Espiritualidade para
casais
E a família, como vai? FAMÍLIA, COMUNHÃO DE PESSOAS.
Muito se fala da crise da família. Nos últimos tempos, no
entanto, pudemos ver sinais na linha de sua revalorização. Ela
continua sendo, apesar de todas as transformações, o espaço primeiro e
privilegiado de personalização e socialização, espaço de auto-realização,
comunicação, lazer e afeto. Quando alguém não vive em família, essa lacuna se
fará sentir para sempre, impedindo o amadurecimento pessoal de
que se viu privado de casa, pai, mãe, tendo também sérias influências no
ambiente externo. Disto estão convencidos psicólogos, assistentes sociais,
sociólogos e educadores. Na família acontecem as primeiras
experiências da vida, que tanta importância têm na configuração da maneira
pessoal de se situar no mundo. Tudo o que acontece depois, na idade adulta
servirá para modificar ou enriquecer essas experiências fundamentais. Quando elas
forem dolorosas e negativas ocasionam danos que dificilmente podem ser
superados (cf. Pedro José Gómez Serrano, La família, escuela de
liberación, justicia ey solidariedad, in Sal Terrae 91 (2003), p 373ss)
A família não pode ser uma camisa-de-força. Em certas
configurações de família do passado, marcadas pela supremacia masculina, em
tempos em que unidade familiar era mais do que tudo uma unidade de
trabalho, nem sempre as pessoas eram respeitadas, de modo especial as mulheres
e as crianças. Filmes e livros não se cansam de mostrar os malefícios de
uma certa família do passado. Certamente, ela não pode se transformar,
hoje, numa espécie de ninho quente onde seus membros vivem uma espécie de
célula “gostosa”, distante dos desafios do mundo. Uma tal concepção seria
completamente danosa para os seus membros e para a sociedade. Por vezes,
tem-se a impressão de que cristãos das classes remediadas vivem um
familismo sem sentido e sem amanhã. A família é responsável pela transformação
do mundo.
Na esteira do personalismo de Emanuel Mounier, João
Paulo II, ao descrever a família, fala de uma comunhão de pessoas. “A
família, fundada e vivificada pelo amor, é uma comunidade de pessoas, do homem
e da mulher, dos pais e dos filhos, e dos parentes. A sua primeira tarefa é a
de viver fielmente a realidade da comunhão num constante empenho por
fazer crescer uma autêntica comunidade de pessoas. O princípio interior, a
força permanente e a meta última de tal dever é o amor: como, sem o amor a
família não é uma comunidade de pessoas, assim, sem o amor, a família não pode
viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas”
( Familiares consortio, n. 18).
A família satisfaz a necessidade básica de
conhecimento, intimidade e de colaboração do ser humano e de sua libertação da
solidão e do medo diante do futuro. Em seu seio há a oportunidade de ser
desenvolvido o melhor que alguém carrega em si, de fazer uma integração de sua
complexa personalidade e de sempre melhorar sua condição espiritual.
A dupla orientação na direção da liberdade e solidariedade,
da unidade e da distinção exigem relacionamentos novos. É indispensável
relacionar-se, reconhecendo o valor pessoal, pois do contrário somos ilhas
isoladas. No seio da família, âmbito de relacionamentos, experimenta-se a
alegria de uns pertencerem aos outros. Assim, se deixa a rede de individualismo
e se vive a comunhão solidária. Benito Goya afirma: “O lar se
converte em espaço de comunhão de pessoas adultas e estabelece entre os
cônjuges um estilo existencial atraente e construtivo, que favorece o espírito
de doação, de apoio mútuo e de compromisso em projetos comuns. Esta harmonia
entre os esposos constitui uma base sólida para que também as relações filiais
sejam gratificantes” (La nueva família. Una espiritualidad de comunión,
in Revista de Espíritualidad (59) (2000) p. 48).
A família cristã é aquela em que pais e filhos procuram
configurar os relacionamentos interpessoais no lar a partir de atitudes e
valores propostos pelo Evangelho, aquela que é construída e constituída sobre a
fé em Cristo Jesus. No seu fundamento está o amor do casal que supõe as
condições normais e as exigências para inauguração de qualquer vida conjugal:
amor, responsabilidade, comunidade de vida. Ela reveste-se, no entanto, de
diferente iluminação. Seus membros são de Cristo e querem ser mais dele.
Morreram a si mesmos pelo Batismo e vivem numa célula de Igreja na Igreja. É
por tudo isso, que o matrimônio é sinal do mistério nupcial de Cristo com a
Igreja que se entrega ao amor do Pai na unidade do Espírito Santo.
O Papa Paulo VI chamava a família cristã de Igreja doméstica,
lugar onde se aprende o amor a Deus, a conviver e os valores cristãs. O
texto-base da Campanha da Fraternidade de 1994, rezava: “A expressão
Igreja doméstica designa a realidade mais profunda do casal e da família e se
tornou expressão muito frequente em documentos recentes do Magistério para
caracterizar a identidade mais profunda da família cristã. A exemplo da Igreja,
ela é chamada a ser santuário da vida, que acolhe, vive, celebra e anuncia a
Palavra de Deus. É ainda santuário onde se edifica a santidade e a partir de
onde a Igreja e o mundo podem ser santificados. Lá se celebra e se anuncia a
Palavra, se vive a vivência da reconciliação pelo perdão mútuo. Destarte, a
família, através das quatro facetas do amor humano reproduz as quatro
experiências de vida da própria Igreja: experiência de Deus como Pai,
experiência de Cristo como irmão, experiência de filhos em, com e pelo
Filho, experiência de Cristo como esposo da Igreja” ( Campanha da
Fraternidade/ 1994, n. 176).
Ninguém é coisa no seio das famílias, todos possuem sua
identidade. Pessoas se encontram com pessoas. Pais, filhos, avós, esposos,
todos procuram viver relacionamentos fraternos no reconhecimento do diferente
sem indiferença. Ali vidas se interpenetram, ou seja, cultivam a inteligência,
fortalecem a vontade e nutrem afetos. E essa célula se irradia para fora como
matriz da sociedade. Nada de familismo, nada de famílias guetos, mas
comunidades vigorosas que não se deixam enredar pelo consumismo, pelo hedonismo
e pelo relativismo. Essas famílias assim solidificadas poderão fazer de sorte
que as novas gerações não sejam joguetes do acaso e de uma sociedade sem
sentido.
Mais do que nunca está em jogo a identidade de comunidade
cristã. A mídia bombardeia com informações incompletas as consciências ainda em
formação dos nossos jovens. Priva-lhes o acesso a verdade por meio de ilusões
novelescas, manobrada diabolicamente para vender uma cultura relativista e
pouco humanizada, onde a família não garante segurança, mas apenas consiste num
espaço de possessivos domínio do mais forte.
Construamos
nossas famílias e pastorais moldados na sociedade do amor e da paz,
conscientes que, a grande contribuição do cristianismo para pós-modernidade é
exatamente a fidelidade ao mistério de Cristo, sempre atual nas pessoas, que
tomando sua cruz sinceramente não se cansam de afirmar: Ele é o Caminho, a
Verdade e a Vida!
Perguntas:
1. Na família acontecem as
primeiras experiências da vida, que tanta importância tem na configuração da
maneira pessoal de se situar no mundo. Como você ver essa desvalorização da
experiência familiar no desenvolvimento humano-cristão?
2. Nada de familismo, nada de famílias
guetos, mas comunidades vigorosas que não se deixam enredar pelo consumismo,
comunidade familiar onde reine comunhão. Como contribuir para isso acontecer
em sua casa?
Pe. Fantico Borges, CM
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