Comentários ao Direito Canônico – SANAÇÃO NA RAIZ: QUE É?
Em síntese: A
sanação na raiz é um dispositivo do Direito Canônico que permite ao Bispo
diocesano legitimar uniões ilegítimas.
Sanação na raiz (sanatio
in radice) é um dispositivo do Direito Canônico que permite ao Bispo
diocesano validar casamentos ou uniões inválidas. Eis como é formulado pelo
Código: "A sanação na raiz leva consigo, além da dispensa ou cessação do
impedimento, a dispensa da lei que impõe a renovação do consentimento e a
retroação, por uma ficção do Direito, do matrimônio, quanto a seus efeitos
canônicos, no tempo passado" (Cânon 1138, § 8).
Expliquemos esse cânon.
1. Casos a que se aplica a sanação
Começaremos propondo um caso
fictício:
Uma jovem católica quer
casar-se com um homem solteiro que não aceita a cerimônia religiosa do
matrimônio, por não ter fé. Ela tem relações conjugais com ele, mas sente-se
infeliz, porque fica privada dos sacramentos. Haverá solução para o caso?
Outro exemplo: os dois nubentes
se casaram na igreja, mas o sacerdote que abençoou o matrimônio não tinha
jurisdição para fazê-lo. Portanto o casamento foi nulo. Os cônjuges não sabem
disto e vivem tranquilamente a sua vida conjugal. Haverá solução para o caso?
2. Em que consiste a solução?
O Bispo diocesano, informado do
problema, pode declarar válida a união, mediante o preenchimento das seguintes
condições:
1) A nulidade da união não se deve a um impedimento de Direito
natural ou divino. Por exemplo, uma pessoa casada (que está ligada pelo vínculo
indissolúvel do matrimônio), não pode pleitear a validade de uma nova união;
não pode recorrer à sanação na raiz. Se essa pessoa enviuvar, a Igreja poderá
conceder a celebração de novo matrimônio.
2) Consentimento naturalmente válido, mas juridicamente ineficaz.
Admitamos o caso de dois nubentes que se casem de acordo com as
exigências do Direito Canônico, mas o sacerdote ou o ministro que presidiu ao
casamento, não tinha delegação para fazê-lo. A união é válida do ponto de vista
natural, mas é juridicamente nula. O Direito Canônico é exigente quanto às
formalidades do casamento; este tem por ministros os dois nubentes, mas
requer-se um delegado da Igreja devidamente habilitado para exercer essa
função; se não há tal delegado, o rito pode ser executado com toda a precisão,
mas é inválido no plano jurídico; não se realiza então o sacramento do
matrimônio. Sabedor do fato, o Bispo diocesano pode conceder a sanação na raiz.
Tal é também o caso de uma
católica e um protestante se casarem somente no foro civil, o que torna ilícita
a união conjugal perante a lei de Deus. O Bispo dará a sanação na raiz depois
de dispensar do impedimento de mista religião quando ele ocorre. Este
impedimento é estipulado pela lei da Igreja, não pelo Direito divino; por
conseguinte pode ser dispensado.
3) Permanência do
consentimento. Está claro que, para validar a união ilegítima, é preciso que os
esposos queiram continuar a viver maritalmente. Para elucidar este ponto,
voltemos ao caso de uma jovem católica que se uniu a um homem sem fé, e alheio
a ir à Igreja. Para obter a certeza do consentimento (sem dizer o porquê desse
desejo), essa pessoa convidará amigas, ao menos duas) para um chá com a
participação do seu consorte. Durante a conversa, a mulher perguntará ao
parceiro: "Se você fosse casar-se de novo hoje, casar-se-ia comigo? - Está
claro responde ele". Assim fica comprovada diante de testemunhas a
persistência do consentimento conjugal e o Bispo pode reconhecer a validade de
tal casamento, mesmo sem que o marido tenha sido constrangido ou mesmo sem que
o saiba. Diz o cânon 1140 § 1:
"Se nas duas partes ou
numa delas faltar o consentimento, o matrimônio não poderá ser sanado na raiz,
tanto se o consentimento tiver faltado desde o começo como no caso de ter sido
recusado posteriormente".
Essa persistência do
consentimento é geralmente presumida, se as duas partes interessadas vivem sob
o mesmo teto. Reza o Código de Direito Canônico:
"Mesmo que o matrimônio
tenha sido contraído invalidamente por causa de um impedimento, presume-se que
o consentimento dado persevera enquanto não constar da sua revogação".
4) Autoridade
competente. Embora a sanação na raiz tenha sido considerada função exclusiva
da Santa Sé, os Bispos da América Latina conseguiram faculdades especiais para
concedê-la. Portanto o Bispo da diocese respectiva pode assumir esse encargo,
com exceção de três casos:
a) Quando se requer a dispensa de um impedimento reservado à Santa
Sé. Pode ser o caso de um presbítero que haja abandonado o seu ministério para
viver com uma mulher conjugalmente: a sanação na raiz só pode ser efetuada pela
Santa Sé, pois a dispensa das obrigações sacerdotais é reservada à Santa Sé.
b) Quando se trata de um impedimento de ordem natural ou divina,
impedimento já explanado neste artigo.
c) Quando se trata de matrimônios mistos e não tiverem sido
observadas as condições estabelecidas para a dispensa do impedimento
correspondente.
É de notar que, para se casar
com pessoa de outra crença religiosa, a parte católica deve prometer fazer tudo
para guardar a sua fé e para educar os filhos na religião católica. A parte não
católica deverá ser informada desse compromisso assumido pelo(a) consorte.
5) Causa justa. É óbvio que a sanação na raiz é algo de muito importante, que não
pode ser tratado levianamente.
6) Petição da parte interessada. A
sanação na raiz pode ser concedida sem que os dois cônjuges o saibam.
"A dispensa da lei da
renovação do consentimento pode ser concedida tanto quando uma parte permanece
ignorante dela, como se permanecem as duas" (cânon 1138 § 3). A
intervenção de terceiros se justifica quando os dois cônjuges ignoram a
nulidade e estão sujeitos a dar escândalo ou a sofrer perturbação na vida
matrimonial. Como exemplo dessa situação, imaginemos o caso de dois cônjuges
que se casam sem ter a dispensa do impedimento de mista religião, por um motivo
qualquer (negligência, esquecimento). Em tal situação o pároco da parte
católica pode assumir a tarefa de pedir sanação na raiz. Mais: o Bispo
diocesano pode agir por iniciativa própria, sem petição de ninguém, se o julgar
oportuno para o bem de seus fiéis. É claro, porém, que o Bispo e o pároco não
podem intervir se os cônjuges não o querem.
3. Conclusão
São estas algumas considerações
pouco conhecidas pela maioria dos católicos, mas aptas a resolver problemas não
raros da vida conjugal. O Bispo sana ou cura o problema pela raiz, tornando
válido um casamento contraído invalidamente.
Supõe-se que o faça sem ferir
algum dispositivo do Direito ou da Moral.
Este artigo muito deve à obra
"O que Deus uniu", do Pe. Jesus Hortal.
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