Homilia
do Pe. Fantico Borges, CM– XXIX Domingo do Tempo Comum – Ano A
Imago Dei homo sapiens, homo Sanctus.
Na liturgia deste domingo Deus nos chama
a resplandecer como Imago Dei, ou seja, Imagem como ele nos criou. Queres
buscar a imagem de Deus em ti? Olha para quem te criou, vê de onde foste gerado,
de que raiz nasceste? Não busque fora do artífice divino uma imagem que não és. Com essas indagações podemos entender o
sentido do Evangelho de hoje.
“Mestre, sabemos que és verdadeiro e
ensinas o caminho de Deus em toda a verdade, sem te preocupares com ninguém...
é licito pagar o tributo a César? (Mt 22,16-17). Os homens que falam são
aduladores! E Jesus não se deixa conquistar pela duplicidade da linguagem, nem
pela malícia daqueles homens. A resposta do Senhor não é maliciosa, nem ofensiva,
mas questionadora. Ele quer nos levar a uma adesão livre da vontade e da consciência.
O desejo de Jesus é maiêutico, ou seja, deseja suscitar em nos respostas fruto
da maturidade espiritual.
Diz Santo Agostinho que só Deus pode
fazer uma imagem de si mesmo. O artesão pode fazer uma imagem de deus, mas
nunca do Deus vivo e verdadeiro. “Não fez outro distinto de ti mesmo, mas que
te fez a ti a sua imagem. Adorando, pois, a imagem de homem que o artífice fez,
profana a imagem de Deus, que Deus imprimiu em ti mesmo” (Santo Agostinho, Sermoes 113A,7).
Num mundo de privilégios, poder e honra,
muitas vezes impera a falsidade e o cinismo. A atitude dos adversários de Jesus
ilustra muito bem essa situação. Os elogios iniciais escondiam uma falta de sinceridade
dos bajuladores, que, com linguagem frívola, iludem os corações fracos. É verdade
que, às vezes, em nós brota um discípulo de fariseu. Afirmava uma sábio homem “que
cada um de nós leva dentro um ‘pequeno fariseu’”. E tem razão! Frequentemente,
podemos procurar parecer o que não somos para agradar, para subir na vida, para
alcançar uma posição social. Usam-se disfarces, dissimulações para esconder o
rosto oculto da podridão. Desta maneira,
se pode passar a vida com um disfarce, ocultando assim o que há de mais belo em
nós, e ou não permitindo que as coisas sejam curadas porque não mostramos ao
médico divino as nossas reais feridas.
Deus sabe quem somos, nos conhece antes
de sermos. Diz o salmista que no seu livro já estão, os nossos dias, todos
anotados (Sl 139,16). Deus realmente não gosta da falta de sinceridade. “Os
discípulos de Cristo “revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus, na
justiça e santidade da verdade” (Ef 4,24). “Livres da mentira” (Ef 4,25), devem
“rejeitar toda maldade, todas as formas de hipocrisia, de inveja e maledicência”,
confiados em Deus, que os ama assim como são. (1 Pd 2,1)” (Cat. 2475)
Explica um autor que “os romanos, na sua
paixão pelo belo e pelo autêntico, admiravam as expressões artísticas mais
perfeitas e genuínas, e não admitiam defeitos nas obras de arte. Por isso,
quando um escultor falhava, procurava dissimular o defeito cobrindo a
irregularidade com cera. E quando a estátua saía perfeita das suas mãos,
dizia-se que estava completa, íntegra, autêntica, sine cera – “sem cera”. Daí
deriva a expressão sincera” (R. Llano Cifuentes, Vidas sinceras). Devemos ser
assim diante de Deus, “sem cera”, isto é, sinceros; é preciso que sejamos
sinceros, bem sinceros: com o nosso confessor, com o diretor espiritual, com
aquelas pessoas que tem como encargo saber aquilo que devem saber sobre nós
para nos ajudar.
Por tudo que foi dito acima, o Evangelho
de hoje torna-se tão rico para meditação de como vivemos e buscamos ser imagem
de Deus. Daqui procede, irmãos, que Deus busque a sua imagem em nós. Isso foi o
que recordou aqueles judeus que lhe apresentaram uma moeda. Quando lhe
disseram: Senhor, é lícito pagar tributo a César?, sua primeira intenção era
tentar-lhe; se dizia é licito, seria então acusado de defender a ocupação
romana e a escravidão tributaria exigida pelo rei. Caso respondesse negativamente
seria acusado de incitar uma revolta politica contra o Imperador Romano. Diz Santo
Agostinho, “que Jesus conheceu que lhe tentavam, conheceu por assim dizer, a verdade
para a falsidade e com poucas palavras deixou exposta a mentira procedente da
boca dos mentirosos. Não emitiu sentença contra eles por sua boca, mas deixou
que eles mesmos a emitissem contra si” (Santo Agostinho, Sermoes 113A,7).
O Senhor Jesus Cristo ao enfrentar os
inimigos demonstra como o cristão deve lutar contra o mal, pois o mundo busca
satisfazer a si; Deus busca encontrar a vida divina escondida no coração
desviado dos pecadores. O Senhor diz então aos Fariseus: “mostra-me a moeda do
imposto! Trouxeram-lhe então a moeda. E Jesus disse: de quem é a figura e a inscrição
desta moeda? Eles responderam: de César. Jesus então lhes disse: dai, pois a
César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22, 19-21) Ensina-nos Santo
Agostinho que “como César busca a sua imagem em sua moeda, assim Deus busca a
sua imagem em tua alma. Dai a César, disse, o que é de César. O que César te pede?
Sua imagem. O que Deus te pede? Sua Imagem. Porém, a do César está na moeda, a
de Deus está em ti. Se alguma vez perdes uma moeda, choras porque perdeste a
imagem de César; e não choras quando adoras um ídolo sabendo que fazes uma injúria
à imagem de Deus que reside em ti?” (Santo
Agostinho, Sermoes 113A,7-8).
Buscando os ídolos que se enfeitam de
deuses distorcermos a imagem que temos de Deus, empobrecemos nossa real
identidade, desconfiguramos nossa caráter fundamental, tornando-nos coisa e não
homo sapiens, objeto e não criação divina. Ensina Gregório de Nissa que “a
imagem não é verdadeira imagem senão na medida em que possui todos os atributos
de seu arquétipo; deste ponto de vista ela não é mais imagem” (Gregório de Nissa, A criação do Homem,XI,3 ).
O que é o homem se não é sinal do seu
criador? Afirma Orígenes que o pintor desta imagem é o Filho de Deus e que ele
imprimiu uma carta divina em nossa constituição que nem o pecado pode rasgar. “Sua
imagem pode se tornar feia pela negligência, mas mão apagada pela malícia. Pois
a imagem de Deus permanece sempre em ti, mesmo quando tu mesmo sobreponhas à
imagem do homem terreno. Esta imagem do homem terreno, que Deus não esboçou em
ti, tu mesmo te vais pintando através das variadas escalas de tipos de malícia,
como uma combinação de diversas cores” (Orígenes
Sermões sobre o Genesis 13,4 ). Somente quando tiveres apagado em ti todas estas
cores procedentes das fraudes da malícia, então resplandecerá em ti a imagem
criada por Deus. “tens, pois, a carta de Deus em ti, e a carta do Espírito
Santo. Mas se pecas, tu mesmo assinas o documento do pecado” (Orígenes Sermões sobre o Genesis 13,4).
Fujamos, pois do pecado e não corramos
para sentença de morte que a fraude conduz. Busquemos com atos divinos de amor
a Imagem de Deus em nós. Uma dica salutar para isso é a confissão. Gostaria de insistir num aspecto da
sinceridade que é capital. Trata-se daquela sinceridade total que devemos ter
no sacramento da confissão. Lá vamos para dizer as podridões, os pecados; para
mostrar as feridas, as chagas, as coisas feias. Nenhum padre espera que
cheguemos ao confessionário para dizer as nossas virtudes, as coisas boas que
fizemos ou como somos pessoas notáveis. Não! Para isso não é o sacramento da
confissão. Vamos confessar-nos para dizer os pecados, ser perdoados e ficar
reconciliados com Deus e com sua Igreja. Quem tem vergonha de confessar seus
pecados morre sem experimentar a alegria de sentir-se Imago Dei. Quem tem vergonha
do pedado no empobrece seu ser. Melhor ainda se começarmos a falar daquelas
coisas que nos parecem mais difíceis de dizer, as que nos causam maior
vergonha. Deus nos livre de esconder por vergonha algum pecado, neste caso a
nossa confissão seria inválida e nenhum pecado seria perdoado.
Pe. Fantico Borges, CM
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