Homilia do Pe. Fantico Borges, CM –
Domingo de Ramos – Ano B
A glória de Jesus é fidelidade na Paixão
Com a solene procissão de
Ramos e a Paixão de Jesus Cristo a Igreja abre a Semana Santa. O tempo mais
intenso na fé da comunidade cristã. No Evangelho (Mc 15, 1-39) vemos que o
cortejo organizou-se rapidamente. Jesus faz a sua entrada em Jerusalém, como
Messias, montado num burrinho, conforme havia sido profetizado muitos séculos
antes (Zac. 9,9). Jesus aceita a homenagem, e quando os fariseus, que também
conheciam as profecias, tentaram sufocar aquelas manifestações de fé e alegria,
o Senhor disse-lhes: “Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras gritarão.” (Lc
19, 40).
Novamente encontramos Jesus
quer também entrar triunfante na vida dos homens e mulheres de hoje, não ornado
num altar de ouro, nem sentado num trono de riqueza, mas numa montaria humilde,
com a simplicidade de um Deus que se fez homem e assumiu nossas dores; que pelo
seu sofrimento já não tinha nem aspecto humano.
O senhor carregou sobre
seus ombros a cruz que pesava sobre nossas cabeças. Ele preferiu sofrer para
não ver sua criação perdida. Por isso, “quem ama os preceitos do Senhor,
sujeita com cravos a própria carne, sabendo que, quando seu homem velho estiver
com Cristo crucificado na cruz, destruirá a luxúria da carne. Sujeita-a, pois,
com cravos e terás destruindo os incentivos ao pecado. Existe um cravo
espiritual capaz de sujeitar essa tua carne ao patíbulo da cruz do senhor. Que o
temor do Senhor e de seus juízos crucifique esta carne, reduzindo-a à servidão.
Porque se essa carne rejeita os cravos do temor do Senhor, indiscutivelmente
terá de ouvir: ‘ meu sopro não durará para sempre no homem, visto que é carne.’
Portanto, a menos que esta carne seja cravada à cruz, e se lhe sujeite com os
cravos do temor do Senhor nosso, o sopro de Deus não perdurará no homem” (Santo Ambrósio, comentário ao salmo 118).
No quadro da Paixão de
Cristo é preciso vislumbrar nossas paixões diárias. Ninguém nasceu para sofrer,
mas a dor nos fez crescer e enxergar o mundo com um olhar mais humilde, simples
e limitado. Na Carta Apostólica Salvifici Doloris, o Papa São João Paulo II
exortava para a descoberta do sentido salvífico do sofrimento. “O sofrimento
humano atingiu o seu vértice na paixão de Cristo; e, ao mesmo tempo,
revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele
foi associado ao amor, àquele amor que cria o bem, tirando-o mesmo do mal,
tirando-o por meio do sofrimento, tal como o bem supremo da Redenção do mundo
foi tirado na Cruz de Cristo e nela encontra perenemente o seu princípio”. Sempre
será um mistério para todos nós tirar do eminente fracasso de uma cruz, uma
palavra de Deus para nos animar a caminhar. Carecemos muito de uma visão teológica
de nossas vidas. Às vezes, os afazeres da vida contemporânea, a correria diária
não deixa tempo para ler o que Deus quis dizer nos acontecimentos dos nossos
dias. É preciso parar e olhar a Cruz de Cristo e dizer por Ele sofreu? Porque é
também tenho que sofre? O silêncio da Cruz não é ausência de respostar, mas do
silêncio da Cruz nasce da vitória.
Novamente Jesus quer
fazer-se presente em nós através das circunstâncias do viver humano. Naquele
cortejo triunfal, quando Jesus vê a cidade de Jerusalém, chora! Jesus vê como
Jerusalém se afunda no pecado, na ignorância e na cegueira. O Senhor vê como
virão outros dias que já não serão como estes, um dia de alegria e de salvação,
mas de desgraça e ruína. Poucos anos depois a cidade será arrasada. Jesus chora
a impenitência de Jerusalém. Como são eloquentes estas lágrimas de Cristo. O
Concílio Vaticano II, GS nº 22, diz: “De certo modo, o próprio Filho de Deus se
uniu a cada homem pela sua Encarnação. Trabalhou com mãos humanas, pensou com
mente humana, amou com coração de homem. Nascido de Maria Virgem fez-se
verdadeiramente um de nós, igual a nós em tudo menos no pecado. Cordeiro
inocente, mereceu-nos a vida derramando livremente o seu sangue, e n’Ele o
próprio Deus nos reconciliou consigo e entre nós mesmos e nos arrancou da
escravidão do demônio e do pecado, e assim cada um de nós pode dizer com o
Apóstolo: “Ele me amou e se entregou por mim (Gal. 2,20)”.
A história de cada homem é
a história da contínua solicitude de Deus para com ele. Cada homem é objeto da
predileção do Senhor. Jesus tentou tudo com Jerusalém, e a cidade não quis
abrir as portas à misericórdia. É o profundo mistério da liberdade humana, que
tem a triste possibilidade de rejeitar a graça divina. Como é que estamos
correspondendo às inúmeras instâncias do Espírito Santo para que sejamos santos
no meio das nossas tarefas, no nosso ambiente? Quantas vezes em cada dia
dizemos sim a Deus e não ao egoísmo à preguiça, a tudo o que significa falta de
amor, mesmo em pormenores insignificantes? A entrada triunfal de Jesus foi
bastante efêmera para muitos. Os ramos verdes murcharam rapidamente. O hosana
entusiástico transformou-se, cinco dias mais tarde, num grito furioso:
Crucifica-o! Por que foi tão brusca a mudança, por que tanta inconsistência?
São Bernardo comenta: “Como eram diferentes umas vozes e outras! Fora, fora,
crucifica-o e bendito o que vem em nome do Senhor, Hosana nas alturas! Como são
diferentes as vozes que agora o aclamam Rei de Israel e dentro de poucos dias
dirão: Não temos outro rei além de César! Como são diferentes os ramos verdes e
a Cruz, as flores e os espinhos! Àquele a quem antes estendiam as próprias
vestes, dali a pouco o despojam das suas e lançam a sorte sobres elas.”
Essas cenas da liturgia da
palavra de hoje da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e dos gritos enlouquecidos
da multidão pedindo sua crucificação pede-nos coerência e perseverança, aprofundamento
da nossa fidelidade, para que os nossos propósitos não sejam luz que brilha
momentaneamente e logo se apaga. Dentro do nosso coração, há profundos
contrastes: somos capazes do melhor gesto para alguns e do pior para outros. Se
queremos ter em nós a vida divina, triunfar com Cristo, temos de ser constantes
e matar pela penitência o que nos afasta de Deus e nos impede de acompanhar o
Senhor até a Cruz.
Que esta semana santa que
iniciamos seja repleta de reflexões e desejo de conversão. Peça a Deus que esta
semana santa de 2018 seja diferente. Renuncie os passeios, as redes de balanço,
as casas de praias, as piscinas refrescantes, aos banquetes regados a vinhos e
peixe. Estes dias, e especialmente na sexta, são dias de rezar com Cristo sua
Paixão, que é nossa também. Participe de todos os atos do tríduo pascal em sua
Paróquia ou comunidade. Deus te livre que na hora da agonia de Jesus você esteja
numa rede ou numa cama dormindo, ou bebendo aquele vinho. Deus te livre dessa infâmia.
Nosso Senhor te espera na sua Paixão!
Pe. Fantico Borges, CM
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