quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A comunidade escatológica de salvação.


A comunidade escatológica é chamada em Cristo à santidade, que somente será plena na glória celeste, quando chegar o tempo da restauração de todas as coisas (cf. LG 48a). Ora, até que isso aconteça ela vive na esperança das promessas. Por isso o mistério da Igreja deve enquanto sinal escatológico é unir os fiéis na caminhada da fé. A meta da comunidade é despertar o amor do Pai apresentado em seu Filho, Cristo Jesus. O referencial é a fé em Jesus ressscitado, como garantia plena da consumação de todas as coisas (cf. At 2,21)[1].
Essa confissão de fé nas promessas de Cristo e na sua ressurreição é o centro da vida da comunidade escatológica de salvação: “já chegamos, portanto, o fim dos tempos (cf. 1Cor 10, 11), a renovação de todas as coisas está irrevogavelmente decretada e vai-se realizando de certo modo neste mundo” (LG, 48c). Desta certeza nasce um imperativo no qual o Concílio deixa claro: “a Igreja possui já na terra uma santidade verdadeira, embora imperfeita.” (LG, 48c).
A nova comunidade que nasce da experiência pascal é escatológica não somente pelo fato de pregar uma segunda vinda do Senhor, mas porque anuncia e testemunha a vida nova em Cristo. A comunidade escatológica não tem medo de apostar sua vida neste evento. Da assembléia amedrontada e triste após a morte de Jesus, surge um povo que testemunha com valentia e determinação a fé cristã. A força do ressuscitado abre a tensão escatológica da salvação: “la experiencia de esta nueva comunidad es para los discípulos ocasión de alegría y agradecimiento; en ninguna parte narran las fuentes desilusión alguna, como se esta comunidad fuera solución de apuro ante el aplazamiento de la parusía”[2].
Desta experiência de fé podemos identificar três marcas fundamentais da comunidade escatológica de salvação: o testemunho, o anúncio do Reino e a profecia. Neste sentido, a nova comunidade de salvação é presentificada pelo testemunho dos fiéis, pela pregação da palavra e a partilha do pão (At 2, 42-47). A vida concreta da comunidade é o sinal escatológico de que o tempo da restauração já se abriu e a vitória foi decreta. Agora se percebe que as promessas do Antigo Testamento, que falava do fim dos tempos e da restauração de todas as coisas já aparecem no estilo de vida da comunidade (cf. Ed 9,9; Jo 8,6; Sl 14, 7; Sl 80, 3; Is 49, 8-10; Jr 30, 16-19 Am 9,11)[3]. A nova modo de vida, marcado pelo amor, a solidariedade e fraternidade tomam seu início na nova comunidade. Toda vez que o fiel vive testemunhando em sua vida as marcas da comunidade cristã, a nova Jerusalém já desponta como aurora resplandecente de beleza, (cf. Is 61, 10).
Um caráter relevante da comunidade escatológica é o fato dela viver sinais e experiências do Reino, mas ao mesmo tempo peregrinar rumo ao Reino. Por meio destes sinais vividos ela anuncia o Reino como uma possibilidade real. O Concílio neste sentido apresenta a Igreja como sacramento de salvação, que aponta para o Reino de Deus presente em mistério (cf. LG, 3; GS, 39). Na medida em que ela recebeu a missão do Senhor de anunciar o Reino e estabelecê-lo entre os homens, a Igreja representa “ o germe e início deste Reino na terra” ( cf. LG, 5)[4]. Por isso ela é escatológica, pois anuncia o Reino, com a certeza de que sua pregação não é vã e ilusória.
A Basiléia é o senhorio de Deus sobre a vida humana e sobre o mundo. A plena restauração será num sentido exato a vitória, e, conseqüentemente, o senhorio de Deus sobra todas as realidades (1Cor 1,13; Ef 5,5; 2Tm 4, 1-8; Hb 1,8; 2Pd 1,11). Em Paulo o Reino é a força que destrói a morte e muda a nossa sorte. Aos Coríntios Paulo afirma: o Reino de Deus é justiça e paz e gozo no Espírito Santo (Rm 14, 17).
É importante deixar claro que a congregatio fiedelium não anula o Reino esperado, nem o esgota em seu mistério: la congregación escatológica de los creyentes y el reino de Dios no se enfrentan hostilmente, pero tampoco se yuxtaponen sin mutua referencia, sino que la Iglesia está ordenada al reino de Dios, referido a él[5]. Segundo Hans Küng a comunidade escatológica de salvação vive da pregação do Reino. Podemos dizer, então, que a Igreja como comunidade escatológica antecipa realmente a experiência da solidariedade e fraternidade, sinais indeléveis da vida ressuscitada.
Esta comunidade escatológica é manifesta pelos dons e carismas presentes no seu meio pela força do Espírito Santo. Também faz parte dos sinais que caracterizam a comunidade: a profecia. A vida nova inaugurada pela ressurreição de Jesus, presente nos sacramentos e nas ações litúrgicas da Igreja, sobretudo na Ceia do Senhor, exige dela a profecia como prova de fidelidade a Deus. Uma comunidade sem profecia não pode levar o nome de comunidade escatológica de salvação.
A profecia se caracteriza pela postura firme e irrevogável da justiça diante da desigualdade, da paz diante da guerra, da solidariedade frente a ameaça, da fraternidade diante da insensibilidade frente a dor dos outros. Na verdade, o reino antecipado somente pode ser concretizado nos sinais de paz, amor e justiça. A congregatio fidelium na sua ação eclesial em gestos sacramentais, precisa testemunhar com ousadia a vida da graça. A profecia é comprometimento com a causa da vida, sobretudo da vida ameaçada, porque a promessa é vida para todos: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância! (Jo 10,10).
Daquilo que afirmamos até aqui uma coisa parecer ser evidente: a tarefa da comunidade escatológica de salvação é ser sinal de esperança para todos que confiam em Jesus. O papel da Igreja é, por assim dizer, levar a humanidade a reconhecer na ressurreição de Jesus o Reino escatológico irrevogavelmente inaugurado. Esta é a primeira e principal tarefa da Igreja no mundo. Depois desta missão o restante é fundamental à medida que revela a presença do ressuscitado e do seu Reino eterno.

[1] Cf. KLOPPENBURG, Frei Boaventura, OFM, A Natureza e Missão da Igreja, In REB, Vol XXIX, Fasc. 4, Vozes, Petrópolis, 1969, pp. 801-802
[2] KÜNG, H., La Eglesia, Herder, Barcelona, 1968, p. 101
[3] Cf. SCHOONENBERG, P. Creio na Vida Eterna, in CONCILIUM: Revista Internacional de Teologia, n° 1 Dogma, jan./1969, pp. 86-94
[4] Cf. MEDARD, K., A Igreja: Uma Eclesiologia Católica, Loyola, São Paulo, 1997, p.86
[5] Cf. KÜNG, H., La Eglesia, Herder, op. Cit 108-110

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C) Um homem vem a Jesus pedindo que diga ao irmão que reparta consigo a herança. Depois ...