sábado, 21 de janeiro de 2012

Uma abordagem antropológico-cristã do termo cultura.


A cultura nasce das experiências concretas da realidade. Nenhuma cultura nasce em laboratório, desassociada da vida e do chão das relações humano-social. Ela nasce do chão da vida das pessoas, nasce naquilo que Eunice Ribeiro Durham chama de “nível da realidade”.[1] É a partir do comportamento do grupo, ou seja, da ação social, que se formam as culturas. É, portanto pelo fluxo do comportamento social que as formas culturais encontram articulação.
Assim, cultura nasce de um processo de observação e interpretação, que busca descobrir o significado e o sentido dos fatos humanos e a relação que tais fatos possuem com a vida concreta dos povos em questão. Como afirma Clifford Geertz, mais que analisar dados, limitar ações, definir conceitos, o antropólogo busca construir um debate pertinente sobre um determinado foto ou conjunto de fatos que incide na vida de um povo; a isso ele chama de cultura.[2]
Por isso não existe um cultura, mas uma diversidade de culturas. Cada povo com seus costumes, sua geografia, suas crenças, etc, formam um quadro diversos com códigos socialmente estabelecidos. Neste campo da diversidade de culturas podemos notar que cada grupo, possuindo seu jogo cultural e sendo esse conjunto social aceito pelo grupo, forma a realidade essencial da cultura na sua elementar concretude de vida, ou seja, quem faz cultura enquanto tal, isto é, cultura de primeira mão, não é o antropólogo, mas próprio “nativo”, para usar aqui o termo de Clifford Geertz.[3]
Na dinâmica das culturas elas estão sempre em profunda transformação, pois uma vez que o escopo da cultura é o comportamento social, ela está sempre sujeita a variação e transformações, próprias da vida e do contexto humano da linguagem. Como a cultura é sempre uma interpretação na busca de captar o sentido e o significado das ações sociais na vida concreta do grupo social, ela está inexoravelmente em continua mudança e transformação. Essa transformação acontece porque as manifestações culturais são heterogêneas. Ao de uma “cultura de massa”, há um processo de reelaboração de significados que, às vezes, respeita a própria identidade e diversidade cultural.[4] Por isso, um modelo antropológico que entrever cultura como um conjunto fixo de axiomas e conceitos, desconectado da realidade vivencial pode trazer graves prejuízos e o forte perigo de se tornar regra vazia e norma que não responde a nada.
O que se deve verificar numa pesquisa cultural é a correlação entre a ação social e seu impacto na vida prática do povo. Daí que não se pode abordar uma cultura, tratando-a como objeto puro de análise. Como também não se pode abordá-la superficialmente, é mister, penetrar na cultura, na vida concreta da realidade existencial do povo. “A análise da cultura de uma formação social exige uma reconstituição da realidade, que é elaborada a partir da consciência que dela têm os portadores da cultura”.[5] Ninguém analisa uma cultura, comensurando-a e limitando-a para verificar suas partes e seus nexos. Como afirma Clifford Geertz, o antropólogo não estuda a aldeia, o povo, o país, ele estuda na aldeia, no meio do povo, no país. Portanto a abordagem é sempre a de inserir-se no meio do grupo. “O que procuramos, no sentido mais amplo do termo, que compreende muito mais que simplesmente falar, é conversar com eles... é o alargamento do discurso humano”[6]
Por tudo isso, que foi dito, podemos nos perguntar: até que ponto uma cultura limita ou possibilita o conhecimento humano? Ora, como afirma Clifford Geertz, uma cultura pode limitar na medida em que ele nunca é atingível na sua forma mais pura, todo alcance da cultural de um grupo para outro é sempre interpretações a partir de elementos que lhe são transmitidos. Isso por si já impossibilita um contato de primeira mão, por exemplo, eu posso estudar e pesquisar de diversos ângulos a cultura cearense, mas somente um cearense pode vivê-la plenamente; a cearensidade é algo intransponível só um cearense vive-a na sua cearensidade a cultura cearense. Assim, isso poderia caracterizar uma limitação, porém essa mesma limitação pode apresentar-se como outra característica do ser humano, a saber, a sua complexidade. O homem e a mulher, é como afirma, o teólogo Leonardo Boff, um ser de abertura, um nó de relações, voltado em todas as direções. É um ser em potencialidade permanente, um ser utópico, que é sempre carente de um algo mais. Nas palavras de Leonardo Boff o ser humano é um projeto infinito.[7]
Por ser um ser aberto e sempre em processo a cultura possibilita tanto uma abertura como uma limitação epistemológica. Na limitação a cultura pode fecha o ser humano em padrões fixos, criar uma falsa imagem de culturas superiores e inferiores e por fim limitar a criatividade humana em alguns casos. Por outro lado, ela pode abrir o ser humano ao conhecimento de que existem outras maneiras de viver a mesma experiência em outro prisma.
Como tentamos demonstrar a cultura é muito mais que um aglomerado de conceito, é um olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum, ligado-a inevitavelmente com a vida para, a partir da interpretação, mergulhá-la dentro do conjunto das relações social de um povo. Assim não existe uma cultura superior e outra inferior como apresentava a antiga antropologia tradicional, que por muito tempo concebeu a heterogeneidade cultural em termo de subculturas relativamente coerente e autônoma em detrimento de uma cultura erudita pertencente à classe dominante.
Atualmente corre-se o perigo, e isso é verdade, da uniformização cultural por meio da chamada “cultura de massa”, que destruí as barreiras culturais antes bem definidas, nas quais permitiam a elaboração das subculturas. Tal fenômeno trata-se de uma “indústria cultural”, que tenta definir padrões culturais que responda as necessidades do conjunto da população. Há uma verdadeira manipulação do simbólico, e às vezes, uma apropriação indevida de elementos culturais, sacados de seu contexto original e reelaborados como uma macro cultura, oferecem respostas a tudo.
Neste contexto sofre, especialmente, a cultura cristã que nasce da vivência de fé dos seguidores de Jesus; daqueles que imitando o Mestre imprimem no mundo um modo de ser e de viver. O selo da cultura cristã é sintonia entre amor e vida. A prática de vida cristã que, por sua vez, gera a cultura toma forma na exigência da solidariedade e da hospitalidade sinais indelével da cultura que jaz do cristianismo. Assim, fica evidente que cultura cristã não é abstratismo ilusionista alienante, mas real, concreto e exigente. A cultura do cristianismo é o amor que gera a paz.
[1] Cf. DURHAM, Eunice Ribeiro, A Dinâmica Cultural na Sociedade Moderna, IN Ensaios de Opinião n.4 1997 – e Arte em Revista, n. 3 – p. 01.
[2] Cf. GEERTZ, Clifford, A Interpretação das Culturas, pp. 14-15.
[3] Cf. GEERTZ, Clifford, A Interpretação das Culturas, p.25.
[4] Cf. DURHAM, Eunice Ribeiro, A Dinâmica Cultural na Sociedade Moderna, IN Ensaios de Opinião n.4 1997 – e Arte em Revista, n. 3 – p. 04.
[5] DURHAM, Eunice Ribeiro, A Dinâmica Cultural na Sociedade Moderna, IN Ensaios de Opinião n.4 1997 – e Arte em Revista, n. 3 – p. 02.
[6] GEERTZ, Clifford, A Interpretação das Culturas, p. 24.
[7] Cf. BOFF, Leonardo, Tempo de Transcendência: o Ser Humano como um Projeto Infinito, Sextante, Rio de Janeiro, 2000, pp. 36-37.

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