Homilia do Pe. Fantico Borges – XIX domingo do tempo comum ano A.
Passar do medo ao temor
Neste domingo, o XIX do tempo
comum, a liturgia da Palavra vem nos falar como Deus se revela a humanidade nas
horas mais difíceis da vida. Muitas vezes não confiamos na simplicidade do agir
de Nosso Senhor. Pensamos num Deus poderoso, ao molde mundano. Procuramo-lo nos
grandes acontecimentos, em espetáculo grandioso. Mas ele vem simples, como uma
brisa, um murmúrio que sopra. A
Escritura fala-nos de um Deus que é grande demais, misterioso demais,
inesperado e surpreendente demais para que possamos enquadrá-lo na nossa lógica
e no nosso modo de pensar.
Em muitas épocas, especialmente na
modernidade e pos-modernidade, o ser humano quis enquadrar Deus entro de um
esquema subjetivo e limitado. O resultado foi sempre a perda de referencial transcendente,
restando o subjetivismo possessivo como imperativo no agir social. Um tentação para o homem é achar que pode
compreender o Senhor, enquadrar seu modo de agir e dirigir o mundo com a nossa
pobre e limitada lógica… Mas, o Deus verdadeiro, o Deus que se revelou a Israel
e mostrou plenamente o seu Rosto em Jesus Cristo, não é assim! Ele é mistério que
se abre e deixar-se penetrar sem esvaziar seu núcleo.
Na primeira leitura deste domingo
Elias após tentar fugir de Deus no deserto, encontra-se diante do convite do
Senhor de encontra-Lo. Mas Javé deseja que Elias entenda de quem é a vitória,
quem venceu os falsos deuses. Mostra-lhe na gruta que o poder divino se realiza
livremente e somente a Ele pertence. Pensemos nesta cena em que Elias, em
crise, fugindo de Jezabel, caminha para o Horeb; ele quer encontrar suas
origens, as fontes da fé de Israel. Recordem que o Horeb é o mesmo monte Sinai,
a Montanha de Deus. Elias tem razão: nos momentos de dúvida, de crise, de
escuridão, é indispensável voltar às origens, às raízes de nossa fé; é
indispensável recordar o momento e a ocasião do nosso primeiro encontro com o
Senhor e nele reencontrar as forças, a inspiração e a coragem para continuar.
Pois bem, Elias volta ao Horeb procurando Deus. Lembrem que no caminho ele
chegou a desanimar e pedir a morte: “Agora basta, Senhor! Retira-me
a vida, pois não sou melhor que meus pais!” (1Rs 19,4). No entanto,
o Senhor o forçou a continuar o caminho: “Levanta-te e come, pois tens
ainda um longo caminho” (1Rs 19,7). Pois bem, Elias caminhou,
teimou em procurar o seu Deus, mesmo com o coração cansado e em trevas; assim,
chegou ao Monte de Deus! Mas, também aí, no seu Monte, Deus surpreende Elias –
Deus sempre nos surpreende! O Profeta espera o Senhor e o Senhor se revela, vai
passar… Mas, não como Elias o esperava: não no vento impetuoso que força tudo e
destrói tudo quanto encontra pela frente, não no terremoto que coloca tudo
abaixo, não no fogo que tudo devora… Eis: três fenômenos que significam força,
que causam temor, que fazem o homem abater-se… E o Senhor não estava aí. Elias
teve de reconhecê-lo, de descobrir sua Presença no murmúrio da brisa suave! –
Ah, Senhor! Como teus caminhos são imprevisíveis! Quem pode te reconhecer senão
quem a ti se converte? Quem pode continuar contigo se pensar em dobrar-te à
própria lógica e à própria medida? Tu és livre demais, grande demais,
surpreendente demais! Não há Deus além de ti; tu, que convertes e educas o
nosso coração!
A lição que fica de Elias é que
precisamos olhar com os olhos espirituais, com o coração e a alma voltada para
o céu. Sem um olhar atento, que só obtém-se na oração persistente, não se
chegará ao profundo reconhecimento de Deus e a uma experiência verdadeiramente mística.
Esta experiência mística de estar
com Jesus e se alimentar de seu pão requer uma travessia nas sendas da
mortificação. Sem atravessar o mar e ir para o outro lada não se alcança a salvação
que constitui a visão beatifica.
Para alcançar tal meta Jesus
ensina o caminho: mister subir ao monte e lá ficar horas rezando com Deus sós. São João
da Cruz já aludindo sobre essa subida diz: é preciso vencer as paixões, os
desejos e as vontades. Eis a subida ao monte Carmelo. Também sobre esse tema
ensina Santo Evágrio que a oração requer esforço e persistência. Orar é sair de
si e entrar numa dimensão teológica onde o cronológico perde o sentido. Nesta ascensão
ao monte de Deus tem-se muitas barreiras para lutar. O evangelho alude duas: o
medo e a fraqueza da fé. Ensina Santo Tomas de Aquino que o medo é próprio dos vícios,
e, portanto do demônio (Suma Teológica I, 6 ). Pelo medo o homem deixa de
sonhar, estagna e morre. O medo aniquila a confiança e põe fim a missão. Daí Santo
Tomás afirmar que o medo cega. A outra
barreira a ser transposta é a fraqueza de fé. A fé se torna fraca quando é
negligenciada a oração. A fé não nasce da oração, mas se alimenta nela. A fé é um
ato livre e confiante de lançar-se nas mãos de Deus. Porém, a fortaleza da fé não
se nutre senão da oração. Bem lembra Orígenes no comentário ao Evangelho de
Mateus, que Jesus não chama Pedro de incrédulo, mas de fraco na fé. Não é que Pedro
fosse infiel, incrédulo, mas que sua fé ainda não tinha fortalecido ao ponto de
não duvidar.
A dúvida paira os corações
vacilantes e ausente de Deus. Por isso, reforça-se no evangelho a oração e a
intimidade com Jesus. Diz Mateus que ao entrar na barca o mar acalmou e todos
prostraram-se diante de Jesus e afirmaram: verdadeiramente tu és o Filho de Deus.
Prostrar-se é o mesmo que rezar diante dele. No Evangelho de hoje Jesus vai
rezar. Para que Jesus reza? Ele não é Deus? Jesus tem necessidade de rezar? Não!
É para nos mostrar o caminho para encontrar Deus e reconhece-lo na suavidade da
brisa do seu Espirito. Essa é a angustia de Paulo: seus coetâneos não reconheceram
Jesus, Filho de Deus. Não subiram ao monte calvário e assim não enxergaram o
Senhor da vida. Justo aqueles para os quais Jesus foi prometido.
Não basta cumprir normas e
preceitos rituais, não basta entregar os bens aos pobres, não basta colocar o
corpo em chamas. Precisa estar aos pés do Mestre, subir a montanha com Ele,
enfrentar as ondas revoltas da vida, encarar as provações ate chegar a cruz
para com Ele nascer de novo. Só a oração constante, simples e piedosa pode transformar
o medo em temor, a dúvida em fé comprovada.
Pe. Fantico Borges, CM
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