sábado, 30 de dezembro de 2017

Homilia do Pe. Fantico Borges, CM – Missa da solenidade da Sagrada Família de Nazaré.

Homilia do Pe. Fantico Borges, CM – Solenidade da Sagrada Família de Nazaré.

“Sagrada Família de Nazaré minha casa vossa é!”

O Natal, sob muitos aspectos, é uma festa doméstica. Ela reúne a família, os irmãos distantes e, sobretudo, encanta as crianças com seus pais ao perceberem como estes valorizam, nesta ocasião, a variedade de símbolos. O clima de amor e confraternização perpassa a Solenidade do Nascimento do Senhor. Liturgicamente, a Igreja se detém no fato do Filho de Deus ter tido necessidade também de uma família que o acolhesse. Como homem, frágil e pequeno, precisou ser amado por um coração de mãe. Ele experimentou a dependência na submissão a seus pais. Ele vivenciou a contingência de crescer e aprender no interior de um lar e de uma cultura determinada. Eis o símbolo de Nazaré onde Jesus viveu e cresceu (Lc 2,39-40). O mistério inaudito da Encarnação se entrelaça, desta maneira, com a realidade da família, escola de amor e de fé, de inculturação e de sociabilidade.
Maria, a Virgem Mãe, acolhe na fé o mistério, fruto do seu ventre. São José também acolhe na Fé o mistério, adotando o Menino e recebendo a Mãe. Deste modo, assume a paternidade legal de Jesus, cumprindo com fidelidade sua altíssima e insubstituível missão: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados (Mt 1,20-21). A esta missão cumprirá José com todo amor e empenho. No seio de uma família Jesus encontra a segurança necessária para crescer e se desenvolver até atingir a consciência humana de sua missão divina.
A oportunidade da festa da Sagrada Família, como decorrência do mistério do Natal que celebramos, nos proporciona apresentá-la como protótipo, exemplo e modelo para todas as famílias cristãs (cf. Familiaris Consortio, Conclusão; Redemptoris Custos, III, 21). Embora se constitui também um mistério especial pela natureza do amor e do matrimônio que uniam José e Maria; a presença inestimável do Filho de Deus, e a natureza das relações materno-paternais de Maria e de José para com Ele, esta Família é modelo nas virtudes teologais, a serem cultivadas por todas as famílias cristãs. O sentido de Deus, do sagrado e do mistério, norteava e unia a Família de Nazaré. Por isso, mesmo tendo vivido uma situação especial e única de um lar construído na castidade perfeita, a serviço da Encarnação, ela é a expressão mais nítida da vivência das virtudes familiares e teologais. Serve, então, de estímulo e de intercessão para todas as famílias que queiram vivenciar os valores evangélicos. A propósito, nos lembrava o Papa São João Paulo II: “Por misterioso desígnio de Deus, nela viveu o Filho de Deus escondido por muitos anos: é, pois, protótipo e exemplo de todas as famílias cristãs. E aquela Família, única no mundo, que passou uma existência anónima e silenciosa numa pequena localidade da Palestina; que foi provada pela pobreza, pela perseguição, pelo exílio; que glorificou a Deus de modo incomparavelmente alto e puro, não deixará de ajudar as famílias cristãs, ou melhor, todas as famílias do mundo, na fidelidade aos deveres quotidianos, no suportar as ânsias e as tribulações da vida, na generosa abertura às necessidades dos outros, no feliz cumprimento do plano de Deus a seu respeito” ( Conclusão da Familiaris Consortio).
Hoje, na medida em que avança a secularização do pensamento e do comportamento, mesmo a família cristã se priva, muitas vezes, da sua dimensão sagrada. Mal se dá conta que o amor de Deus em Cristo a uniu, mediante o Sacramento do Matrimônio, para ser sinal visível e terno de sua presença em todas as expressões da vida conjugal e familiar. Quanto mais difícil se torna a proposta cristã para família contemporânea, mais imperioso se faz anunciá-la como boa e alegre  notícia de salvação.
Há um evangelho para a família, aquele que supõe uma espiritualidade conjugal e familiar e uma ética própria, baseada na abertura da família aos apelos de Deus, do meio social e cultural e das necessidades de seus membros. O critério supremo da vida conjugal e familiar é o amor ou a caridade como veículo da perfeição (Cl 3,16). Neste sentido, a família cristã se instaura no mundo e na Igreja como escola de amor a Deus e ao próximo, casa das primeiras experiências de fé, lugar do acolhimento dos valores ético-cristãos, mediante o respeito aos mandamentos do Senhor, a oração e o diálogo entre as diferenças.
No livro do Eclesiástico apresentam-se os valores de uma família judaica, do cuidado com os pais e do respeito dos filhos. A família em Israel era tida como celular mantenedora dos valores tradicionais da sabedoria popular do Povo de Deus. Preservar a família era o mesmo que conservar e perpetuar a cultura do povo judeu. Por isso, para um judeu o valor da família é um bem inalienável. Honrar pai e mãe era encarado como preceitos de tradição divina. A lei mosaica era muito rígida neste aspecto. Daí as leituras de hoje fazerem tantas referências aos costumes familiares comuns a todo Israel. Infringir essas normas familiares era o mesmo que desobedecer ao ordenamento divino das relações humanas. 
Nestas mesmas linhas expostas acima são lidos também alguns preceitos gerais da vida cristã e alguns preceitos particulares da vida familiar cristã (Cl 3,12-21). Paulo propõe um itinerário de santidade para os eleitos de Deus, expresso pelas virtudes humanas no relacionamento mútuo: sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, longanimidade (v.12); suportação e perdão recíproco, à semelhança do Senhor que perdoa (v.13); a caridade, como vínculo da perfeição (v.14); o cultivo interior da paz de Cristo para formar um só corpo e o agradecimento (v.15). Acrescenta elementos práticos, típicos das reuniões litúrgicas, que podem ser adaptados à família reunida em oração: a presença habitual da Palavra de Cristo, a motivar o ensinamento e a admoestação mútuo, com toda a sabedoria, e a ação de graça a Deus, através de salmos, hinos e cânticos espirituais (v.16). Além disto, apresenta uma norma para qualquer palavra ou ação: tudo fazer em nome do Senhor Jesus, dando por Ele graças a Deus, o Pai (v.17).
Em tudo que envolve essa festa da Sagrada Família, especialmente hoje, última celebração de 2017, é a possibilidade de sonhar com sociedade melhor que se constrói a partir do respeito pelas pessoas, da gratidão para com aqueles que nos ajudaram a viver e a crescer como pessoas, como cidadãos, por fim, da descobrir do amor de Deus que se esconde em coisas simples do dia a dia.
Quero concluir minha meditação com essas palavras de São João Paulo II: “Que São José, ‘homem justo’, trabalhador incansável, guarda integérrimo dos penhores que lhe foram confiados, as guarde, proteja e ilumine. Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, seja também a Mãe da ‘Igreja doméstica’ e, graças ao seu auxílio materno, cada família cristã possa tornar-se verdadeiramente uma ‘pequena Igreja’, na qual se manifeste e reviva o mistério da Igreja de Cristo. Seja Ela, a Escrava do Senhor, o exemplo de acolhimento humilde e generoso da vontade de Deus; seja Ela, Mãe das Dores aos pés da Cruz, a confortar e a enxugar as lágrimas dos que sofrem pelas dificuldades das suas famílias. E Cristo Senhor, Rei do Universo, Rei das famílias, como em Caná, esteja presente em cada lar cristão a conceder-lhe luz, felicidade, serenidade, fortaleza”.
Nas mãos de Jesus, Maria e José confio cada família deste imenso Brasil. Que sejam Eles a enriquecer cada lar com sua graça.  A todos e a cada um, assegurando a minha constante prece, concedo de coração uma bênção sacerdotal para um ano novo cheio de amor e fidelidade em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.


Pe. Fantico Borges, CM


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