sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O ser humano: uma criatura essencialmente simbólica.



A escatologia ao chamar a Igreja de instrumento, sinal e sacramento da salvação em Cristo, afirma nas entrelinhas que ela é também um mistério no qual se desvela como num véu a graça de Cristo. Essa linguagem é extremamente permeada de sentido sacramental. Por isso ao utiliza-se da linguagem simbólica os padres conciliares trazem ao discurso escatológico uma consistência sacramental no qual se une símbolo e realidade. O divórcio entre símbolo e realidade, ou entre conteúdo externo e unidade com o real afetam o centro do discurso escatológico. Uma sociedade onde símbolo e realidade estão divorciados torna-se um terreno árduo para efetivar um profícuo discurso escatológico. Isso se processa porque tal divórcio relega a linguagem simbólica a uma existência marginal no conjunto das realidades, impossibilitando a autêntica referência entre sacramento e realidade simbolizada.
O problema levantado se agrava quando tomamos consciência da realidade profundamente simbólica que tem a Igreja como comunidade escatológica de salvação. A Igreja é sinal escatológico do Reino[1], e como tal sua meta é o Reino e não ela mesma. Segundo a afirmação conciliar esse reino já foi iniciado em Cristo, nele abriu-se a nova fase da história humana: “A era final do mundo: a prometida restauração, que esperamos, começou já em Cristo, foi impulsionada com a vinda do Espírito Santo, e continua no meio da Igreja...”[2] Em Cristo, em sua palavra, em seus gestos, começou a concretizar-se o Reino de Deus (cf. LG, 5). Nele inaugurou-se na terra o Reino dos céus (cf. LG, 3; DV, 17). Por Cristo no Espírito o Reino já está presente em mistério(LG, 3): his in terris regnum iam in misterio (GS, 39c). Igreja é sinal escatológico do Reino já inaugurado e ainda não acabado; nisso se estrutura a imagem de “germen et initium” do Reino.[3] A Igreja, na condição deste movimento dialético de estar na meta e rumo a meta, já antecipa na história a vitória que foi decretada por Deus, mas que ainda não foi consumada em toda humanidade. K. Rahner fala do movimento dialético de busca do Reino e posso iniciada como um sinal escatológico, pois a comunidade escatológica representa o futuro já presente.[4]
É muito importante vislumbrar a íntima relação entre linguagem sacramental e missão da Igreja. Os padres ao levantar a tese da Igreja como sinal e instrumento do Reino, une numa só realidade o mistério e a efetivação em processo. “A Igreja antecipa como real-simbolicamente esse Reino, em todo seu conteúdo de sentido, como vontade de Deus – vinda em Jesus Cristo ao mundo – de paz, justiça e vida; ao seguir Jesus, ela já pode ser, na história, a antecipação do Reino de Deus que transcende e consuma toda a história.”[5]
É a partir dessa imagem eclesiologica sinal e sacramento do Reino que a linguagem sacramental tem importância na nossa pesquisa. A linguagem sacramental se expressa na vida concreto como ação simbólica que produz uma intercomunicação dos diversos personagens integrantes da trama da vida: Deus, a comunidade de fé ou a comunidade eclesial de fé, a pessoa do fiel e a graça. Essa linguagem é sempre mediada, pelo símbolo que manifesta elementos da realidade em si, mas que, ao mesmo tempo, não a esgota, apontando à plenitude do real. Neste sentido, o símbolo é um modo de presentificar a realidade ausente.
Na linguagem simbólica dos sacramentos se esconde uma função essencial que consiste em antecipar e experimentar sacramentalmente aquilo que se espera na fé. É neste sentido que podemos e devemos vislumbrar na sacramentologia a própria tensão escatológica da Igreja. É por isso que o no 48 da Lumen Gentium fala dos sacramentos como um revestimento visível, imersos na fragilidade deste mundo que passa, mas dotados da graça de Deus que transcende o tempo.[6]
A realidade simbólica é, por assim dizer, uma maneira que o homem possui para expressar-se no mundo. Por isso é imprescindível recuperar o valor e o papel do símbolo no contexto hodierno como condição para colocar a relevância do discurso escatológico na sociedade atual. A escatologia, e por conseguinte, a Igreja como sinal e instrumento do Reino, somente atingirá o homem atual quando se reconstruir a eficácia da linguagem simbólica na vida do ser humano. Só rompendo o divórcio entre conteúdo e linguagem simbólica é que falaremos com autoridade das coisas últimas; somente quando o homem entrevê o enrraizamento das coisas primeiras (protologia) com as coisas últimas (escatologia), a vida retomará o valor que sempre lhe foi dada por Deus.
O homem sentir-se-á envolvido escatologicamente no caminho para Deus, à medida, que a Igreja sacramento antecipatório do Reino for para ele uma realidade familiar. E para o sacramento penetrar o homem ele necessita encontrar-se como ser simbólico, um ser de abertura. Fica claro que o pensamento simbólico é algo consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e a própria razão discursiva. Não se trata de uma criação irresponsável da psique, mas algo que envolve todo o ser humano nas suas tarefas de ser aberto à comunicação.[7]
Negar ao homem uma dimensão simbólica é deslocá-lo para uma realidade fechada; forçando-o a uma vida onde sua corporeidade é objetivada, dissecada, reduzida e coisificada. Quando isso acontece a realidade sacramental se separa da vida, chegando a uma total indiferença. A Igreja é aqui minimizada e reduzida a uma associação de pessoas que se encontra por ritualismo, porém que não se comprometem com a difusão do Reino. A ecclesia deixa de ser instrumento do Reino para se converter em realidade desejada. A utopia do Reino transforma-se em topias diária e nada mais.[8] Mas isto contradiz a existência humana que é ser aberto à salvação de Deus e, portanto, a comunicação da graça salvífica. É neste sentido que os sacramentos são acontecimento da graça divina que perdoam; que santificam e que divinizam, mas não são em sentido alheio ao homem. É por isso que afirma Rahner que a graça não se realiza como fenômeno particular, ao lado do resto da vida do homem, mas é a radicalidade de tudo aquilo que a criatura espiritual vive e sofre.[9]
Assim podemos afirma que a linguagem sacramental é importante ao discurso escatológico, uma vez que, a Igreja como sinal do Reino é um sacramento de salvação apontando em meio às figuras deste mundo a realidade que não passa (cf. LG 48c; Rm 8, 19-22). A sacramentalidade é linguagem que imprime em signos inteligíveis a graça que não se vê. Pois através dela explicita-se o que estava implícito, desvela-se o que estava escondido como que num véu, e realiza-se a unidade entre o que é manifestado e aquilo pelo qual o manifestado se presentifica.[10]
É neste sentido que podemos entender a Igreja como sinal escatológico do Reino. O reino de Deus é a meta última, a consumação de tudo, quando todas as coisas serão renovadas plenamente em Cristo. Esse é o horizonte radical e mais profundo da sacramentalidade da Igreja. O destino de tudo encontra sua consolação no mistério segunda vinda do Senhor. Quando com todo gênero humano, também o mundo todo, que se encontra intimamente ligado ao homem e por ele chega ao seu fim, será perfeitamente renovado em Cristo (LG, 48a) então a Igreja como sinal do Reino não será mais necessária. Mas até que isso aconteça a ela caminha como sacramento visível da realidade invisível da graça de Cristo.[11]

IV. Reconstruído o itinerário do simbolismo Sacramental.
Assistimos hoje nos nossos dias um verdadeiro esvaziamento do caráter simbólico-escatológico da vida, da sacramentalidade do mundo e da transcendência do ser humano a uma esfera espiritual. O imperialismo da técnica e os raciocínios instrumentais, próprios da ciência moderna, como também a secularização traz muita dificuldade à linguagem simbólica. A realidade do homem atual empalideceu no mundo o viés simbólico. Tal constatação tem subjugado o discurso escatológico a uma situação de fragilidade, que emergem da perda do próprio sentido da vida e do papel simbólico do mundo como caminho para Deus. D. Sartore salienta, que a atual situação exige dos cristãos coragem e esforço para não perder a dimensão fundamental de nossa história que é a salvação revelada em Cristo.[12]
A crise da linguagem simbólica afeta diretamente o cristianismo, pois o seu núcleo está expresso numa linguagem simbólica: a esperança nos bens futuros anunciados na revelação do homem-Deus, Jesus Cristo. O centro é a encarnação de Jesus Cristo; o mistério de Deus revelado na história, sacramento primordial e supremo da fé cristã. Cristo como sacramento do encontro com Deus[13] não será bem entendido sem uma larga compreensão do simbolismo da criação na trajetória da autocomunicação de Deus. Porque “o encontro humano realiza-se, pois pela e na presença visível do corpo, sinal que, ao mesmo tempo, cobre e desvenda a interioridade humana.”[14]
O simbolismo é o caminho que o ser humano percorre para transcender a esfera do incondicionado, do infinito, do ilimitado de Deus. Por isso no simbolismo encontram-se os elementos fundamentais à linguagem sacramental, e conseqüentemente ao maior entendimento da Igreja como índole escatológica para o Reino. Daí que “um cristianismo sem vitalidade simbólica será talvez um cristianismo com alguma força institucional, mas sem capacidade de inquietação e sugestão. Será filho do ritual, mas sem oxigênio renovador nem impulsionador. Terá consistência da organização, da boa administração, da burocracia e até sofisticada conceituação teológica, mas carecerá do dinamismo e da alegria que apontam para o mistério e vivem dele.”[15] Urge recuperar a dimensão simbólica, evocadora e sugestiva do Mistério, pois do contrário o cristianismo e suas liturgias serão apenas ritualismo esvaziado, moralismo formal extrínseco.
Recuperar o papel do simbolismo é responder a uma necessidade de re-humanizar o nosso mundo, encontrando novamente o sentido perdido da vida. Trata-se de recuperar o primado da pessoa, com todas as suas dimensões, sobretudo a espiritual. Pois, com efeito, a crise do simbolismo é também crise do cristianismo, e a crise do cristianismo deságua na fragmentação do discurso escatológico. Falar de índole escatológica; de vocação última do cristão; de unidade e comunhão entre a Igreja peregrina e a Igreja celeste sem uma consciência simbólico-sacramental profunda pode levar o debate ao fundamentalismo e ao isolamento sem chegar a lugar nenhum. Sem o sentido sacramental a experiência religioso-cristã carece de elementos de comunicabilidade, pois é pelo sinal sacramental que o inefável, o tremendum se revela ao humano. Como o ser humano é um ser simbólico por essência, o cristianismo que é sinal da presença de Cristo necessita do simbolismo para comunicar-se com toda realidade humana que é sacramental. A ausência do sentido profundo do símbolo põe em dificuldade a transcendência da comunicação religiosa. Porque no cristianismo os símbolos são formas salutares de inserção do mistério na história.[16]



Recuperando o conceito de Símbolo.

O termo símbolo provém da palavra grega symbolon, derivada do verbo symballein ou symbállo, que significa lançar com, colocar junto, unir.[17] Na terminologia clássica trata-se de um objeto composto de uma parte na qual uma fundia-se a outra formando uma unidade. Na significação do conceito, uma parte isolada perde seu valor. Desta forma o valor do símbolo está na relação de unidade entre as metades. No símbolo, neste sentido, unem-se duas partes separadas, mas não antagônicas, formando uma realidade complexa.[18]
O símbolo, todavia, não consiste apenas nesta definição elencada. Ele comporta mais que juntar coisas dispersas. Na verdade, a principal função do símbolo é estabelecer unidade. Através dos símbolos gera-se um canal de comunicação entre aquilo que estava separado. Assim o símbolo propicia e comporta meios de comunicação e unidade entre realidades.[19]
Mas para que esse símbolo exerça sua função e seu papel na linguagem humana; ou seja, para que possa comunicar e estabelecer unidade ele necessita ser compreendido e auscultado pelo ser humano. O processo de simbolização é inexoravelmente uma necessidade humana. Pois, o pensamento simbólico é algo consubstancial ao ser humano; precede essência do seu ser.[20]
O símbolo possui uma linguagem própria que revelar parte da realidade, que em certo sentido a linguagem analítica não consegue apresentar. O homem religioso percebe a fala do Mistério por meio dos sinais. É como afirma José María Mardones: “a realidade em profundidade não se manifesta em linguagem direta, funcional ou utilitária e objetiva, mas o faz indiretamente por meio do símbolo. Portanto o símbolo não é mero reflexo da realidade que jaz aqui diante de nossa percepção, mas revela algo da profundidade e da riqueza inesgotável da realidade, isto é, de seu Mistério. O símbolo, neste caso religioso, ‘revela uma modalidade do real ou uma estrutura do mundo (transcendente) que não é evidente no nível da experiência imediata.”[21]
No campo religioso o sinal é a linguagem mais apropriada à fé, pois remete à realidade do Mistério que a racionalidade ausente de símbolos não consegue responder satisfatoriamente. Isto significa dizer que através do símbolo as pessoas conseguem atingir e expressar sua fé com mais amplitude. E isto acontece porque aquilo que toca o homem incondicionalmente precisa ser expresso por meio do símbolo.[22] A linguagem simbólica é, neste sentido, a mediação entre a realidade espiritual do Mistério e a experiência humana concreta. É importante ter bem claro que o Concilio chama a Igreja mistério, sinal e instrumento do Reino, e como sinal ela apresenta-se em linguagem sacramental. A Igreja é Sacramento porque depois da ascensão, o corpo de Jesus é uma transparência perfeita – a mais perfeita possível entre as criaturas – da divindade. Por isso olhar terreno pode ver Cristo gloriosos sem o véu da corporeidade. Porém, Jesus se faz visível através de sua Igreja sinal, sacramento e instrumento de salvação.[23]
É importante destacar que o símbolo possui características e aspectos próprios e inerentes à sua realidade. Para D. Sartore, o campo simbólico comporta um conjunto de elementos sensíveis no qual, o homem, seguindo o dinamismo das imagens percebe, capta e compreende os significados que transcendem as realidades concretas.[24]
No simbolismo descobrimos uma nova relação com a realidade e, sobretudo, uma possibilidade de comunicar de forma mais profunda com tudo que o está ao nosso redor. Lembra-nos M. Augé que nossa capacidade simbólica não consiste apenas em dizer ou realizar coisas, mas em ver todas as coisas de um modo integral, interligado e globalmente significativos. [25]
Como o ser humano é um ser simbólico isso significa dizer que a compreensão humana não estar limitada somente ao campo semântico analítico e nem ao campo do puramente material. Pela linguagem simbólico-sacramental o homem transcende o mundo material. Há, segundo M. Augé, “uma tensão dialética entre o natural e o sobrenatural, entre história e escatologia, entre imanência e transcendência; de forma que eles encontram no simbolismo a possibilidade de sair da contradição fundamentalmente de concorrência para evoluir rumo a uma situação de efetiva e recíproca afirmação.”[26] A realidade simbólico-sacramental faz emergir paradoxalmente a experiência de Deus na pequenez de um sinal sacramental, presente num gesto ritual. É como diz Belloso: “a fragilidade dos símbolos contrasta com a elevação que Deus lhes imprime até convertê-los em puras transcendências do dom divino (escatológico), o que ocorre, sobretudo com o pão e o vinho da eucaristia.”[27] Aqui se entende com mais probidade a tensão escatológica da Igreja em ser sinal e realidade no “já da história da esperança que ainda não se realizou plenamente em nós.[28]
Cabe aqui distinguir o que é um símbolo real e um símbolo representativo. Este último serve para comunicar; informar sobre alguma realidade ausente ou imperceptível no momento. Por exemplo, uma placa de transito é um símbolo informativo, pois ela não remete à coisa, apenas comunica uma realidade que está por vir. O símbolo informativo não contém a realidade nem parte dela. Por outro lado o sacramento é um símbolo real, pois realiza aquilo que comunica. Os sacramentos são sinais eficazes da graça. Como afirma o Catecismo da Igreja Católica, ”os ritos visíveis sob os quais os sacramentos são celebrados significam e realizam as graças próprias de cada sacramento.”[29] É neste sentido que a Igreja não somente anuncia pela pregação e sacramentos o Reino, mas ela já antecipa o Reino porque insere o fiel no mistério Deus. A parusia se constrói na tensão do Reino já presente em sinais e sua irrupção última e definitiva já aparece aqui. O Reino de Deus já está presente através dos sinais maravilhosos, dos milagres, e de tudo que Jesus operou e continua realizando pela Igreja com o auxílio do Espírito Santo.[30]

VI. A mediação dos sinais sacramentais.
A teologia encontra seus fundamentos na história da salvação judeu-cristã. A comunicação divina é sempre mediada. Já no Antigo Testamento, ela foi realizada por meio da aliança, da lei e do envio dos profetas as quais constituem elementos imprescindíveis para identificar a presença de Deus entre o povo (Gn 9,9; Ex 2,24; Lv 26,9; Is 59,21; Jr 50,5; Ez 37,26; Ml 26,28). Também no Novo Testamento por meio de Jesus Cristo, sacramento do encontro com Deus, e da comunidade escatológica de salvação Deus continua a apresentar-se ao ser humano. A tensão escatológica da Igreja aparece como uma realidade característica da chamada mediação. A noção de mediação é fundamental à teologia sacramental e a escatologia.
Segundo a tradição judaico-cristã, Deus sempre se comunicou com seu povo através da mediação de sinais e gestos concretos. “muita vezes e de modos diversos falou Deus outrora aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos”(Hb 1, 1-2). Neste sentido a história da Salvação é o lugar privilegiado da Palavra profética. A história para Israel converte-se processo que tem um fim determinado em Deus.[31] É historia salvífica que encontra na pessoa de Jesus Cristo seu conteúdo definitivo. Para o povo de Israel o evento histórico estar voltado a Deus que escolheu Israel, libertou, salvou.[32]
No Antigo Testamento a Torá, ganha destaque especial, porque constitui o sinal mais evidente da disposição e beneplácito de Deus para com o antigo Israel. A eleição e a aliança revela a presença de Deus entre o povo de Deus eleito. A história de Israel reveste-se de sentido e esperança. Em tempo pós-exílico a Torá é celebrada anualmente na “festa da alegria da Torá”. Nesta solenidade os rolos são tirados do armário e conduzidos em alegre procissão; depois recolocados em seu lugar.[33] Tudo isso para simbolizar a presença de Deus que caminha com seu povo. Também no contexto da mediação podem-se elencar os gestos simbólicos dos profetas, por exemplo: Elias que lança o manto sobre Eliseu (1Rs 19,19-21), como símbolo da eleição de Deus. De forma geral pode-se dizer que toda historia de Israel tem um caráter simbólico, desde os seus processos políticos, até as grandes epifanias como a sarça ardente (Ex 3, 1-6).
No Novo testamento Deus se comunicou a humanidade pela mediação do seu Filho Jesus Cristo. Ele é o Verbo divino que veio habitar no seio da história. Novamente a historicidade torna-se critério para compreender a revelação. A história aqui não se restringe a mera conexão de fatos, mas comporta a consciência que o próprio Jesus tinha ao situar-se diante da sua vida, dando sentido a sua entrega e a assumindo como resposta fiel à vontade do Pai.[34]
O sinal mais fundamental da autocomunicação mediada de Deus foi a encarnação do Filho. Jesus é a manifestação, por excelência de Deus; Schillebeeckx, fala que Jesus é o lugar do encontro de Deus com a humanidade. O encontro humano realiza-se pela corporeidade. A sacramentalidade só é possível pela presença do corpo que paradoxalmente como sinal manifesta e vela a interioridade e mistério. “Assim o homem Jesus, manifestação terrestre e pessoal da graça e redenção divina, é o Sacramento Primordial, pois este homem, Filho de Deus, é querido pelo Pai como único acesso à realidade de salvação”.[35]
Os sacramentos da Nova Aliança são, portanto, atualização e antecipação escatológica da graça de Deus manifestada em Cristo.[36] A esta comunicação divina pede-se, por parte dos crentes, a resposta obediente da fé. Aqui entra fundamentalmente o papel da linguagem simbólica, pois a revelação dirigida a seres humanos é uma mensagem que une corporeidade e historicidade. Neste sentido o sinal sacramental aproxima a realidade simbolizada levando a uma experiência de antecipação e antegozo com mistério. É neste sentido que o concílio chama a Igreja de sacramento, sinal e instrumento do Reino escatológico: “A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano...” (cf. LG, 1). Em outro momento o Concílio afirma que a missão da Igreja é promover a unidade porque ela é em Cristo sacramento e sinal desta união de Deus com os seres humanos (cf. GS, 42). Ainda podemos verificar a referência à como sinal e sacramento da salvação presente no nº 48, aqui a Igreja enunciado propõem que Cristo elevado sobre a terra atraiu todos a ele, e, que infundindo seu Espírito Santo vivificador sobre os discípulos constituiu a Igreja como sacramento universal da salvação.[37]
Como os sacramentos contêm nos seus sinais sacramentais a realidade que comunicam, então é muito justo que a abordagem sacramental não seja periférica na argumentação sobre a missão da Igreja que consiste em ser sinal como tensão escatológica da comunidade de salvação rumo ao reino definitivo, no qual a sua realidade sacramental já aponta como aurora resplandecente de beleza.
O que tentamos demonstrar aqui não foi em vista de uma teologia dos sacramentos, mas verificar como a realidade sacramental é imprescindível para uma reta compreensão do tema fundamental de nossa tese, que é explicar a tensão de ser já uma comunidade de salvação e ao mesmo tempo esperar a salvação definitiva. Somente resolveremos tal paradoxo tendo em mente o papel do simbolismo sacramental da Igreja na sua peregrinação entre a Igreja celestial e a Igreja em caminho. O pensamento simbólico com suas dimensões de mediação representa um uma porta aberta para entrever todo o edifício do VII capitulo da Lumen Gentium.

[1] Cf. KLOPPENBURG, B., A Natureza e a Missão da Igreja, in REB – Revista Eclesiástica Brasileira, fasc. 4, Vozes, Petrópolis, 1969, pp. 801-802
[2] LG, 48b
[3] Cf. KLOPPENBURG, B., A Natureza e a Missão da Igreja, op. Cit, 801-812
[4] RAHNER, K. Kirche und Parusie Christi, in E’crits Theologique, Vol. 10, n Textes et Etudes Theologiques, Paris: Desclée de Brouwer, 1970, pp. 107-119
[5] MEDARD, K., A Igreja: Uma Eclesiologia Católica, Loyola, São Paulo, 1997, p.86
[6] Cf. BELLOSO, Josep M. Rovira, Os Sacramentos: símbolos do Espírito, coleção Sacramentos e Sacramentais, São Paulo, Paulinas, 2005, pp. 25-29.
[7] Cf. ELIADE, M., Imagens e Símbolos. São Paulo, Martins fontes, 1996, pp. 7-9.
[8] NIJMEGEN - SECRETARIADO GERAL, A Utopia, in CONCILIUM (Revista Internacional de Teologia), n° 1 Dogma: Escatologia, jan-1969, pp. 130-145
[9] Cf. RAHNER, K. O Homem e a Graça, São Paulo, Paulinas, 1970, pp. 23-26
[10] Cf. BOROBIO, op.cit., p. 65.
[11] KLOPPENBURG, B., A Natureza e a Missão da Igreja, in REB – Revista Eclesiástica Brasileira, fasc. 4, Vozes, Petrópolis, 1969, pp. 801-802
[12] Cf. SARTORE, D. e ,ACHILLE, M., verbete sinal/simbolismo: Crise e oportunidade do simbolismo litúrgico, in Dicionário de Liturgia, São Paulo, Paulinas/Paulistas, 1992, pp. 1148-1149.
[13] Cf. SCHILLEBEECKX, E., Cristo, Sacramento do Encontro com Deus:Estudo Teológico sobre a Salvação mediante os Sacramentos, 2a edição, Petrópolis, Vozes, 1968.
[14] SCHILLEBEECKX, E., op. cit. P.21
[15] MARDONES, José María, A Vida dos Símbolos: A Dimensão Simbólica da Religião, São Paulo, Paulinas, 2006, p. 11.
[16] Cf. SAMANES, C.F. e Acosta, J. T., Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo, São Paulo, Paulinas, 2006, p. 784.
[17] Cf. SARTORE, D. e ,ACHILLE, M., verbete sinal/simbolismo: Crise e oportunidade do simbolismo litúrgico, in Dicionário de Liturgia, São Paulo, Paulinas/Paulistas, 1992, p. 1143.
[18] Idem. Ibidem.
[19] Cf. AUGÉ, M., Liturgia: História, Celebração, Teologia, Espiritualidade. 2a edição São Paulo, Ave Maria, 2004, pp. 98-100.
[20] Cf. ELIADE, M., Imagens e Símbolos. São Paulo, Martins fontes, 1996, p. 8.
[21]MARDONES, José María, A Vida dos Símbolos: A Dimensão Simbólica da Religião, São Paulo, Paulinas, 2006, p. 89.
[22] Cf. TILLICH, P., Dinâmica da fé, São Leopoldo, Sinodal, 1974, in KLEIN, R., O Lugar e o Papel dos símbolos no processo educativo-religioso. Disponível emhttp://www.est.com.br./publicaçoes/estudos_teologicos.
[23] CF. GABÁS, R. Indole Escatologica de la Iglesia Peregrinante y su unión con la Iglesia Celeste. In GONZALEZ, Casimiro M. Comentários a la Constitución sobre la Iglesia, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1966, pp. 901-902
[24] Cf. SARTORE, D. e ,ACHILLE, M., op. cit. p. 1142
[25] Cf. AUGÉ, M, op. cit., pp. 99-100
[26] AUGÉ, M, op. cit. 101.
[27]BELLOSO, Josep M. Rovira, Os Sacramentos: símbolos do Espírito, coleção Sacramentos e Sacramentais, São Paulo, Paulinas, 2005, p. 58.
[28] Cf. KOCLEGA, Jan, L’indole Escatologica Della chiesa: La prospetiva “già e non ancora” della pienezza del nuovo popolo di Dio nel capitolo VII della Lumen gentium, Roma, Pontificia Università della Santa Croce, 2000, pp. 78- 82; POZO, Candido. Teologia del mas Allá, (Biblioteca de autores cristianos), Madrid Ed. Catolica, 1968, pp. 542-548; CF. GABÁS, R. Indole Escatologica de la Iglesia Peregrinante y su unión con la Iglesia Celeste. In GONZALEZ, Casimiro M. Comentários a la Constitución sobre la Iglesia, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1966, pp. 901-907
[29] Catecismo da Igreja Católica, no 1131.
[30] LIBANIO, João Batista/ BINGEMER, Maria Clara L., Escatologia Cristã: o novo céu e a nova terra, Tomo X, Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 108-119
[31] Cf. LATOURELLA, R., Teologia da Revelação, 4aedição, São Paulo, Paulinas, 1985, pp.30-34
[32]Cf. NOCKE, Franz-Josef, Doutrina geral dos Sacramentos, In Schneider, T., (org), Manual de Dogmática, Vol. II, 2ª edição, Petrópolis, Vozes,2002, pp. 174-175.
[33]Idem. Ibidem.
[34] Cf. FISICHELLA, R., Introdução à teologia fundamental. São Paulo, Loyola, 2000, pp. 70-71
[35] SCHILLEBEECKX, E., Cristo, Sacramento do Encontro com Deus:Estudo Teológico sobre a Salvação mediante os Sacramentos, 2a edição, Petrópolis, Vozes, 1968, p. 21.
[36] Cf. Catecismo da Igreja Católica, no 1131
[37] É importante notar que a referencias ao aspecto sacramental da Igreja não é circunstância marginal, mas faz parte do escopo temático do concílio (cf. LG, 2, 9; GS, 40, 45; NA, 4; SC, 7), pois segundo Kloppenburg Boaventura, era desejo de João XXIII apresentar a Igreja ao mundo apresentado seu mistério de forma bem condizente com os tempos atuais, mas sem perder o conteúdo da tradição e a sua realidade mistérica. Cf. KLOPPENBURG, Frei Boaventura, OFM, Concílio Vaticano II, Vol. IV Terceira sessão conciliar, Vozes, Petrópolis, 1972, pp. 11-19.

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