domingo, 25 de setembro de 2011

FORMAÇÃO PAROQUIAL: A IGREJA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS


O termo grego ’ekklesía do qual deriva o termo latim ecclesia, que provém por sua vez, encontra-se na tradição bílblica da septuaginta com o termo qahal, que significa aviso de convocação e assembléia reunida. Foi introduzido na época do Deuteronômio, por volta do século VII a. C., com uma formulação significativa: dia da assembléia (Dt 4,10; 9,10), que Moisés pronunciava como lembranças do dia em que o Senhor lhe ordenara que convocasse o povo em assembléia para celebração da aliança.
O termo grego ’ekklesía pode ser entendido tanto em sentido ativo como passivo: como Igreja convocada e como congregação de fiéis. Ambas as definições encontram-se apoio na patrística, e se tornou clássica no Ocidente por via das reflexões de Santo Isadoro de Sevilha, que formulou a seguinte expressão: ecclesia convocans et congregans – convocação divina – ecclesia convocata et congregata – comunidade dos convocados. São Cipriano distinguia entre a ad ecclesiam matem et ad vestram fraternitatem (Igreja mãe e a Igreja fraterna).
Outras imagens exprimidas pela tradição também apresentam uma realidade muito clara da Igreja: a Ecclesia de Trinitate, cuja missão ministerial tem origem na mesma trindade, é ao tempo e sobre outro aspecto Ecclesia ex hominibus, como “Igreja terrena” que entra na história dos homens (cf. LG 8, 9). Trata-se de um duplo ministério de comunicação e de comunhão: graças a comunicação dos sacramentos, das coisas santas, a Igreja é comunhão dos santos. Daí o duplo significado da formula que explicita o que a Igreja é no credo, communio sanctorum, conforme se entende o segundo termo neutro como – coisas santas – ou masculino – os santos.
O Concílio Vaticano II dá uma resposta sobre se existe uma definição de Igreja quando, no cap. I da LG, afirma que ela é um mistério. O concílio descreveu de diversos modos a Igreja como povo de Deus, corpo místico de Cristo, Esposa de Cristo, templo do Espírito Santo, família de Deus. Essas definições se completam mutuamente e devem ser compreendidas à luz do mistério de Cristo e da Igreja em Cristo.

A Igreja como Sacramento.
De acordo com o Concílio Vaticano II a Igreja se define sacramento universal da Salvação (cf. LG 1, 48; SC 5, 26 GS 42, 45; AG 1, 45). Trata-se sem dúvida da mais significativa definição da Igreja, tendo-se em vista a própria história da incorporação desse conceito ao contexto conciliar.
Essa definição aparece nos textos conciliares primeiramente num contexto claramente cristológico. Jesus é o único mediador entre Deus e o homem, sobretudo mediante seu mistério pascal. A Igreja brotou do lado aperto de Cristo na Cruz (cf. SC 5; LG 3). E nesta linha de pensamento a Lumen Gentium é clara: “lumen Gentium cum sit Chistus” (sendo Cristo a luz dos povos LG 1) ou Cristo luz dos povos. É por isso que se diz que a Igreja é em Cristo, sacramento, quer dizer, sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do gênero humano. Assim não é por acaso que em LG 9 se afirma que Cristo ressuscitado e glorificado, mediante o seu Espírito, transformou a Igreja em sacramento universal da salvação, e que continua a agir na sua Igreja por intermédio do Espírito Santo.
Tal definição ainda aparece num outro contexto: como expressão escatológica. Com efeito, o Reino de Deus se manifesta nas palavras, nas obras e, sobretudo, na presença pessoal de Cristo. É por isso que a Igreja, sendo “o Reino de Cristo já presente em mistério” (LG 3), representa “o germe e o início deste Reino aqui na terra” (LG 5), e é “este povo messiânico que, embora não abranja todos os homens e, por vezes, apareça como pequeno rebanho, é, para todo o gênero humano, germe firmíssimo de unidade, esperança e salvação” (LG 9).
Essa dupla perspectiva cristológica e escatológica, montra como o conceito de Igreja-sacramento não surge da teologia dos sacramentos elaborada no séc. XII e consagrada no Concílio de Trento, como a definição dos sete sacramentos. A fonte desse conceito, utilizado aqui analogicamente, deve ser buscada na teologia patrística, para a qual o termo latino sacramentum traduzia o conceito bíblico mysterium que, de acordo com o que vem explicado no próprio Vaticano II, não é algo incognossível e absurdo, mas na Bíblia é equivalente a uma realidade divina portadora de salvação.

Igreja como Comunhão.
Pouca a pouco foi se evidenciando o conceito eclesiológico do Vaticano II de Igreja de comunhão. Esse conceito tem um significado básico de comunhão com Deus, da qual se participa por meio da Palavra e dos sacramentos. Esse tipo de comunhão é que leva à comunhão dos cristãos entre si e se realiza concretamente na comunhão das igrejas locais fundadas mediante a Eucaristia. Chega-se assim ao termo técnico communio, conceito e realidade fundamental da Igreja antiga, muito apreciada pelas igrejas orientais (cf. LG, nata explicativa, n° 2).
Mas o nível eminentemente estrutural da communio foi definido no lócus theologicum, principal noção conciliar, a fórmula eclesiológica de LG 23ª que diz: “ E os bispos individualmente são o princípio visível e fundamento da unidade em suas Igrejas particulares, formadas à imagem da Igreja universal, nas quais e pelas quais existe a Igreja católica una e única”. Esse retorno à eclesiologia da communio do primeiro milênio por parte do concílio coexiste com a eclesiologia jurídica da unidade mais típica do segundo milênio e bem explicitada na expressão communio hierarchica (LG 22), com a qual se liga o ministério episcopal à Igreja universal, concretamente com o Papa e o colégio os bispos.
Para que essa imagem importante na Igreja, resgatada pelo concílio, não se tornasse uma realidade abstrata, e para garantir a justeza da comunhão e da hierarquia na Igreja o concílio propões como solução sublinhar que a eclesiologia de communio não poderia ser reduzida a meras questões organizacionais ou a problemas que concernem unicamente às questões de poder. Todavia, a eclesiologia de comunhão é também fundamento à ordem na Igreja e, sobretudo, para, uma correta relação entre unidade e pluriformidade na Igreja.

Igreja Povo de Deus.
O capítulo dedicado a hierarquia, faz com que se tornasse a mais significativa da nova concepção da Igreja no Vaticano II. Afinal, era preciso superar uma visão de Igreja eivada de hiererquismo, para se concentrar no seu objeto primário: todos os batizados que formam o povo de Deus. Este é, graças à sua origem transcendente Ícone da Trindade (cf. GL 4).
O claro fundamento da eclesiologia do povo de Deus na tradição veterotestamentária e sua relação com a categoria da aliança, que é o seu elo com o novo testamento, tornaram mais fácil o emprego desse conceito. Provavelmente é o conceito mais expressivo que fundamenta a Igreja no AT e em Israel. A Igreja é povo de Deus por que realiza a sua vocação universal a que era chamado Israel pelo seu Deus, o qual, sendo único, queria também ser o Deus de todos os homens.
Note-se, além disso, que, em se tratando de uma expressão mais ao alcance de todos em relação à de Corpo Místico e ao mesmo tempo mais abrangente do denso conceito de sacramento, tornou-se a marca da recepção mais popular da eclesiologia conciliar.

A Igreja como Corpo Místico.
A LG dedica a essa descrição um número inteiro e amplo, n° 7, e com razão, visto que essa expressão foi a mais difundida na eclesiologia católica a partir da encíclica Mystici Corporis de 1943, abrindo um novo campo para uma reflexão mais teológico-dogmática e não somente apologética sobre a Igreja. A Mystici Corporis acentua a estrutura humano-divina da Igreja, contra o perigo de um misticismo eclesiológico, sublinhando o seu caráter visível como instrumento do invisível.
A LG 3 utiliza o conceito de “Corpo de Cristo” num contexto eucarístico, ao passo que LG 7 trata diretamente da Igreja como “Corpo de Cristo”. Essa imagem ajuda a apresentar a Igreja não só como sociedade, mas como organismo vivo e hierarquicamente organizado, que envolve ao mesmo tempo todos os seus membros (hierarquia e fiéis). E há ainda uma clara referência a Cristo – de onde provém a imagem da Igreja esposa (LG 7) – que a leva a apontar uma eclesiologia cristológica e pneumatológica, que ajuda a ponderar de maneira justa as duas dimensões da Igreja: a visível e a invisível, justamente pela força que confere à imagem de organismo vivo que é o corpo.

A Igreja como tradição.
O Decreto Dei Verbum do Vaticano II refletindo sobre a imagem da Igreja como tradição viva afirma que a Igreja está como prolongamento da missão de Cristo. Ele situa inicialmente o mandamento de Cristo à Igreja apostólica no início do Evangelho, uma vez que Cristo Senhor, em quem se consuma toda a revelação do sumo Deus (2Cor 1,20; 3,16-4,6), ordenou aos apóstolos que o evangelho, prometido antes pelos profetas, completado por Ele e por Sua própria boca pronunciado, fosse por eles pregado a todos os homens como fonte de verdade salvífica, de toda disciplina e costumes, comunicando-lhes dons divinos (cf. DV 7).
Exprime-se aqui aquilo que poderemos chamar de princípio católico de tradição que se identifica com a Igreja: trata-se, com efeito, de todo um dinamismo da doutrina, culto e vida, expressão de fé que a Igreja mesma crê. A natureza própria da tradição viva da Igreja consiste precisamente na sua conaturalidade com a revelação, realizada mediante a Palavra e gestos intrinsecamente unidos (cf. DV 2).
A tradição viva tem em comum com a Escritura o constituir o princípio de comunidade e de identidade entre a Igreja católica e as gerações posteriores até o fim dos tempos. A partir disso a DV 10 enfatiza a relação existente entre tradição, Escritura e toda a Igreja: “ a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só sagrado deposito da Palavra de Deus confiado à Igreja; apegando-se firmemente a ele, o povo santo todo, unidos a seus pastores, persevera continuamente na doutrina dos apóstolos e na comunhão, na fração do pão e nas orações (cf. At 2, 42). Trata-se de texto que leva a uma compreensão de unidade orgânica base principal da catolicidade e da tradição na Igreja católica.
O carisma de infalibilidade ao qual a Igreja é mergulhada está inserida na correta vivência desta imagem de tradição viva. Pois a tradição viva é expressão do conteúdo do deposito da revelação. Por isso, a fé na infalibilidade da Igreja inclui não só a fé, mas também toda regra, norma e ordenação moral, de acordo com a matizada expressão do Concílio de Trento retomada pelo Vaticano II: morum disciplina.
O exercício dessa infalibilidade por parte do romano pontífice e do corpo dos bispos em união com ele forma o que chamamos de “magistério supremo” – ou extraordinário – por meio de um “ato definitivo” (LG 25), tradução da expressão ex cathedra. Na esteira desta tradição viva o magistério ordinário, ao invés, que acompanha habitualmente essa tradição viva que é a Igreja, é um ensinamento que leva a uma melhor compreensão da revelação em matéria de fé e de costumes.
É evidente que a DV usa a Palavra tradição em dois sentidos: de um lado, para descrever o que não está escrito na Escritura e tem origem apostólica e, de outro, para exprimir todo o processo de transmissão viva da revelação através dos tempos. É este último sentido que podemos qualificar a Igreja como tradição viva.

Igreja como sociedade.
A Igreja do Vaticano II (LG, 8) é estruturada como sociedade visível ou grupo visível, ou ainda sociedade visível dotada de organismos hierárquicos (LG 14, 20, 23), Igreja terrena, estabelecida e estruturada neste mundo como uma sociedade. È São Berlarmino quem defende essa idéia de uma Igreja formada como sociedade visível e hierárquica, contra as ideias dos reformadores, que queriam fundar uma nova Igreja. Para São Berlamino existe uma só e única Igreja formada como sociedade orgânica e definida como grupo visível, com a mesma fé, com os mesmos sacramentos e mandamentos.
O conceito de Igreja como sociedade ajudou a formular e a fundamentar a teologia do direito eclesial, pois uma vez que a Igreja deveria ser sociedade visível para todos e o sacramento visível desta unidade salvífica, devendo estender-se a todas as regiões da terra, e entrar na história dos homens, necessitava de leis e estruturas que se adequassem a vida social e pudesse ser ponto normativo para todos.

Igreja como Instituição.
A reflexão atual sobre a instituição quer superar o risco de situar a Igreja como sendo algo meramente privado e fazer com que sua forma institucional social proteja a “liberdade concreta” de cada indivíduo.
Essa concepção sociológica pode ser aplicada a Igreja, embora se deva levar em conta seu sentido último e o conteúdo de sua atividade, uma vez que se trata de uma instituição que, sendo composta de homens – Ecclesia ex hominibus –, tem sua origem e fim em Deus – Ecclesia ex Trinitate. Por isso é importante que a instituição eclesial, como forma social concreta, atualize e medeie a salvação de Cristo para todos os homens. Enfim, como uma “complexa realidade” formada por um elemento divino e humano, e precisamente por isso, graças à sua estrutura análoga à encarnação de Jesus Cristo (cf. LG ,8), a Igreja se manifesta como sacramento universal da salvação (cf. LG 48), e esta é a sua razão de ser e o seu sentido.
Será conveniente evitar identificar a Igreja com a mera tarefa de conservação histórica, cujo risco é evidente. O papel da Igreja não pode ser reduzir a conservar historicamente a memória de Jesus, mas, identificando-se com ela, esta mesma Igreja se encarna em toda situação concreta diversa e mutável, fiel à sua identidade evangélica.
Por fim o aspecto da instituição ressalta a liberdade do Espírito. Com efeito, é libertadora por que exige de todos os fiéis, unidos à Igreja, buscarem juntos e não isolado a salvação. A Igreja como instituição exime a busca de uma salvação individualista e intimista. O amplo alcance da Igreja como instituição ressalta a importância do projeto coletivo e participativo da salvação. Essa força libertadora da instituição deve, por sua vez, torna-se visível uma possível participação dos crentes, de modo que cada um possa ser corresponsável por toda ela.

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