sábado, 12 de agosto de 2017

Homilia do Pe. Fantico Borges – XIX domingo do tempo comum ano A.

Homilia do Pe. Fantico Borges – XIX domingo do tempo comum ano A.

Passar do medo ao temor

Neste domingo, o XIX do tempo comum, a liturgia da Palavra vem nos falar como Deus se revela a humanidade nas horas mais difíceis da vida. Muitas vezes não confiamos na simplicidade do agir de Nosso Senhor. Pensamos num Deus poderoso, ao molde mundano. Procuramo-lo nos grandes acontecimentos, em espetáculo grandioso. Mas ele vem simples, como uma brisa, um murmúrio que sopra.  A Escritura fala-nos de um Deus que é grande demais, misterioso demais, inesperado e surpreendente demais para que possamos enquadrá-lo na nossa lógica e no nosso modo de pensar.
Em muitas épocas, especialmente na modernidade e pos-modernidade, o ser humano quis enquadrar Deus entro de um esquema subjetivo e limitado. O resultado foi sempre a perda de referencial transcendente, restando o subjetivismo possessivo como imperativo no agir social.  Um tentação para o homem é achar que pode compreender o Senhor, enquadrar seu modo de agir e dirigir o mundo com a nossa pobre e limitada lógica… Mas, o Deus verdadeiro, o Deus que se revelou a Israel e mostrou plenamente o seu Rosto em Jesus Cristo, não é assim! Ele é mistério que se abre e deixar-se penetrar sem esvaziar seu núcleo.
Na primeira leitura deste domingo Elias após tentar fugir de Deus no deserto, encontra-se diante do convite do Senhor de encontra-Lo. Mas Javé deseja que Elias entenda de quem é a vitória, quem venceu os falsos deuses. Mostra-lhe na gruta que o poder divino se realiza livremente e somente a Ele pertence. Pensemos nesta cena em que Elias, em crise, fugindo de Jezabel, caminha para o Horeb; ele quer encontrar suas origens, as fontes da fé de Israel. Recordem que o Horeb é o mesmo monte Sinai, a Montanha de Deus. Elias tem razão: nos momentos de dúvida, de crise, de escuridão, é indispensável voltar às origens, às raízes de nossa fé; é indispensável recordar o momento e a ocasião do nosso primeiro encontro com o Senhor e nele reencontrar as forças, a inspiração e a coragem para continuar. Pois bem, Elias volta ao Horeb procurando Deus. Lembrem que no caminho ele chegou a desanimar e pedir a morte: “Agora basta, Senhor! Retira-me a vida, pois não sou melhor que meus pais!” (1Rs 19,4). No entanto, o Senhor o forçou a continuar o caminho: “Levanta-te e come, pois tens ainda um longo caminho” (1Rs 19,7). Pois bem, Elias caminhou, teimou em procurar o seu Deus, mesmo com o coração cansado e em trevas; assim, chegou ao Monte de Deus! Mas, também aí, no seu Monte, Deus surpreende Elias – Deus sempre nos surpreende! O Profeta espera o Senhor e o Senhor se revela, vai passar… Mas, não como Elias o esperava: não no vento impetuoso que força tudo e destrói tudo quanto encontra pela frente, não no terremoto que coloca tudo abaixo, não no fogo que tudo devora… Eis: três fenômenos que significam força, que causam temor, que fazem o homem abater-se… E o Senhor não estava aí. Elias teve de reconhecê-lo, de descobrir sua Presença no murmúrio da brisa suave! – Ah, Senhor! Como teus caminhos são imprevisíveis! Quem pode te reconhecer senão quem a ti se converte? Quem pode continuar contigo se pensar em dobrar-te à própria lógica e à própria medida? Tu és livre demais, grande demais, surpreendente demais! Não há Deus além de ti; tu, que convertes e educas o nosso coração!
A lição que fica de Elias é que precisamos olhar com os olhos espirituais, com o coração e a alma voltada para o céu. Sem um olhar atento, que só obtém-se na oração persistente, não se chegará ao profundo reconhecimento de Deus e a uma experiência verdadeiramente mística.   
Esta experiência mística de estar com Jesus e se alimentar de seu pão requer uma travessia nas sendas da mortificação. Sem atravessar o mar e ir para o outro lada não se alcança a salvação que constitui a visão beatifica.
Para alcançar tal meta Jesus ensina o caminho: mister subir ao monte e lá ficar horas rezando com Deus sós.   São João da Cruz já aludindo sobre essa subida diz: é preciso vencer as paixões, os desejos e as vontades. Eis a subida ao monte Carmelo. Também sobre esse tema ensina Santo Evágrio que a oração requer esforço e persistência. Orar é sair de si e entrar numa dimensão teológica onde o cronológico perde o sentido. Nesta ascensão ao monte de Deus tem-se muitas barreiras para lutar. O evangelho alude duas: o medo e a fraqueza da fé. Ensina Santo Tomas de Aquino que o medo é próprio dos vícios, e, portanto do demônio (Suma Teológica I, 6 ). Pelo medo o homem deixa de sonhar, estagna e morre. O medo aniquila a confiança e põe fim a missão. Daí Santo Tomás afirmar que o medo cega.  A outra barreira a ser transposta é a fraqueza de fé. A fé se torna fraca quando é negligenciada a oração. A fé não nasce da oração, mas se alimenta nela. A fé é um ato livre e confiante de lançar-se nas mãos de Deus. Porém, a fortaleza da fé não se nutre senão da oração. Bem lembra Orígenes no comentário ao Evangelho de Mateus, que Jesus não chama Pedro de incrédulo, mas de fraco na fé. Não é que Pedro fosse infiel, incrédulo, mas que sua fé ainda não tinha fortalecido ao ponto de não duvidar.
A dúvida paira os corações vacilantes e ausente de Deus. Por isso, reforça-se no evangelho a oração e a intimidade com Jesus. Diz Mateus que ao entrar na barca o mar acalmou e todos prostraram-se diante de Jesus e afirmaram: verdadeiramente tu és o Filho de Deus. Prostrar-se é o mesmo que rezar diante dele. No Evangelho de hoje Jesus vai rezar. Para que Jesus reza? Ele não é Deus? Jesus tem necessidade de rezar? Não! É para nos mostrar o caminho para encontrar Deus e reconhece-lo na suavidade da brisa do seu Espirito. Essa é a angustia de Paulo: seus coetâneos não reconheceram Jesus, Filho de Deus. Não subiram ao monte calvário e assim não enxergaram o Senhor da vida. Justo aqueles para os quais Jesus foi prometido.   
Não basta cumprir normas e preceitos rituais, não basta entregar os bens aos pobres, não basta colocar o corpo em chamas. Precisa estar aos pés do Mestre, subir a montanha com Ele, enfrentar as ondas revoltas da vida, encarar as provações ate chegar a cruz para com Ele nascer de novo. Só a oração constante, simples e piedosa pode transformar o medo em temor, a dúvida em fé comprovada.

Pe. Fantico Borges, CM   

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C) Um homem vem a Jesus pedindo que diga ao irmão que reparta consigo a herança. Depois ...