sábado, 24 de fevereiro de 2018

Homilia do Pe. Fantico Borges, CM – II Domingo da Quaresma – Ano B



Homilia do Pe. Fantico Borges, CM – II Domingo da Quaresma – Ano B

A cruz precede a glória!

Na liturgia deste domingo II da Quaresma Jesus transfigura-se diante dos Apóstolos Pedro, Tiago e João. A cena longe de ser triunfalismo deseja encoraja-los nas tribulações que deverão enfrentar na defesa da fé. A glória de Deus não seria alcançada sem cruz, mas a morte do mestre iria escandaliza-los. A humanidade quer chegar à felicidade, à plena realização, mas muitos não suportam os desafios e as tribulações; desejam a vitória, porém, sem esforço. Querem o céu, desejam o paraíso, mas sem sacrifícios e renúncias. A vida, porém, é repleta de desafios e quem não se esforça para superar não alcançará a vitória.
Quando Jesus anunciava na Galileia, na Samaria ou em Jerusalém, que o Reino de Deus havia chegado, e por meio de milagres, sinais e curas, demonstrava a predileção divina pelos mais simples, todos corriam ao seu encontro. Multidões queriam vê-lo. Curas, milagres, multiplicação de pães, ressuscitação de mortos, sermões emocionantes. Tudo perfeito! Mas quando o Senhor foi mostrando que a cruz precedia a glória; que quem quisesse segui-lo no caminho do Reino, precisava renunciar a si, tomar a cruz de cada dia, então muitos O abandonaram.     
A transfiguração entra na vida dos apóstolos como prefiguração que o horror da cruz não era o fim. O conhecido poema “pegadas na areia” relata a observação que uma pessoa fazia ao estar numa praia e perceber que nos momentos mais felizes da sua vida existiam duas pegadas na areia: as do Senhor e as suas. Deus estava presente nos momentos de felicidade. Mas… que decepção! Nos momentos de dificuldade, a mesma pessoa notava que só existia uma pegada na areia. Ao perguntar ao Senhor o porquê daquilo, Deus lhe respondeu que nos momentos mais difíceis Ele a segurava nos braços sem que ela mesma percebesse isso. Surpresa maior ainda: as pegadas eram do Senhor!
Na primeira leitura vemos como Deus não deseja sacrifício, mas a obediência humana aos preceitos divinos. Deus quer o nosso coração e não nosso dinheiro. Não deseja que façamos sacrifícios sobre-humanos. De que adianta andar quilômetros de joelhos numa procissão ou caminhar a pé até um santuário dias e dias, mas permanecer com rancor e ódio no coração? Será que agradará mais a Deus o dízimo de nossos bens do que a fidelidade aos preceitos divinos?   A entrega dos bens materiais são etapas de nossa abertura a Deus, mas não o fim. A finalidade de nossas vidas são os bens espirituais. O Senhor deseja possuir a pessoa total e não pedaços de si. Quem quiser salvar a sua vida, sozinho, vai perdê-la. O projeto de Jesus para nós é que confiemos plenamente no amor de Deus. O Cardeal Ratzinger (Papa Bento XVI) dizia em seu livro Introdução ao Cristianismo que fé é confiança e exige muita coragem para lançar-se nas mãos de Deus.  O Evangelho deste domingo nos relata a transfiguração do Senhor como sinal antecipado da graça da ressurreição.
Ao olharmos um pouco o contexto, observamos que Jesus tinha anunciado aos seus que era necessário que o Filho do homem padecesse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que fosse levado à morte e ressuscitasse ao terceiro dia (Cf. Lc 9,22); por outro lado, alguns discípulos esperavam um messias davídico que vencesse pela força de um exército dominador o poder dos romanos, de cujo jugo desejava vê-se livres.
Tendo em conta tudo isso, podemos dizer que os discípulos encontravam-se bastante desnorteados e até mesmo desanimados. A transfiguração do Senhor foi um conforto. De fato, dizia São Leão Magno que “o fim principal da transfiguração foi desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz”; trata-se de um antegozo do céu no meio dos sofrimentos.
A prova pela qual passou Abraão – o pai de todos os crentes – foi dura e dramática (cf. 22, 1ss). Com que sentimento um pai tem ao sacrificar seu próprio filho? Não esqueçamos que Isaac era o filho da promessa. Quê dor! Um drama profundo! Muitas vezes, também nós passamos por provas espirituais difíceis. Pensamos que Deus está longe de nós. Os discípulos de Jesus têm uma sensação semelhante diante do anúncio da Paixão e do seguimento exigido por Jesus. Na chamada crise da Galileia os discípulos encontra-se entre a frustração de um messias não bélico e que minava o triunfalismo zelótico, e por outro lada exigia a renúncia da violência em nome do amor. Encontravam-se diante de um projeto que eles não tinham imaginado. E agora, alguns se perguntavam: vale a pena? Que tipo de Deus procuramos?
Os discípulos da transfiguração são os mesmos do Monte das Oliveiras, os da alegria são também os da agonia. É preciso acompanhar o Senhor em suas alegrias e em suas dores. As alegrias preparam-nos para o sofrimento e o sofrimento por e com Jesus dá-nos alegria. Os discípulos, que estavam desanimados diante do Mistério da Cruz, são consolados por Jesus na transfiguração e preparados para os acontecimentos vindouros, como, por exemplo, o terrível sofrimento que Ele padecerá no Getsêmani.
Nesta quaresma queremos refletir sobre o tipo de Deus que buscamos. O da glória sem a cruz? Ou da cruz sem a glória? Cruz sem glória é masoquismo, glória sem cruz é ilusão. Queremos um Jesus que conosco caminhe ajude-nos a levar nossa cruz cada dia. Queremos uma Igreja que nos oriente para o céu sem esquecer que o mundo é lugar de mistério trinitário. Porque uma igreja sem mundo produz um mundo sem Deus.

Pe. Fantico Borges, CM



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