Homilia do Pe. Fantico Borges, CM - Tempo Comum (Ano
C)
Da desconfiança
à hospitalidade
Nossa cultura é cada vez mais desconfiada. Tudo
o que é estranho é uma ameaça para nós. Em alguns lugares das grandes cidades,
esses condominios fechados, pode-se ver placas nas casas onde é anunciado que a
polícia será chamada se vir estranhos andando pela rua. Nossas casas estão cada
vez menos abertas, assim como nossas vizinhanças, nossas cidades e nossos
países. A chegada de imigrantes em busca de trabalho gera desconfiança e
insegurança entre os que já moram no país. Em geral, tudo o que é estranho e
fora do comum nos faz sentir inseguros e ameaçados. É por isso que, e por
nenhuma outra razão, que a violência aumenta. A violência é respondida com mais
violência - embora em alguns casos seja defensiva - e a espiral de desconfiança
e violência está crescendo.
A proposta das leituras de hoje é outra completamente diferente. Em
consonância com a mensagem do Evangelho do Reino de Deus. Somos chamados à
hospitalidade, ao acolhimento, a ação e a contemplação. A primeira leitura, do
livro de Gênesis, mostra-nos Abraão, o patriarca, que não apenas acolhe os que
lhe pedem hospitalidade, mas implora aos três homens que fiquem em casa e comam
à sua mesa. Hospitalidade para essas pessoas era um dever sagrado e ao
visitante devia-se todo o respeito do mundo. Era como se fosse o próprio Deus
que visitava a casa. Muitas explicações foram dadas ao texto do Evangelho, mas
geralmente o mais simples foi esquecido: Marta e Maria acolheram o Senhor em
sua casa. Esse é o ponto de partida sem o qual aquela pequena contenda entre
Marta e Maria nunca teria acontecido. Santo Agostinho comenta esta cena da
seguinte maneira: "Marta envolveu-se em muitas coisas, preparando a comida
do Senhor." Pelo contrário, Maria preferiu se alimentar daquilo que o Senhor
dizia. Ela não percebeu de certa maneira a agitação contínua de sua irmã e
sentou-se aos pés de Jesus, não fazendo nada, mas ouvindo suas palavras. Maria
tinha entendido muito bem o que o Salmista dizia: "Descansa e vê que eu
sou o Senhor" (Sl 46, 11). Marta era consumida enquanto Maria estava
alimentando-se. Todavia, as duas realidades são importante na vida cristã. Uma
necessita da outro, pois ação sem oração é mero assistecialismo e volutatismo,
oração sem ação é uma alienação da realidade querida e desejada por Deus que
veio para que todos tenham vida plena.
Durante séculos, Marta e Maria foram apresentadas como dois modelos
contrastantes de vida: em Maria quis-se representar a contemplação, a vida de
união com Deus; em Marta, a vida ativa do trabalho; mas a vida contemplativa
não consiste em estar aos pés de Jesus sem fazer nada: isso seria uma desordem!
As tarefas de cada um são precisamente o lugar onde nos encontramos com Deus, o
eixo sobre o qual nosso chamado à santidade está baseado e gira. Sem um
trabalho sério, consciente e prestigioso, seria muito difícil, se não
impossível, ter uma vida interior profunda e exercer um apostolado eficaz no
meio do mundo.
A maioria dos cristãos, chamados a se santificar no meio do mundo, não pode
ser considerada como duas maneiras opostas de viver o cristianismo. Para uma
vida ativa que esquece a união com Deus, é inútil e estéril; Uma suposta vida
de oração que dispensa a preocupação apostólica e a santificação das realidades
comuns não pode agradar a Deus. A chave é, portanto, saber unir essas duas
vidas, sem prejuízo de uma ou outra. Essa profunda união entre ação e
contemplação pode ser vivida de maneiras muito diferentes, de acordo com a
vocação concreta que cada um recebe de Deus.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de ação e oração como uma virtude que
recupere a hospitalidade como um sinal cristão. Ser hospitaleiro com os
vizinhos da frente, com as pessoas do trabalho, da escola, na rua. Mas também na
frente dos vizinhos mais distantes, dos imaos imigrantes que batem nas portas
do nosso país pedindo um emprego que lhes garanta pão e o futuro para eles e
suas famílias. Também na frente daqueles que não acreditam em nossa mesma
religião e na frente daqueles que não pertencem à nossa raça ou falam nossa
língua. Somos todos irmãos e irmãs. Todos nós pertencemos à família de Deus. A
encarnação de Jesus tornou cada homem e mulher o melhor e mais completo
sacramento da presença de Deus entre nós. Para recebê-lo, compartilhar com ele
o que temos para receber o mesmo Deus que vem nos visitar, para tornar o Reino
uma realidade em nosso mundo, para cumprir a vontade de Deus que quer que todos
nós nos sentemos na mesma mesa para compartilhar o mesmo pão da alegria e do
amor. Somente a hospitalidade, as boas-vindas sinceras e abertas, a mão
estendida, poderão unir um mundo dividido e divorcidado com Deus que parece que
só é capaz de gerar desconfiança e violência.
Cada um deve pedir a Deus a força de Marta para trabalhar na construção do
Reino de Deus e o desejo de Maria de estar sempre aos pés do Senhor
alimentando-se de sua graça e do seu amor.
Pe. Fantico Borges, CM
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