Homília da Sexta-Feira Santa
A liturgia desta Sexta-feira Santa tem
como ponto alto a cruz de Jesus. Diz São Leão Magno: “Que a nossa inteligência, iluminada pelo
Espírito da Verdade, acolha, com o coração puro e liberto, a glória da cruz que
se irradia pelo céu e a terra”. O mesmo santo nos diz que a santa cruz “é fonte
de todas as bênçãos e origem de todas as graças. Por ela, os que creem recebem
na sua fraqueza a força; na humilhação, a glória; na morte, a vida”. Cantemos,
nós também, a glória da Santa Cruz.
O centro, é
portanto a mensagem que o Cristo, nossa páscoa foi imolado por nossos pecados.
O Justo pelos injustos, o Santo pelos pecadores. O filho unigênito pelos filhos
desobedientes. A sexta feira Santa revela o inefável amor de Deus pela criação.
A obediência do Filho recompõe o que outrora nossa desobediência fizera perder:
“Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que
sofreu. Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para
todos os que lhe obedecem”. Esta hodierna Liturgia é solene e dramática. Altar
desnudo cruzes veladas na igreja, nenhum ornamento... Quase não há palavras
para exprimir o estupendo mistério que se celebrará: o eterno Filho, Deus
santo, vivo e verdadeiro, na tarde sacratíssima desta sexta-feira, por nós se
entregou ao Pai, em total obediência, até à morte, e morte de cruz! Para
contemplar o mistério celebrado, tomemos, então, com temor e tremor, as
palavras da Epístola aos Hebreus, que apresenta-nos no inicio: “Mesmo sendo
Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que sofreu”. Eis
aqui uma realidade que jamais poderemos compreender totalmente! O Filho eterno,
o Filho que vive sempre na intimidade do Pai, o Filho infinitamente amado pelo
Pai, no seu caminho neste mundo, aprendeu a descobrir, cada dia, a vontade do
seu Pai e a ela obedecer! Mais ainda: esta obediência lhe custou lágrimas,
fê-lo sofrer!
Queres
conhecer o poder do sangue de Cristo? Voltemos às figuras que o profetizaram e recordemos
a narrativa do Antigo Testamento: Imolai, disse Moisés, um cordeiro de um ano e
marcai as portas com o seu sangue (cf. Ex 12,6-7). Que dizes, Moisés? O sangue
de um cordeiro tem poder para libertar o homem dotado de razão? É claro que
não, responde ele, não porque é sangue, mas por ser figura do sangue do Senhor.
Se agora o inimigo, ao invés do sangue simbólico aspergido nas portas, vir
brilhar nos lábios dos fiéis, portas do templo dedicado a Cristo, o sangue
verdadeiro, fugirá ainda mais para longe.
Queres
compreender mais profundamente o poder deste sangue? Repara de onde começou a correr
e de que fonte brotou. Começou a brotar da própria cruz, e a sua origem foi o
lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o
evangelista, um soldado aproximou-se, feriu-lhe olado com uma lança, e
imediatamente saiu água e sangue: a água,como símbolo do batismo; o sangue,
como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma
brecha na parede do templo santo, e eu, encontrando um enorme tesouro, alegro-me
por ter achado riquezas extraordinárias. Assim aconteceu com este cordeiro. Os judeus
mataram um cordeiro e eu recebi o fruto do sacrifício.
De seu lado
saiu sangue e água (Jo 19,34). Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade
o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico
e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da
eucaristia. Foi destes sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da
regeneração e pela renovação no Espírito Santo, isto é, pelo batismo e pela
eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a Igreja de seu
lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa. Por
esta razão, a Sagrada Escritura, falando do primeiro homem, usa a expressão osso
dos meus ossos e carne da minha carne (Gn 2,23), que São Paulo refere, aludindo
ao lado de Cristo. Pois assim como Deus formou a mulher do lado do homem,
também Cristo, de seu lado, nos deu a água e o sangue para que surgisse a
Igreja. E assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também
Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono de sua morte. Vede como Cristo
se uniu à sua esposa, vede com que alimento nos sacia. Do mesmo alimento nos
faz nascer e nos nutre. Assim como a mulher, impulsionada pelo amor natural,
alimenta com o próprio leite e o próprio sangue o filho que deu à luz, também
Cristo alimenta sempre com o seu sangue aqueles a quem deu o novo nascimento.
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