Homilia do Pe. Fantico – XXIII domingo do tempo
comum ano A
Corrigir sim, mas com caridade!
A liturgia da Palavra deste domingo traz
o tema da correção fraterna, muito importantes à vida cristã. Corrigir é o eixo
no qual se sustenta a mensagem de Jesus sobre o Pai das misericórdias que
sempre busca ajudar o ser humano a alcançar a perfeição. Cristo veio corrigir o
que estava desordenado, recapitular o horizonte da esperança de Israel, que
havia perdido o rumo de Deus: corrigir as distorções da relação entre Deus e
ser humano e entre os irmãos uns com os outros.
No
cristianismo, a correção fraterna sempre foi o um bem admirado, ainda que,
frequentemente, pouco compreendido e, talvez, praticado com escassez. Jesus propõe,
com uma dinâmica judaica do seu tempo, o modo como corrigir partir do amor
divino. À pessoa que é corrigida, o Senhor lhe dirige essas palavras: “aquele que ama a correção ama a ciência, mas
o que a detesta é um insensato” (Prov 12,1). Quem ama a correção sempre encontra forma de
crescer e nunca ficará vazio.
Às vezes me pergunto: queremos que os outros nos ajudem? Desejamos que
os nossos irmãos nos corrijam? Temos essa sensatez de quem é consciente de que
sozinho não podemos chegar à meta da santidade e de que, portanto, necessitamos
da ajuda dos irmãos na fé? São Cirilo dizia que “a repreensão que melhora os
humildes costuma ser intolerável aos soberbos”. Todo processo de mudança nasce
do desejo de deixar-se corrigir pelos outros. Mas como fazer a correção ser
fraterna?
Em Mt 18,15-20, Jesus fala aos seus
discípulos sobre a liberdade espiritual necessária para restaurar a boa
convivência e a amizade entre as pessoas. Jesus alude que não se trata
simplesmente de um procedimento social ou de uma reconciliação da boca para
fora, mas de uma atitude mística, nascida da comunhão com Deus. Corrigir é amar
e deixar-se corrigir é fazer-se amor na esteia da santidade.
A partir do amor fraterno pode-se
vislumbrar a paz como fruto do cristianismo real. A paz e a união devem
prevalecer sempre; para tanto, a vigilância dos homens em relação a isso há de
ser constante, e não menos incessante o desejo da correção fraterna: reorientar
a partir do Agapé de Deus as relações
humanas, eis uma chave para superar os conflitos hodiernos.
O modo como Jesus apresenta a
correção fraterna aos discípulos – e podemos nos incluir entre eles – é
bastante simples. Exige apenas um pouco de sensibilidade e delicadeza. Para
alcançá-la, há três etapas possíveis. Na primeira, tentamos resolver a questão
pessoalmente. É especial essa forma porque corrigir sem respeito é violentar o irmão.
A correção sem caridade é agressão ao outro. Um segundo novel é contar com a
ajuda de mediadores, que servirão de testemunhas da reconciliação. Neste caso,
como na cultura judaica, apelava-se ao testemunho de outros para resolver a querela.
Se ainda assim fracassem recorre-se aos representantes da Igreja. Neste caso,
entra a função sacramental do sacerdote. Desta forma se recorre, antes, a todo
tipo de tentativa para não se perder o irmão.
Temos a obrigação de repreender
imediatamente nosso irmão para que, ao nos fazer o mal, ele não permaneça no
pecado. Escreve São Jerônimo: “Não só temos o poder de perdoá-lo, mas somos
obrigados a fazê-lo, pois nos foi ordenado perdoar os que nos ofenderam”.
Aquele que pensa ser mais fácil esquecer a ofensa e deixar o pecador entregue
ao seu próprio destino está bastante enganado. O que deve nos mover é o desejo
de realizar em nosso irmão uma mudança de conduta que transforme sua vida. Recomenda
Santo Agostinho: “Ainda que ele não seja considerado mais, pela Igreja, como um
dos teus irmãos, nem por isso deixes de te preocupar com a sua salvação”.
Como irmãos em Cristo, temos o dever de
corrigir-nos e rezarmos uns pelos outros. Esta
correção deverá ser feita sempre com amor, com discernimento, com caridade
fraterna. São Bento, na sua Regra, dá uma recomendação singular, ao prescrever:
“Socorrer na tribulação” (RB 4,18). Mas, a expressão latina usada por São Bento
é “In tribulationem subvenire”. A palavra “subvenire” pode ser traduzida por
“vir por baixo, vir de baixo”. Ou seja, socorrer sim, corrigir sim, mas com a
humildade de quem vem por baixo para sustentar, amparar e ajudar, para salvar.
Corrigir, sim, mas como Deus, que em Jesus, veio por baixo, na humildade de um
presépio e na humilhação da cruz.
Pe. Fantico Borges, CM
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