Homilia
do Pe. Fantico Borges, CM – II Domingo da Quaresma – Ano B
A cruz precede a glória!
Na liturgia deste domingo II da Quaresma Jesus
transfigura-se diante dos Apóstolos Pedro, Tiago e João. A cena longe de ser triunfalismo
deseja encoraja-los nas tribulações que deverão enfrentar na defesa da fé. A
glória de Deus não seria alcançada sem cruz, mas a morte do mestre iria
escandaliza-los. A humanidade quer chegar à felicidade, à plena realização, mas
muitos não suportam os desafios e as tribulações; desejam a vitória, porém, sem
esforço. Querem o céu, desejam o paraíso, mas sem sacrifícios e renúncias. A
vida, porém, é repleta de desafios e quem não se esforça para superar não
alcançará a vitória.
Quando Jesus anunciava na Galileia, na Samaria ou
em Jerusalém, que o Reino de Deus havia chegado, e por meio de milagres, sinais
e curas, demonstrava a predileção divina pelos mais simples, todos corriam ao
seu encontro. Multidões queriam vê-lo. Curas, milagres, multiplicação de pães,
ressuscitação de mortos, sermões emocionantes. Tudo perfeito! Mas quando o
Senhor foi mostrando que a cruz precedia a glória; que quem quisesse segui-lo
no caminho do Reino, precisava renunciar a si, tomar a cruz de cada dia, então
muitos O abandonaram.
A transfiguração entra na vida dos apóstolos como
prefiguração que o horror da cruz não era o fim. O conhecido poema “pegadas na
areia” relata a observação que uma pessoa fazia ao estar numa praia e perceber
que nos momentos mais felizes da sua vida existiam duas pegadas na areia: as do
Senhor e as suas. Deus estava presente nos momentos de felicidade. Mas… que
decepção! Nos momentos de dificuldade, a mesma pessoa notava que só existia uma
pegada na areia. Ao perguntar ao Senhor o porquê daquilo, Deus lhe respondeu
que nos momentos mais difíceis Ele a segurava nos braços sem que ela mesma
percebesse isso. Surpresa maior ainda: as pegadas eram do Senhor!
Na primeira leitura vemos como Deus não deseja
sacrifício, mas a obediência humana aos preceitos divinos. Deus quer o nosso
coração e não nosso dinheiro. Não deseja que façamos sacrifícios sobre-humanos.
De que adianta andar quilômetros de joelhos numa procissão ou caminhar a pé até
um santuário dias e dias, mas permanecer com rancor e ódio no coração? Será que
agradará mais a Deus o dízimo de nossos bens do que a fidelidade aos preceitos
divinos? A entrega dos bens materiais
são etapas de nossa abertura a Deus, mas não o fim. A finalidade de nossas
vidas são os bens espirituais. O Senhor deseja possuir a pessoa total e não
pedaços de si. Quem quiser salvar a sua vida, sozinho, vai perdê-la. O projeto
de Jesus para nós é que confiemos plenamente no amor de Deus. O Cardeal
Ratzinger (Papa Bento XVI) dizia em seu livro Introdução ao Cristianismo que fé
é confiança e exige muita coragem para lançar-se nas mãos de Deus. O Evangelho deste domingo nos relata a
transfiguração do Senhor como sinal antecipado da graça da ressurreição.
Ao olharmos um pouco o contexto, observamos que
Jesus tinha anunciado aos seus que era necessário que o Filho do homem padecesse
muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e
pelos escribas, que fosse levado à morte e ressuscitasse ao terceiro dia (Cf. Lc
9,22); por outro lado, alguns discípulos esperavam um messias davídico que
vencesse pela força de um exército dominador o poder dos romanos, de cujo jugo desejava
vê-se livres.
Tendo em conta tudo isso, podemos dizer que os
discípulos encontravam-se bastante desnorteados e até mesmo desanimados. A transfiguração
do Senhor foi um conforto. De fato, dizia São Leão Magno que “o fim principal
da transfiguração foi desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz”;
trata-se de um antegozo do céu no meio dos sofrimentos.
A prova pela qual passou Abraão – o pai de todos os
crentes – foi dura e dramática (cf. 22, 1ss). Com que sentimento um pai tem ao sacrificar
seu próprio filho? Não esqueçamos que Isaac era o filho da promessa. Quê dor! Um
drama profundo! Muitas vezes, também nós passamos por provas espirituais
difíceis. Pensamos que Deus está longe de nós. Os discípulos de Jesus têm uma
sensação semelhante diante do anúncio da Paixão e do seguimento exigido por
Jesus. Na chamada crise da Galileia os discípulos encontra-se entre a frustração
de um messias não bélico e que minava o triunfalismo zelótico, e por outro lada
exigia a renúncia da violência em nome do amor. Encontravam-se diante de um
projeto que eles não tinham imaginado. E agora, alguns se perguntavam: vale a
pena?
Que tipo de Deus procuramos?
Os discípulos da transfiguração são os mesmos do
Monte das Oliveiras, os da alegria são também os da agonia. É preciso
acompanhar o Senhor em suas alegrias e em suas dores. As alegrias preparam-nos
para o sofrimento e o sofrimento por e com Jesus dá-nos alegria. Os discípulos,
que estavam desanimados diante do Mistério da Cruz, são consolados por Jesus na
transfiguração e preparados para os acontecimentos vindouros, como, por
exemplo, o terrível sofrimento que Ele padecerá no Getsêmani.
Nesta quaresma queremos refletir sobre o tipo de
Deus que buscamos. O da glória sem a cruz? Ou da cruz sem a glória? Cruz sem
glória é masoquismo, glória sem cruz é ilusão. Queremos um Jesus que conosco
caminhe ajude-nos a levar nossa cruz cada dia. Queremos uma Igreja que nos
oriente para o céu sem esquecer que o mundo é lugar de mistério trinitário. Porque
uma igreja sem mundo produz um mundo sem Deus.
Pe. Fantico Borges, CM
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