundamentais - no que se refere à liturgia - que a partir do Concílio norteiam (ao menos deveriam) nossas celebrações:

a) Sujeito celebrante da ação litúrgica é a Assembléia; ela é o sacramento de Cristo! Juntos os cristãos confessam o Senhor ressuscitado. Não quero entrar nos detalhes, mas - para evitar equívocos - reconheço o ‘ministerio’ essencial do presbítero, mas a serviço do povo de Deus que celebra.
b) Segue a necessária participação frutuosa como referencial privilegiado e constante da ação litúrgica, dentro da atuação dos diferentes dons e ministérios, fundamentada no único sacerdócio.
c) Lex orandi statuat legem credendi. O Movimento Litúrgico que preparou e animou o Concílio, recuperou o caráter teológico da liturgia, isto é, de momento da e na História da salvação. Na liturgia a Igreja manifesta a sua fé! Através da celebração litúrgica é possível conhecer a fé que a Igreja professa e viver nela uma experiência própria, forte e transformadora, do Deus vivo que Jesus nos revelou.   
d) Na liturgia nós cristãos celebramos não as nossas obras, mas a obra de Deus, o que Ele fez e faz pela nossa salvação. Nós celebramos, isto é, tornamos célebre o nome do Senhor, o louvamos e bendizemos pela obra da salvação. Cada celebração instaura uma relação entre Deus e o homem, relação de comunhão, não intelectual, teórica, mas corporal, concreta, viva. Finalidade da Liturgia é viver uma relação filial entre Deus e os crentes e uma relação fraterna entre os participantes. Isso pela comunicação do dom de Deus, por meio de Cristo na força do Espírito.
e) A celebração litúrgica, então, pode acontecer somente na em Jesus Cristo morto e ressuscitado, centro de tudo, ponto alto do nosso crer. Outros aspectos espúrios - por ex. busca de satisfação psicológica, de emoções, ou de aparecer, de exaltar nossas conquistas, celebrar nossas vitórias... sim, tudo isso pode - às vezes até deve entrar - mas na luz da Páscoa de Cristo.
f) A celebração cristã mostra a alteridade de Deus, que dEle não temos um contato imediato, mas precisamos de mediações; não recebemos a revelação divina de maneira imediata e física; nós não vivemos na visão, mas na fé (cf. 2 Cor 5,7). Por isso proclamamos: Eis o mistério da fé!
g) Na dinâmica eclesial a Liturgia está no início da vida cristã e da evangelização - como fonte - e qual ponto alto - cume; o anúncio visa conduzir à plenitude do encontro sacramental com o Senhor. O testemunho (martiria) torna-se serviço aos irmãos (DIAKONIA), para gerar o louvor e o agradecimento (LEITOURGUIA). Assim se realizam plenamente as duas missões, a do Filho e a do Espírito.
2. Então, deve ficar claro que a Liturgia, por si só, não basta à vida da Igreja. Ela tem um antes e um depois, numa constante reciprocidade. Para que a Liturgia ‘funcione’, ela precisa, antes, do anúncio da Palavra que ilumina a vida com o projeto de Deus; precisa da Iniciação à vida cristã através dos Sacramentos da fé e deve conduzir a uma vida de amor, isto é, a dar a vida por amor, nas modalidades e expressões que exigir a vocação de cada um. Em outras palavras, se nossas liturgias não forem fundamentadas na Palavra, tornar-se-ão folclore, ou show, ou teatro; se não converterem nosso coração, então, algo não funciona, ainda! Digo isso porque, às vezes, cobramos da Liturgia o que não lhe compete.
Para falarmos, portanto, de inculturação da Liturgia é preciso manter  presentes estas dimensões da fé e da pastoral. Se não procurarmos inculturar toda a nossa ação evangelizadora e missionária, fecundando-a com uma sincera e profunda paixão por Jesus Cristo e pelo Reino, a Liturgia por si só, não funciona! Em outros termos para que a Liturgia fale e seja compreendida em sua beleza e riqueza, é precisão que nossa ação pastoral, isto é, o anúncio da Palavra e a ação pastoral conduzam, aos poucos, para uma vida nova em Cristo. E isso exige um projeto eclesial e um testemunho de fé pessoal e eclesial.

I - IGREJA E INCULTURAÇÃO.
1.    O fundamento da inculturação está na encarnação de Jesus Cristo: o filho de Deus se tornou humano, assumiu nossa carne. Lembro das bonitas palavras do Concílio (Gaudium et Spes, 22): “Por sua encarnação, o Filho de Deus uniu-Se de algum modo a todo homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano”. A Liturgia continua a História da Salvação que teve este ponto alto em Cristo Jesus.
2.    Em Santo Domingo - IV Conferência do Episcopado Latino-americano - a dimensão da inculturação foi um dos mais abordados. O papa João Paulo II em seu discurso afirmava: “É-nos apresentado o desafio formidável da contínua inculturação do Evangelho... tema que tereis de abordar com clarividência” (DI, n. 24). Os bispos na mensagem final (n. 32), entre as linhas pastorais exortam: “Devemos encorajar uma evangelização que penetre nas raízes mais profundas da cultura comum dos nossos povos, tendo uma especial preocupação pela crescente cultura urbana”, e, ainda: “Ocupemo-nos de uma autêntica encarnação do Evangelho nas culturas indígenas e afro-americanas do nosso Continente”. No documento que seguiu à esta Conferência se observa (n. 43): “Ainda não se dá atenção ao processo de uma sã inculturação da liturgia. Isto faz com que as celebrações sejam ainda, para muitos, algo ritualista e privado a ponto de não se fazerem conscientes da presença transformadora de Cristo e de seu Espírito nem de traduzirem em um compromisso solidário para a transformação do mundo”.
3.    Estas palavras relevavam a urgência de integração entre fé e vida, evangelho e valores próprios dos povos, cultura e liturgia. Como isso possa acontecer na prática não é fácil. Mas a procura constante existe e nossa Igreja a incentiva. Isso não só em nosso Continente, mas por parte da Igreja universal e tem um peso relevante no que se refere à (nova) Evangelização.
4.    Acrescento que o papa João Paulo II, no encontro com os bispos do Regional NE3 em visita ad limina em 1995, enfrentou este nosso assunto: “Desejo hoje entreter-me sobre o estado da renovação litúrgica no vosso imenso país e a tarefa de chegar a uma Liturgia romana corretamente inculturada no povo brasileiro (iremos retomar alguns pensamentos do que o papa disse na ocasião).
5.    Então, quais os ‘elementos fundamentais’ para uma inculturação da liturgia?[1]. O Concílio deu alguns critérios para a reforma da liturgia.
a) SC (34) afirma: “Os ritos devem resplandecer com uma nobre simplicidade: devem ser claros, evitando as repetições inúteis; adaptados à capacidade dos fieis e, em geral, não devem ter necessidade de muitas explicações. Esta reforma não pretendia ser uma restauração arqueológica, mas retomar em sua pureza a liturgia romana dos primeiros 7 séculos, tirando os elementos supérfluos que o contato com os povos franco-germânicos tinha acrescentado, tirando a simplicidade e sobriedade que a caracterizavam.
b) Por isso, outro elemento da reforma conciliar consistia em procurar adaptar a liturgia ao gênio próprio de cada cultura. Obra não fácil nem rápida se o papa João Paulo II na Carta apostólica Vicesimus quintus annus - no XXV aniversário de SC escrevia: “É ainda árduo o esforço que se deve fazer para enraizar a liturgia em algumas culturas, tomando delas as expressões que possam harmonizar-se com o verdadeiro e autêntico espírito da liturgia, respeitando a unidade substancial do rito romano expressa nos livros litúrgicos” (Ed. Latina n. 25).
c) Lembremos que um dos critérios e objetivos da reforma foi a participação dos fieis; uma participação “consciente” (n.11), “ativa, plena e frutuosa” (n. 14). Portanto a inculturação entra como exigência desta participação plena. Então, nos perguntamos: “O que significa participação litúrgica?”[2]. Se a finalidade da liturgia consiste no culto público e integral a Deus por parte dos fieis e na santificação dos mesmos por parte da Trindade, então, participar é entrar em comunhão com o mistério que se atualiza em cada celebração litúrgica para que nossa vida seja renovada pela presença transformadora de Jesus ressuscitado que vive no Espírito. Assim, a nossa vida toda se transforma em culto espiritual (cf. Rm 12,1-2).
6. Se for assim, então, a inculturação visa conduzir o fiel ao encontro com Cristo dentro de sua realidade vital que chamamos de cultura. Mas, poderíamos ou devemos, antes de tudo, responder à pergunta: “O que cultura? Respondo com as palavras do teólogo Mario de França Miranda: “É o conjunto de sentidos, valores e modelos subjacentes ou incorporados ao ser e o comunicar-se de um grupo humano”[3]. Finalidade da cultura é viver num contexto ambiental e social sem perder, antes, potencializando os elementos positivos do nosso ser ‘humanos’. “Cultura significa, assim, uma unidade fundamental de ação e representação” que é típica de todo comportamento social[4]. Então, podemos dizer que faz parte da cultura tudo o que pertence ao humano jeito do ser. Pertence à cultura de um povo o jeito de vestir, comer, fazer festa e chorar, celebrar nascimento e morte, aniversários e casamentos, cumprimentar os outros ou fazer memória dos antepassados, brincar ou contar piadas, dançar e namorar, contar histórias e estórias, os símbolos com que as pessoas se comunicam e os valores que vivem e transmitem etc. tudo isso. Conclui o nosso autor: “Os padrões culturais possuem eficácia à medida que são vividos e atualizados na ação social concreta”[5]. O clima cultural em que a gente vive muda pelas influências externas, pelo contexto feito de TV e internet, contatos com o mundo da cidade e da propaganda, pela convivência com outros modelos e estilos de vida. Tanto que hoje em dia a gente se pergunta: “Qual nossa cultura”? O jovem que sai da zona rural e vem para a cidade do interior ou que da pequena cidade do interior migra para a grande cidade, entra em contato e, talvez, em choque com diferentes expressões culturais. Ainda mais, hoje em dia observamos uma ‘nivelação’ cultural produzida pela mídia tanto que é possível na zona rural mais afastada ver, sobretudo, jovens encarnar ‘modelos culturais’ típicos das grandes cidades.
Logo compreendemos como torna-se sempre mais complexo o entrar em diálogo com esta realidade fluida, não definida, ‘pluriforme’, não bem definida, que foge a definições bem precisas.
7. O documento Ecclesia in América (n. 70) recomenda que “o Evangelho seja anunciado na linguagem e na cultura daqueles que o ouvem” e diz que “a nova evangelização pede um esforço lúcido, sério e organizado para evangelizar a cultura”. São desafios que nos acompanham como evangelizadores. No mesmo documento se escreve que compete aos católicos promover uma “cultura da vida” (n. 63), uma “cultura da solidariedade” (n. 52), que combata “esse modelo de sociedade baseado na cultura de morte” (n. 63). Ainda é do papa João Paulo II a expressão: “uma fé que não se torne cultura é uma fé que não foi plenamente recebida, não inteiramente pensada, não fielmente vivida” (carta ao cardeal secretário de Estado, 20/05/1982). Mas aparece claro que a cultura não é - observa ainda Pe. Miranda, “uma grandeza intangível, pois sofre mudanças devido a fatores internos ou externos”... Por isso, “toda inculturação da fé implica ao mesmo tempo evangelização da cultura”[6]. Por isso o mesmo papa define inculturação como “uma íntima transformação dos autênticos valores culturais mediante sua integração no cristianismo e a radicação do cristianismo nas diversas culturas” (Redentoris Missio, 52).
8. Então, numa sociedade pluralista como a em que vivemos não é fácil definir o que significa cultura, quais elementos a liturgia deve acolher para se inculturar. Sabemos e reafirmamos que Evangelho e suas intrínsecas exigências de um lado, expressões culturais diferentes do outro, devem entrar em diálogo, mas... como?
9. Retorna à minha mente o que escrevia o papa Paulo VI em Evangelii Nuntiandi (O anúncio do Evangelho: 1975): “O Evangelho, e consequentemente a evangelização, não se identifica por certo com a cultura, e são independentes em relação a todas as culturas. E no entanto, o reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens profundamente ligados a uma determinada cultura, e a edificação do reino não pode deixar de servir-se de elementos da cultura e das culturas humanas... O Evangelho e a evangelização ... não são necessariamente incompatíveis com elas, mas suscetíveis de as impregnar a todas sem se escravizar a nenhuma delas. A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época, como o foi também de outras épocas” (EN, 20). Mais adiante afirma que “a evangelização perderia algo da sua força e da sua eficácia se ela... não tomasse em consideração o povo concreto a que ela se dirige, não utilizasse a sua língua, os seus sinais e símbolos...” (EN, 63).

Um capítulo à parte deveríamos dedicar à RELIGIOSIDADE POPULAR, qual expressão significativa (e nem sempre valorizada em sua natureza e valor) da “cultura” de um povo.
      
Escreve Doc. de Aparecida(n. 37):
“Em nossa cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular desempenha, especialmente a devoção mariana”
Pouco depois (n. 43) se fala do “valor incomparável do ânimo mariano de nossa religiosidade popular”: nossa experiência junto ao povo, o confirma!
Ainda no mesmo Documento, escreve-se (n. 99b):
“A renovação litúrgica acentuou a dimensão celebrativa da fé cristã centrada no mistério pascal de Cristo Salvador, em particular na Eucaristia. Crescem as manifestações da religiosidade popular, especialmente a piedade eucarística e a devoção mariana. Esforços têm sido realizados para inculturar a liturgia nos povos indígenas e afro-americanos”.
N. 258: lembra-se de que o papa destacou “ a rica e profunda religiosidade popular , na qual aparece a alma dos povos latinos americanos”.


II - PRINCÍPIOS E MÉTODO DA INCULTURAÇÃO LITÚRGICA
Para realizarmos inculturação é preciso definir o “padrão cultural”. Isso não é fácil nem depende da fantasia ou do gosto de uma pessoa nem de um grupo. É algo ‘coral’ e fruto de muita reflexão, busca, experimentação e oração.
2. 1 - A IV Instrução “Varietates legitimae[sobre a liturgia romana e a inculturação para aplicar devidamente a constituição conciliar Sacrosanctum Concilium (nn. 37-40): 25 de janeiro de 1994] apresentava estes (três) ‘princípios gerais’:
a) A finalidade: permitir ao povo cristão compreender facilmente o sentido dos textos e dos ritos para participar mais plenamente do mistério celebrado e vivê-lo melhor;
b) A unidade substancial do rito romano (cf. SC 38). A inculturação não visa criar novas famílias de ritos, mas que “as novas adaptações façam parte também do rito romano” (VL, 36);
c) A autoridade competente (VL, 37) não será cada celebrante ou algum movimento ou grupo (cf. SC 22), mas a autoridade competente como estabelece a lei da Igreja católica.
Além destes três princípios fundamentais, encontram-se outros: ex. a ortodoxia litúrgica, isto é, os elementos que entram na liturgia não devem conter erros e superstições e estar em harmonia com o autêntico espírito litúrgico (cf. VL, 31 = SC, 37). Cada elemento antropológico é preciso que esteja em harmonia com os valores mais próprios da vida eclesial e do mistério celebrado.
Conforme SC 40 a finalidade maior da inculturação deve ser o bem da comunidade, isto é, uma finalidade pastoral. Por isso fala-se em necessidade vital qual critério que rege as mudanças e não tanto a curiosidade sociológica, a moda do momento, o desejo arqueológico etc. “A inculturação é o amor à comunidade cristã e o desejo de ajudá-la a participar mais consciente e fecundamente da celebração litúrgica”[7]   
Enfim, encontramos o critério da conaturalidade, isto é, o respeito recíproco entre liturgia e cultura. Portanto os elementos culturais usados devem ter uma ligação com seu sentido intrínseco Por ex. o uso do óleo para os enfermos, o ‘dar sãs mãos’, etc.
2. 2. Para completar a nossa análise devemos acrescentar o conhecimento dos métodos da inculturação. A história da liturgia mostra que, ao longo dos séculos três métodos foram usados com êxito:
a) A equivalência dinâmica. Consiste em substituir um elemento da liturgia romana por outro da cultura local que possua significado e valor equivalente. Por ex. analisando a celebração eucarística, nós encontramos um conteúdo teológico (o sacrifício pascal de Cristo) e a forma litúrgica: uma refeição ritual. Esta tem dois elementos fundamentais: uma liturgia da Palavra, em forma dialogal, e uma liturgia eucarística que imita a forma da última ceia. Diálogo e refeição são as duas realidades antropológicas essenciais. Cada cultura dialoga e celebra suas refeições rituais de forma própria. Aqui pode ser possível inculturar, sem perder o referencial que permanece o que a Igreja sempre fez a partir do que recebemos.
b) A assimilação criativa. No tempo da criatividade patrística vários elementos da liturgia foram tomados das tradições sociorreligiosas da época que foram adquirindo sentido cristão. Exemplo clássico é o rito do batismo com os diferentes elementos que foram se acrescentado ao simples derramamento da água: a unção batismal, dar a taça de leite e mel aos neófitos em sua primeira comunhão, os termos mystagogia, iniciação, etc.
SC 77 prevê a possibilidade de que as Conferências episcopais elaborem e adaptem um rito próprio para o Matrimônio, segundo “os costumes dos diversos lugares e povos”. O que aconteceu na última edição do ritual para o Brasil. Esta metodologia pode ser aplicada para outras celebrações, por ex. de funerais, de bênçãos, novas festas litúrgicas, etc.
c) A progressão orgânica. Encontramos este critério em SC 23: Qualquer mudança deve acontecer depois de uma “cuidadosa investigação teológica, histórica e pastoral”, só quando “a verdadeira e certa utilidade da igreja o exija e tomando a devida cautela de que as novas formas de um certo modo brotem como que organicamente daquelas que já existem”. No período pós-conciliar vários elementos rituais foram revistos entre uma e outra edição (ex. no rito do batismo de crianças, do matrimônio, da ordem, da unção). Por isso, um papel importante é deixado às Igrejas locais para que esta progressão orgânica aconteça.
Com isso reconhece-se que a reforma litúrgica é algo que continua acontecendo.
3. QUAL ‘CONCLUSÃO PRÁTICA’, SUGESTÕES para uma INCULTURAÇÃO que seja ao mesmo tempo fiel às ORIENTAÇÕES DA NOSSA IGREJA e à ‘CULTURA’ do POVO: 
CUIDADOS E CHANCES, EXEMPLOS:
a) Cf. DG 62: “O anúncio e a acolhida da PALAVRA, ‘fundamentais para a vida e a missão da Igreja’, ‘primeira e fundamental escola da fé’: a Palavra seja claramente anunciada..., seja comentada e refletida com homilias cuidadosamente preparadas, e encarnadas na vida”.
b) As ORAÇÕES (inicial, sobre as Oferendas, pós-comunhão): devem ser bem ‘oradas’, com pausas, com intensidade espiritual, pode-se mudar algumas palavras para tornar o texto mais compreensível (mas... cuidado!).
c) As PRECES DOS FIEIS: será que nossa ‘criatividade litúrgica’ não poderia ser mais aguçada para adaptar à realidade da Comunidade que celebra, aos acontecimentos da semana, à concreteza da caminhada eclesial e social?
d) As MONIÇÕES PRESIDENCIAIS: no início da celebração, na introdução da Prece dos fieis, da Oração Eucarística, antes da bênção e da despedida etc.
e) A escolha dos CANTOS: desafios e chances... exemplos...
f) USO (e... ‘abusos!!!) do(s) MICROFONE(S) e das novas ‘tecnologias.
g) Entre as ‘tentações’ do consumismo e do espetáculo e a busca do ‘rosto de Deus’ e do mistério / interioridade-interiorização...
h) A linguagem litúrgica e os símbolos (luzes, cores, sons, silêncio, movimentos, danças, ‘coisas’, relações...): um mundo rico, belo, simples, concreto, humano... sempre na verdade e na autenticidade, dentro do nosso ser humanos, feitos de pó e de estrela, de pão (ou farinha) e de poesia, de matéria e de Espírito...
algumas “ideias importantes”:
a) Na Liturgia quem ‘preside’ ou colabora na ‘presidência’, é chamado a servir a (e não a ‘servir-seda) Assembleia, “povo de Deus em festa”;
b) o “bem-presidir” é uma ‘arte’ que se aprende pouco a pouco, com estudo e paixão, com paciência e amor, humildade e competência “profissional”;
c) a Liturgia é “catequese em ação”, isto é, catequiza-se através da experiência concreta, é mistagogia;
d) a liturgia é festa de família em que os irmãos se reconhecem e acolhem em Cristo morto e ressuscitado e nele encontram o sentido de suas vidas e do mistério que nos envolve, abrem-se à esperança rumo à festa que não tem fim e que já pré-gostam na assembleia dos que foram salvos por graça;
e) tudo, de maneira especial, dentro da ação litúrgica, deve ser impregnado de autenticidade (ex. o abraço da paz... não é um ato do tipo ‘psicológico - sentimental’, ou do ‘costumeiro’- ritual, mas algo que vem de dentro, que expressa por fora aquela paz - dom de Deus - que nos use e que partilhamos, como empenho e estilo de vida fraterna e solidária, mas ... isso tem a que ver com a totalidade de minha vida..., então, sim, a liturgia abre para a missão!;
f) de fato, da liturgia vivida com intensidade espiritual e autenticidade humana, provém a missão, isto é, minha abertura aos outros que encontrar no meu caminho cotidiano, com atitudes de fé e de amor;
g) a liturgia precisa de... iniciação para compreendermos a linguagem, o sentido de ritos e gestos, palavras e mensagem....




PERGUNTAS (para trabalho em grupo)
1. Em nossas celebrações litúrgicas o que experimentamos como ‘inculturado’ - isto é, que fala à nossa vida e expressa o nosso jeito de ser - e o que deveria / poderia mudar ou melhorar para estar mais em sintonia, permanecendo fieis à celebração do mistério pascal e da história da salvação que a liturgia atualiza?
2. Existem propostas de celebrações adaptadas para o Brasil, ex.: o rito do Matrimônio, os ritos do Batismo (de crianças e de adultos) com diferentes sugestões e possibilidades de atualização por parte dos Ministros e colaboradores. Estas possibilidades estão sendo aproveitadas? Algo poderia sê-lo mais?
3. Para uma verdadeira renovação litúrgica, isto é, para que a liturgia ocupe o lugar próprio de fonte e cume, o que mais precisaríamos fazer, aos diferentes níveis da atuação pastoral? Quem o deveria? Como?

4. Cada celebração visa criar comunhão entre todos os discípulos(as) de Cristo; nisso cada um(a) e todos(as) somos servidores(as) e não donos, a partir do sacerdócio comum, a serviço do qual se põe o sacerdócio ministerial. De fato, nossas celebrações fazem crescer a comunhão? Quando, sim? Existem dificuldades? Quais? Como superá-las?
5. Música, cantos, símbolos, gestos, palavras etc. são meios para que o evento da morte e ressurreição de Cristo fecunde hoje e transforme nossas vidas abrindo-as para a esperança, falando às nossas vidas concretas e de nossos irmãos(as). O que estamos fazendo de positivo, que - de fato - consegue o objetivo? Algo mais, ou melhor, poderíamos fazer? Quais propostas?
6. No tocante à INCULTURAÇÃO da LITURGIA, nos perguntemos:
Como acontece a proclamação da PALAVRA? - Os leitores se preparam?
- Os microfones são bem usados? - As homilias são fieis aos textos bíblicos e litúrgicos? ‘atentas’ à vida da Comunidade? Ou algo deveríamos/ poderíamos melhorar? Ex.? Quais compromissos queremos assumir?




[1] Para responder - muito em síntese - devemos relembrar o que o Concílio apontou, sobretudo em Sacrosanctum Concilium (n. 37-40). O problema não é de hoje. Podemos dizer que acompanhou constantemente a vida da Igreja. Às vezes ela soube enfrentá-lo de maneira correta: ex. no caso dos santos irmãos Cirilo e Metódio com os povos eslavos, outras vezes, ficou trancada e não soube compreender as urgências dos tempos, ex. no séc. XVI com Pe. Mateus Ricci na China ou, no século seguinte, com Pe. Roberto De Nobili, no Japão. Dificuldades teve, também, como sabem, com os povos indígenas da América latina e com os negros por aqui trazidos. É história de ontem que, porém, acarreta consequências em nosso hoje. Então, permanecem para nós os constantes desafios de encarnar o único Evangelho da Graça na linguagem de todos os povos como aconteceu naquele dia em que desceu o Espírito Santo em Jerusalém e os apóstolos souberam falar da maneira que todos entendessem as palavras de Pedro (cf. At 2, 1...).

[2] Cf. Triacca, artigo Dicionário, p. 886.
[3] França (de) Miranda, op. cit., p. 265.
[4] Ib.
[5] Ib.
[6] Ib., p. 265-266.
[7] RUSSO, ib., p. 290 (que cita J. ALDAZABAL e NOCENT).

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