Homilia do
Pe. Fantico Borges, CM – XXVIII do tempo comum ano A
Muitos os
convidados poucos os escolhidos!
A
Palavra de Deus desde domingo chama-nos atenção para o banquete, no qual o
Senhor nos quer introduzir. Ele mesmo prepara a mesa para os convidados,
convocando-os a virem ao seu encontro e deleitarem-se da festa das núpcias
eternas. O evangelho diz que o Senhor enviou os servos para convidar os que
quisessem vir e lhes faz anunciar: “Meu banquete está servido!” Mas os que
foram convidados se desculparam. Diz São Macário, o Grande: “o que convidava
estava preparado, mas os chamados não fizeram caso; são responsáveis pelo seu
destino” (São Macário, homilias espirituais 15, 30-31).
A
grandeza do cristão consiste neste convite: Deus convoca a refeição que ele
mesmo é o artífice. Do cristão se exige a responsabilidade em aderir a convocação,
pois Deus lhe prepara o Reino e chama-o a entrar. Afirma São Macário, que “esta
é, portanto, a grande dignidade dos cristãos. O Senhor lhes prepara o reino e lhes
convida para nele entrar, mas eles se recusam a ir. Se observarmos o dom que
haviam de receber, pode-se dizer que alguém... suportava tribulações desde a
criação de Adão até o fim do mundo, pode-se dizer que nada tinha feito
comparado com a glória que terá em herança, porque deve reinar com Cristo pelos
séculos sem fim” (São Macário, homilias espirituais 15, 30-31).
Ora,
quem são estes convocados? São os que receberam a fé; mergulhados nas águas
santas batismais; instruídos no conhecimento da Palavra e na Tradição Apostólica.
E são convocados a quê? A ceia eucarístico! Nesta refeição da graça, como em
antegozo já são introduzidos no mistério da nupcialidade de Jesus. Por isso, a missa – e quero dizer toda
missa – é o céu na terra. Ao banquete da missa, dizia São Justino, o Mártir,
“chama-se Eucaristia, da qual ninguém pode participar, a não ser que creia
serem verdadeiros nossos ensinamentos e se lavou no banho que traz a remissão
dos pecados e a regeneração e viva conforme o que Cristo nos ensinou” (Justino,
Mártir, I Apologia, 66).
Escutamos no Evangelho: “Dizei aos convidados que
já está preparado o meu banquete (…). Vinde às bodas!” (Mt 22,4). Jesus
deixou-nos esse prodígio de amor, que é a eucaristia, para que participemos de
suas alegrias eternas. Ele instituiu o sacramento do seu corpo e do seu sangue
no contexto de uma ceia e se deu em alimento para que nós, fortalecidos,
pudéssemos chegar à glória celestial. Mas a eucaristia não é somente um banquete,
trata-se de uma ceia sacrificial. O Catecismo da Igreja Católica faz essa
conexão – eucaristia-ceia – já que o Novo Testamento também o faz: “Jesus
expressou de modo supremo a oferta livre de si mesmo na refeição que tomou com
os Doze Apóstolos na “noite em que foi entregue” (1 Cor 11,23). Na véspera de
sua Paixão, quando ainda estava em liberdade, Jesus fez desta Última Ceia, com
seus apóstolos, o memorial de sua oferta voluntária ao Pai, pela salvação dos
homens: “Isto é o meu corpo que é dado por vós” (Lc 22,19). “Isto é o meu
sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para remissão dos
pecados” (Mt 26,28)” (Cat. 610).
Fomos convidados para participar das núpcias do
Cordeiro, aquele que tira o pecado do mundo. Jesus é o noivo desta núpcia. Como
os convidados, por primeiro, fizeram pouco caso do convite, o noivo vai à busca
de outros que queira ir à sua festa. Diz a Escritura que o salão ficou cheio.
Mas lá no meio havia uma pessoa sem a devida veste. Sem explicar como entrara
ali foi expulsa do salão e jogada na escuridão. Ora, que roupa é essa? Diz São
Gregório Magno: “O que significa, irmãos, a veste nupcial? Não podemos dizer
que signifique o batismo nem a fé, porque quem pode entrar sem eles nestas
bodas?... Portanto, o que devemos entender por veste nupcial, senão a caridade?
Entra, pois, nas bodas, mas não leva a veste nupcial, aquele que pertencendo à
Igreja Católica tem fé, mas lhe falta a caridade”. (São Gregório Magno, Sermões
sobre os Evangelhos, 38).
Com propriedade chama-se caridade a veste nupcial
que trajamos neste banquete. A simplicidade popular canta que só tem lugar nesta
mesa eucarística quem comunga na vida do irmão. Novamente ensina São Gregório
que “se alguém é convidado para uma boda, procura trocar de veste, e manifesta
que se alegra com o esposo e a esposa pela dignidade de seu traje, e se
envergonharia de aparecer entre os convidados com uma veste insignificante. Nós
assistimos as bodas divinas, e, contudo, resistimos a trocar a veste do coração”
(São Gregório Magno, Sermões sobre os Evangelhos, 38).
A caridade é a grande dama que embeleza nossa
imagem diante dos anjos. Pela caridade nosso coração volta-se a Deus com as
vestimentas da dignidade desejada pelo Senhor. Dizia São Vicente de Paulo que a caridade é a virtude que
“consiste em arrancar de nossos corações, não só de nossa fantasia e de nosso
espírito, mas também de nosso coração, as afeições à impureza” (Pierre Coste,
XI, 681) Pois, sem a caridade, mesmo tendo sido introduzido no batismo e na fé
dos Apóstolos, caímos na falta das insígnias merecidas do noivo.
Quem
recebendo um convite não se prepara, adquirindo a melhor veste, enfeitando-se com
os melhores adornos, despreza quem o convidou. Quando na vivência da fé, na
participação da vida cristã, não nos esforçamos por uma vida mais santa, justa,
honesta, sem vícios, fugindo de todo pecado, lutando contra o mal, a impressão
que deixamos ao que nos veem é o descaso, o desrespeito com quem nos convida,
isto é, com Deus. Quem diz amar a Deus; ter fé, mas continua obstinado no mal
faz pouco caso de sua salvação. É por isso que o Evangelho termina dizendo que “muitos
são os convidados e pouco escolhidos”(Mt 22,14). Terrível é, caríssimos irmãos,
o que acabamos de ouvir. Considerai que todos nós, chamados pela fé, assistimos
as bodas celestiais; todos cremos e confessamos o mistério de sua encarnação; todos
participamos do banquete do verbo divino, porém no dia futuro do juízo o rei
entrará e passando verá quem está no salão e observará se todos estão vestidos
com a roupa nupcial. Ai de quem não estiver trajado com a dignidade que convém!
“sabemos que fomos chamados, mas ignoramos se pertencemos ao grupo dos
escolhidos” (São Gregório Magno, sermões sobre os evangelhos, 38).
Adverte-nos
São João Crisóstomo: “não será absurdo, depois, (de ouvir) aquela misteriosa
voz vinda do céu – refiro-me à dos querubins – emporcalhar o ouvido com cantos
de bordel e quebradas melodias? E, como não será digno do pior castigo olhar as
prostitutas com os mesmos olhos com que olhas os inefáveis e tremendos
mistérios, e cometes adultérios de pensamentos?” (São João Crisóstomo,
Catequese Batismal 1,2). Como não será digno de reprovação aqueles que receberam
a fé e por ela robustecidos, tornam-se partícipes do numero dos eleitos, mas por
práticas lamentáveis caminham como animais irracionais? Ou tendo sido
iluminados no caminho de Deus, preferem seguir as pegadas das trevas? O que esperar
uma alma que assim procede? Só a misericórdia de Deus pode dissolver esse
enigma preclaro do juízo final. Confiemo-nos
a bondade e compaixão de nosso Deus, mas sem fugir de nossas responsabilidades.
Pe.
Fantico Borges, CM
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