segunda-feira, 26 de abril de 2010

LITURGIA DAS HORAS: A MEMÓRIA DE CRISTO AO LONGO DO DIA



Resumo

A liturgia das Horas é um método de oração que nos coloca em horas determinadas em comunhão com Cristo e, assim, nos mantém imersos no seu mistério pascal, Tem sua fonte na tradição judaica, que a cada três horas costuma fazer, através do canto dos salmos, a memória de Deus Criador, a fim de reforçar os compromissos da Aliança. A Igreja primitiva seguiu a mesma intuição, direcionando-a a Cristo. Mas foi, aos poucos, transformando esta oração preciosa de todos os cristãos em uma oração de alguns membros seletos, ligados geralmente à vida sacerdotal, monástica ou consagrada. A reforma do Concílio Vaticano II restaurou a liturgia das Horas e pretende que seja devolvida a todos os fiéis.

Palavras chave: mistério, luz, tempo, oração, salmos.


Abstract

The Liturgy of Hours is a method of prayer, which allocates certain hours in communion with Christ, and thus, keep us immersed in his paschal mystery. It has its origin in the Jewish tradition, which, at every three hours, makes, through the singing of the psalms, the memory of God the Creator, in order to reinforce the commitments of the Covenant. The primitive Church followed the same intuition, directing it to Christ. Nevertheless, little by little, this precious prayer of all Christians has been transformed into a prayer of some selected members, connected, in general, with the priestly, monacal or consecrated life. The reformation of the Vatican II Council restored the Liturgy of Hours, and intends that it be returned to all faithful

Cantar as maravilhas de Deus através dos salmos

Entre outras finalidades, certamente os textos bíblicos foram escritos para serem proclamados na Liturgia. Há um livro, porém, o Saltério, que foi escrito para ser cantado pelo Povo de Deus em memória das maravilhas da Salvação. Estas maravilhas são páscoas realizadas nos momentos em que as forças humanas se esgotam e o homem se encontra no seu limite. Só uma intervenção de Deus poderia salvá-lo. Assim foi com o Êxodo, que a é maravilha mais visível e simbólica do Antigo Testamento, pela qual Israel atravessou o Mar Vermelho a pé enxuto rumo à Terra Prometida, quando estava encurralado entre o mar e o poderoso exército do Faraó, arrependido de ter deixado o povo sair do Egito. Se não fosse a intervenção de Deus, Israel teria sucumbido ali.
Então, as maravilhas representam sempre uma passagem libertadora, uma páscoa de salvação.
O Saltério é composto de 150 salmos. São canções litúrgicas que expressam o louvor, a gratidão, as súplicas ou os gemidos de quem precisa ser salvo. Há salmos de súplica que representam situações em que a pessoa está prostrada diante de uma doença grave, um julgamento iníquo, um deságio carregado de solidão e desespero, às vezes motivado pelo próprio pecado, etc.
Os salmos são o principal conteúdo da Liturgia das horas, tendo como contorno cantos bíblicos, leituras bíblicas, patrísticas, dos santos, do magistério, com seus responsórios.[1]

Porque Liturgia das Horas?

Chama-se liturgia das Horas, porque se trata de uma oração em momentos determinados ao longo do dia, para santificá-lo e consagrá-lo como realidade fundamental da nossa existência. Na sua alternância de luz e trevas, o dia nos dá a noção básica do tempo. Cada dia vivido é uma chance ímpar que não convém desperdiçar: ensinai-nos a contar nossos dias, para que tenhamos um coração sábio (Sl 90, 12).
O dia representa ao mesmo tempo a força e a fragilidade humanas. Cada amanhecer é um dom da vida, uma graça ofertada. Viver cada dia nos dá a noção do provisório de uma existência de peregrinação em busca de algo que se esconde atrás do horizonte e se ofusca nas brumas da noite, mas renasce em cada amanhecer. É como um sonho bom que insinua em cada gesto de comunhão, ensaio saboroso do que experimentaremos no futuro em plenitude.
Então, viver é um dom recebido, que de tão gratuito torna-se uma missão e compromisso. Viver é uma aventura que recomeça a cada dia.
Como a luz é o fator preponderante que nos fascina e representa a energia cósmica e ecológica que sustenta a vida, tornou-se símbolo da vida e da fé. No tempo, o dia é interrompido pela noite. Mas na nossa relação com Deus não pode haver interrupção. A Bíblia diz que devemos orar sem interrupção. Esta tese é muito desenvolvida no Novo Testamento: Orai sem cessar (1Tes, 5,17; 1, 1; 2,13; Lc 18,1; Rm 1,10; 12,12; Ef 6,18; Fl 1, 3-4; 4,6; Cl 1,3; 4,2; 2Ts 2,8; 5,5; 2Tm 1,3).
Uma forma de se interpretar esta oração contínua é a liturgia das Horas, pois no decorrer do dia, a Igreja e cada cristão vão desfilando suas preces como um rosário ininterrupto. Hoje sabemos que o dia, teoricamente dividido em 24 horas corresponde ao movimento de rotação que a terra faz em torno da linha dos seus pólos exatamente em 23 horas, 56 minutos e 4 segundos. Interessante notar que esta rotação se faz de oeste para leste, isto é, versus oriente, direção em que se inspira a oração, já que o nosso Salvador veio do Oriente. Até parece que a terra mesma executa o seu movimento vital sempre em direção do Oriente, atraída pelo sol, símbolo maior de Cristo, como uma oração sem interrupção. Por isso é que uma vida de oração é orientada, isto é, voltada para o Oriente de onde nos proveio da salvação.

As horas canônicas da oração.

As horas canônicas ou consagradas para a oração são as horas tradicionais das preces litúrgicas à base dos salmos. Conforme sua origem judaica, constituem o horário ternário, ou seja, a alternância de três em três horas, que substancialmente dividem o dia entre oração e trabalho: 6 horas da manhã (primeira hora), 9 horas da manhã (hora terceira), meio dia (hora sexta), três horas da tarde (hora nona) e 6 horas da tarde (hora décima segunda). A forma mais simplificada de cumprir este esquema é fazer a oração da manhã, do meio dia e da tarde.
A Igreja primitiva continuou o costume hebraico de rezar de três em três horas para fazer memória do mistério de Cristo e, assim manter-se sempre orientada ao longo do tempo. Suposto que a primeira hora da oração é pelas seis da manhã, os Apóstolos aparecem fazendo também a oração das nove horas (At 2,15), que foi justamente quando ocorreu o Pentecostes (At 2,15), do meio dia (10,9), das três horas da tarde, também conhecida como a hora do sacrifício vespertino (At 3,1). Certamente rezavam no momento que correspondia ao lucernário do Templo, onde o acendimento das luzes representava a iluminação interior diante das trevas da noite.
No século III, em Roma, a tradição de orar de três em três horas, inclusive à meia noite, estava não só assimilada, mas reforçada teologicamente. O documento que nos relata isto é a Tradição Apostólica de Hipólito (TA)[2]. Hipólito teria sido um zeloso defensor da tradição litúrgica das origens. Então, ele não só recomenda a oração das Horas, mas a associa aos aspectos do mistério de Cristo.
No século IV, Santo Atanásio e São Crisóstomo mencionam o Ofício Divino como uma oração oficial feita nos mosteiros em seis momentos diferentes. No Oriente (Belém) se introduziu a hora Prima nesta época.[3]
Então, o dever de orar ao longo do dia foi sendo considerado pela Igreja como um ministério (ofício) dos monges e clérigos para que o louvor e adoração a Deus não cessassem no tempo. Tornou-se, então, um Ofício Divino.
Então, tínhamos já ganhos e perdas. O principal ganho era uma estrutura mais elaborada desta oração e a mais grave perda foi o afastamento paulatino dos fiéis leigos. Agora era uma oração que a Igreja elevava a Deus por intermédio dos seus ministros e não mais de todo o povo batizado.
O maior avanço na sua estrutura deu-se no século VI, com a vida monástica intuída por S. Bento. O Ofício constituiu-se de oito horas canônicas, a saber, Matinas, Laudes, Prima, Tércia, Sexta, Noa, Vésperas, Completas. Por trás desta visão está a prática das vigílias e a intuição das 24 horas do dia, divididas em oito momentos de oração. Não que isso fosse planejado, mas a prática foi construindo este esquema. Então, as doze horas do dia foram divididas em quatro horas menores: Prima, Tércia, Sexta e Noa. As Matinas estão muito próximas das laudes. Não se sabe bem porque ficaram separadas. Parece que vem do costume romano de desde meia noite se fazer quatro trocas de sentinelas. As matinas representariam as três primeiras e as laudes, a última. Nesta prática está reforçada a idéia de que os cristãos são os soldados de Cristo, sempre de pé, em vigília para o combate contra as trevas. De fato, as matinas representavam o momento mais denso da oração da manhã, e as laudes, o encerramento de louvor. A reforma do Concílio Vaticano II chamou esta primeira hora simplesmente laudes.
A hora Prima surgiu no século IV como a oração da manhã pelos monges de Belém, porque depois das matinas eles voltavam a repousar ainda um pouco. Então, na verdade, as matinas acabavam sendo realizadas de madrugada e a oração da manhã era realizada na primeira hora do dia (prima). Aos poucos, a matina se transformou em um ofício noturno de oração.
Este refinamento estrutural da liturgia das Horas comporta já uma complexidade que se aproxima da complicação. Ninguém pode viver as 24 do dia realizando interrupções para a oração a cada três horas, sobretudo à noite. No entanto, é preciso não perder a mística da interrupção das atividades diurnas para orar em tempos determinados.
Por isso, no século XII se começou a falar em Oficio mais abreviado e em um livro que o pudesse conter. Este livro foi chamado de breviário. Ele continha, portanto, as partes principais do Ofício da Igreja com muitas abreviações. Era, no entanto, só para clérigos, monges, religiosos e consagrados. Os fiéis leigos estavam completamente descartados desta prece fundamental do cristão.
É com este nome de Ofício Divino que a liturgia das Horas chegou até a reforma do Concílio Vaticano II, no início da década de 1960.
Na reforma do Concílio Vaticano II, se adotou o nome oficial de Liturgia das Horas. Se bem que Ofício Divino represente um ministério orante, a expressão Liturgia das Horas parece retomar aquela propriedade das origens, em que era entendida como oração de todos os fiéis cristãos.
As horas menores passaram a chamar-se de horas médias, sendo reduzidas a três: das nove horas, doze horas e quinze horas. A hora Prima foi suprimida, e a oração da manhã chamou-se simplesmente a oração de Laudes.
O Ofício de Matina ou noturnos transformou-se em Ofício de Leituras, e agora pode ser realizado em qualquer hora do dia ou da noite.

Rezar ao longo do dia.

Hipólito diz que pela manhã se deve rezar antes de começar qualquer trabalho (TA 41). Na estrutura da liturgia das Horas, a oração da manhã é chamada laudes, porque se define como momento de louvor a Deus pela vida e pelo dia.
Rezar antes de trabalhar é dar um golpe muito sutil, mas eficaz, na ideologia do trabalho.[4] O trabalho é uma ação boa em si, mas se endeusado, torna-se uma perigosa idolatria, que pode levar à aversão a Deus e ao narcisismo do encantamento pelas potencialidades humanas. Os padres do deserto, que surgem como comunidades dedicadas ao silêncio, à oração e ao trabalho, por volta do século IV, no Ocidente e um pouco antes no Oriente, têm um cuidado muito especial em levar uma vida de trabalho equilibrada. O trabalho pode ser motivo de louvor a Deus, mas também pode quebrar a comunhão do homem com o Transcendente e a relação plenamente humana consigo mesmo. Geralmente, a ideologia do trabalho se torna um instrumento de exploração das classes dominantes sobre as dominadas.
Um dos motivos da sede do povo de Deus de escapar da escravidão do Egito, era o sonho de organizar o seu tempo de acordo com a primazia do culto sobre o trabalho e da harmonia de ambos. A Deus o melhor tempo! Essa norma já estava infusa no projeto da Criação, quando tudo se direcionou para o descanso do sétimo dia, consumação da obra divina e plenitude do tempo.
Na Criação, o trabalho é o processo que vai dando vida aos seres, mas o objetivo final é o sétimo dia, o dia sem trabalho, dia de descanso e restauração. Descanso de Deus, que se tornou a inspiração e conteúdo para o descanso do homem. Este descanso assume no Novo Testamento o tom de santificação pela celebração.
Hipólito diz que quem reza antes de trabalhar poderá evitar a malícia do dia e não se esquecerá que é preciso freqüentar a comunidade eclesial, porque lá se recebe a santa instrução, se lê o Livro santo e o Espírito Santo floresce (TA 41). Então,

orar antes de trabalhar não é somente preparar o espírito para enfrentar o trabalho, mas também preparar-se para enfrentar um sistema, geralmente organizado de forma pagã, a fim de não entrar no roldão do consumo e da exploração. É pedir que o labor de nossas mãos não dê os frutos amargos do egoísmo e da ganância. É dispor-se a fazer a liturgia vivencial para que as horas trabalhadas, estejam em consonância com as horas rezadas e, neste intercâmbio, a salvação seja o fruto mais doce do trabalho humano como aperfeiçoamento da criação.[5]

Hipólito também diz que é preciso rezar às nove horas, embora neste momento as pessoas estejam em trânsito ou em seus trabalhos. No entanto, deve-se fazer uma prece no coração, porque nesta hora Cristo foi pregado no madeiro da Cruz. No Antigo Testamento, este era o momento em que se ofertavam os pães da proposição como símbolo do corpo e do sangue de Cristo. A imolação dos milhares de cordeiros no Templo era símbolo da imolação do único Cordeiro Perfeito, imolado na Cruz.
A associação das nove horas com a crucificação de Cristo se dá no Evangelho de Marcos: “era a terceira hora, quando crucificaram Jesus” (Mc 15, 25).
Mais tarde, a liturgia das Horas associa esta hora ao Espírito Santo, por causa do Pentecostes: “estes homens não estão embriagados como pensais, porque é apenas a terceira hora do dia” (At 2,15).
Os hinos da liturgia das Horas mostram claramente como esta hora está associada ao Pentecostes. Vejamos, por exemplo, no Tempo Comum:

Vinde Espírito de Deus,
com o Filho e com o Pai,
inundai a nossa mente,
nossa vida iluminai.
Queremos ser os templos
do Espírito Santo outrora
descido sobre os Doze
em chamas nesta hora.

Hipólito pede igualmente para se rezar ao meio dia (hora sexta), porque foi a hora da morte de Jesus, segundo S. Marcos, e recorda que nesta hora houve trevas sobre toda a terra até às três tarde (Mc 15, 33). Recomenda que nesta oração se faça uma poderosa prece à imitação dos justos e santos. É a hora do derramamento de sangue de Cristo na Cruz. Segundo Hipólito, foi este derramamento que clareou o resto da tarde.

Nesta hora foi-nos dada
gloriosa salvação
pela morte do Cordeiro
que na cruz trouxe o perdão.

O meio dia, de fato não é uma hora serena.[6] É a hora da cruz, do cansaço, da fome, das perturbações afetivas por causa dos desencontros ocorridos ao longo da manhã. Os padres do deserto e a tradição monástica consideram este período correspondente ao período das trevas bíblicas como um período perigoso para os cristãos, porque é hora das investidas do demônio meridiano. Aproveitando as nossas fragilidades, brechas e desencantos, ele atacaria o lastro das nossas paixões, colocando em risco nossa espiritualidade. Em outras palavras, a fome do meio dia não é somente de alimento corporal ({Mt 4,4}), mas também espiritual: não só de pão vive o homem, mas também da Palavra (cf. Mt, 4,4). No Tempo Comum, os hinos do meio dia apontam para uma fome interior, que requer um outro tipo de alimento:

De nós afaste a ira,
a discórdia, a divisão.
Ao corpo daí saúde,
E paz ao coração.


Hipólito não fala das três horas da tarde (hora nona). Sabemos que correspondiam ao sacrifício vespertino do Templo, que de certa forma se confundiam com as Vésperas. O cristianismo separou esta hora das Vésperas e lhe deu conteúdo teológico. Então, a hora nona figura a volta da luz depois das espessas trevas que cobriram a terra por causa da morte de Jesus.
Seja a tarde luminosa
numa vida permanente.
E da santa morte o prêmio
Nos dê glória eternamente.[7]

Ficou considerada a hora da ressurreição pascal e da libertação dos mortos:

Esta hora brilhou, esplendente,
afastou toda nuvem da cruz.
Despojando das trevas o mundo,
restitui às nações nova luz.

Nesta hora Jesus ressuscita
do sepulcro os que haviam morrido.
E, a morte vencendo, eles saem
com um espírito novo infundido.

Estes três momentos da oração das Horas são considerados horas médias porque funcionam como passagem entre as laudes e as vésperas.
As laudes, que correspondem à oração antes do trabalho, fazem memória da encarnação e da ressurreição de Cristo. Como já foi dito, é um momento muito especial de prepararmo-nos para enfrentar de forma cristã o trabalho e, no caso de um dia de uma festa ou solenidade litúrgicas, tomarmos maior consciência da celebração do mistério de Cristo.
As laudes fazem evocação do amanhecer da vida, e nos colocam nas perspectivas mais positivas da alegria pascal. Cada tempo litúrgico tem suas características próprias, sempre de acordo com o mistério de Cristo. No tempo do Natal, se evoca a nova luz que brilhou para a humanidade[8]. Então, Cristo luz eterna, se torna nova luz para a humanidade ferida de pecado e carente de salvação. Rezar as laudes é orientar a nossa vida para esta nova luz. Começar o labor do dia sem oração é iniciar um dia bem desorientado.
As vésperas são o louvor da tarde que sobe a Deus em forma de intercessão e agradecimento pelo dia vivido, enquanto que nos preparam para enfrentar a noite iluminados pela luz pascal. A aproximação da noite faz alusão à fragilidade humana diante da insegurança que as trevas suscitam e da atitude indefesa em que o sono nos coloca. Somente o Ressuscitado pode nos guardar e sua iluminação nos salvar.
Na questão da orientação, a liturgia ressalta a mente humana, na sua tendência natural à dispersão e distração. Por isso, há tremenda dificuldade de concentração mental. Na verdade, a liturgia das Horas constitui-se um método eficiente que orienta a nossa mente para o mistério de Cristo. Rezar no decorrer das horas mantém a mente inserida para o mistério de Cristo.

A Liturgia das Horas e o Ano Litúrgico

Assim como o missal romano, a liturgia das Horas tem o mérito de nos situar no coração do Ano litúrgico, como realidade simbólico-sacramental para a vivência do mistério de Cristo ao longo do ano.
Além de nos relembrar o tempo litúrgico (Advento, Natal, Quaresma, Tempo Pascal e Tempo Comum), tomar consciência de que estamos celebrando o dia do Senhor, uma festa litúrgica, a memória da Virgem ou dos santos é uma oportuna atitude pedagógica que a oração sem interrupção da Igreja nos proporciona. E o mais vantajoso é que isto se faz com um equilíbrio e uma centralidade cristológica invejáveis. As antífonas constituem uma lição desta centralidade. Por exemplo, no invitatório do comum de Nossa Senhora se diz: Vinde, adoremos Jesus Cristo, Filho bendito da Virgem Maria. Portanto, o objeto central do culto é sempre Jesus Cristo. A Virgem Maria entra pelos méritos de Jesus Cristo. E não é pequeno o seu papel na história da Salvação. Os santos também estão no culto somente por causa de Cristo.
Naqueles períodos em que o mistério de Cristo deixou de ser o alimento da vida cristã, por causa da perda de enfoque, foi preciso se refugiar nas devoções, que são sempre direcionadas a uma festa particular do Senhor, da Virgem ou de um santo, sem garantir geralmente nem a centralidade do mistério de Cristo nem a totalidade do culto devido ao Senhor, à Virgem Maria e aos santos.
O dia do Senhor como núcleo do ano litúrgico é preparado com uma véspera, de tal forma que o sábado não tem vésperas litúrgicas, enquanto que o domingo é enriquecido com duas vésperas: as primeiras vésperas no entardecer do sábado, e as segundas no domingo. Desta forma, é dado ao domingo um valor semelhante ao do sábado na liturgia hebraica.
Não existe outra forma mais pedagógica de se manter diariamente inserido no mistério de Cristo ao longo do Ano Litúrgico, do que a oração viva da Igreja, realizada sem interrupção, dia após dia, até a consumação do tempo.
Portanto, não somente os ministros ordenados ou consagrados, mas todo o povo de Deus tem o direito e o dever de celebrar o mistério de Cristo ao longo do tempo.

Eucaristia e a Liturgia das Horas.

A liturgia das Horas é a oração em momento determinados ao longo do dia. Por isso mesmo, está intimamente integrada a uma outra oração litúrgica que também se dá no tempo determinado: a Eucaristia.
A Eucaristia foi feita para o domingo e o domingo para a Eucaristia. Ao instituir a eucaristia na última Ceia, o Senhor determinou aos Apóstolos fazerem o que ele fez naquela Ceia, enquanto rito instituído, e realizar o que ele realizou na vida, toda entregue ao seu projeto de salvação, representado pelo lava-pés, que se tornou o símbolo do serviço na Igreja.
Assim como o sábado era o dia de convergência da vida judaica e momento de se fazer memória de Deus criador, o domingo é o dia do Senhor, o Ressuscitado, ou seja, dia eucarístico por excelência. Documentos do magistério e escritos teológicos recentes nos têm alertado,[9] afim de que transformemos esse preceito ritual em adesão do coração.
Os discípulos compreenderam que era este o tempo oportuno para cumprirem o mandado de celebrar o memorial pascal de Jesus, inaugurando um novo paradigma para a tradição bíblica do culto divino.
Então, a liturgia das Horas se compõe com o domingo, preparando os fiéis devidamente para celebrarem a Missa dominical ou diária, pois esta tem também seu aspecto festivo pascal. Se a missa diária for celebrada de manhã, a liturgia das Horas nos mantém na espiritualidade alta em que a Ceia do Senhor nos introduz, se, ao contrário, for celebrada à tarde, a liturgia das Horas nos prepara de forma crescente para o ponto mais alto da nossa vida litúrgica, que é a missa.
Este é o coração do que chamamos de espiritualidade litúrgica, ou seja, uma vida toda iluminada pelo Espírito e alimentada na fonte da oração litúrgica, e não apenas nas devoções pessoais ou coletivas. Assim, há uma profunda conexão entre liturgia e vida, pois “...a liturgia foi compreendida pelos Padres não unicamente como culto, mas qual norma de vida”.[10] Santo Agostinho diz a respeito desse vínculo: “Felizes de nós, se o que ouvimos e cantamos também executamos.”[11] A antífona do Canto Evangélico das Vésperas (03 de setembro) diz a respeito do Papa São Gregório Magno (séc. VI), reconhecido pelos seus méritos no campo da Liturgia: São Gregório praticava tudo aquilo que pregava e se fez exemplo vivo dos mistérios que ensinava.
Então, podemos dizer que a Espiritualidade litúrgica é a atitude ou modo de vida do cristão que, guiado pelo Espírito Santo e tendo como horizonte último o Reino definitivo, articula no presente a sua vida a partir da liturgia e celebra a liturgia a partir da vida. Esta liturgia celebrada de forma mais ininterrupta é representada pela liturgia das Horas em sua conexão com a Eucaristia, cume da oração cristã. A liturgia das Horas nos leva a fazer a memória de Cristo ao longo do dia, enquanto que a Eucaristia constitui a memória dominical do Senhor. Assim, através da liturgia das Horas e da Eucaristia, vivemos em profundidade o mistério de Cristo no tempo, tendo como guia o Ano litúrgico.

A estrutura do livro da liturgia das horas e o Ano Litúrgico

Assusta um pouco a complexidade dos quatro volumes oficiais da liturgia das Horas, sobretudo porque em determinados tempos litúrgicos, como o ciclo do Natal e da Páscoa, os textos se encontram em muitas partes do livro. Isso é necessário por causa da densidade do Ano litúrgico. Mesmo assim, são necessários quatro volumes. Por isso, só se consegue aprender a manusear o livro, fazendo-o na prática.
Os quatro volumes são divididos conforme a Ano litúrgico. O primeiro volume corresponde ao ciclo do Natal, o segundo ao da Quaresma e Páscoa, o terceiro e o quarto ao tempo Comum, sendo o terceiro da 1ª à 17ª semana, e o quarto, da 18ª à 34ª.
Porém, é sempre bom ter uma visão geral da estrutura dos quatro livros e de cada livro. O esquema, como já dissemos, é o Ano litúrgico.
O coração da liturgia das Horas é o saltério. Ele se encontra dividido em quatro semanas e se localiza bem no meio do livro, assim como o rito da missa está bem no meio do missal. Logo depois vem o que chamamos de próprio dos santos ou santoral, onde temos o calendário das festas ou memórias do santos. A seguir, temos os comuns, que são textos referentes às festas da Mãe de Deus, dos Apóstolos e dos santos. Este é um recurso também do missal, para que possamos celebrar as festas e as memórias da Mãe de Deus e dos santos, com os textos completos, quando uma festa não dispõe no calendário do santoral de todos os textos necessários.
Na parte inicial de cada volume, temos uma série complementos próprio de cada tempo do Ano litúrgico. O Ofício de Leituras também se encontra nesta parte.
Então, temos quatro semanas para o saltério: primeira à quarta. Quem dá a informação exata da semana que se celebra (primeira à quarta) em todo o Ano litúrgico é o Diretório ou Calendário litúrgico da Igreja. No Brasil, este livro é publicado anualmente pela CNBB e todos podem adquiri-lo no final e começo de cada ano.
Temos também, o volume único, bem mais simplificado, onde não consta o Ofício de Leituras. Muito recentemente, temos uma publicação mensal em papel vulgar da liturgia das Horas, pela Paulus, ao modo da Liturgia Diária da missa. Certamente vai facilitar o acesso de muita gente à liturgia das Horas, embora contenha somente as laudes e as vésperas.
Para facilitar mais, temos o Ofício Divino das Comunidades, já com sucessivas edições, que é um livro simplificado e mais inculturado à realidade brasileira.
Em última instância, quem não tivesse nada disto, poderia rezar um salmo de manhã, outro ao meio, e outro à tarde, supondo que não haja hoje um cristão católico sem sua Bíblia.
O importante é rezar ao longo do dia e antes de deitar-se. Na estrutura da liturgia das Horas, esta última oração é chamada de Completas. Desta forma, um dia rezado é um dia vivido na fé e em preparação ao dia que não tem fim, pelo que ansiamos como a esposa à espera do Amado. Ela, de quando em quando, pára e olha em direção do caminho, para ver se seu Amado já vem. Assim, os cristãos vão realizando paradas em momentos determinados para fazer memória do mistério de Cristo, nossa única salvação.
Pe. Dr. Valeriano dos Santos Costa


Bibliografia

BACKHÄUSER, Alberto.O sentido da liturgia das horas. Petrópolis: Vozes. 1996.
CANALS, J M. A oração na bíblia. in BORÓBIO, Dioniso (org.) A celebração na Igreja III: ritmos e tempos da celebração.São Paulo: Loyola. 2000.
COSTA, Valeriano dos Santos. Liturgia das Horas: Celebrar a luz pascal sob o signo da luz do dia. São Paulo: Paulinas, 2005.
FERNÁNDEZ, P. Elementos verbais da liturgia das horas. in BOROBIO, Dioniso (org). A celebração da Igreja 3: Ritmos da celebração. São Paulo: Loyola. 2000. pp. 419-475.
FEUILLET, A. ― GRELOT. Luz & Trevas. in LÉON-DUFOUR, Xavier. Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 538-542
GASPARRO, G. Stefanini. Luz. in DI BERARDINO, Ângelo. Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs: Petrópolis — São Paulo: Vozes — Paulus. pg. 864
GOENAGA, J.A. sentido das estruturas da liturgia das horas. in BOROBIO, Dioniso (org). A celebração da Igreja 3: Ritmos da celebração. São Paulo: Loyola. 2000. pp. 399-417
GUARDINI, Romano. O espírito da liturgia. Rio de Janeiro: Lumen Christi,1942.
INSTRUÇÃO Geral sobre a liturgia das horas. in OFÍCIO Divino, renovado conforme o decreto do Concílio Vaticano II, liturgia das horas segundo o rito romano I, advento e tempo de Natal. São Paulo: Vozes/Paulinas/Paulus/Ave Maria, 1999. pp. 21-82
PAULO VI. Constituição apostólica pela qual se promulga o Ofício Divino renovado por mandato do Concílio ecumênico Vaticano II. in OFÍCIO Divino, renovado conforme o decreto do Concílio Vaticano II, liturgia das horas segundo o rito romano I, advento e tempo de Natal. São Paulo: Vozes/Paulinas/Paulus/Ave Maria, 1999. pp.13-20
PELLEGINO M. Liturgia e Padres. in DI BERARDINO, Ângelo (org.). Dicionário Patrístico e de antigüidades cristãs. Petrópolis/São Paulo: Vozes: Paulus, 2002, 834
PEREGRINAÇÃO de Etéria: Liturgia e Catequese em Jerusalém no século IV. Petrópolis: Vozes, 2004.
RAFFA, V. Liturgia das horas. in AA.VV. Liturgia e terapia: a sacramentalidade a serviço do homem e da sua totalidade. São Paulo Paulinas. 1998. pp. 651-670
ROWER, Basílio. Dicionário litúrgico. Petrópolis: Vozes. 1947, 233 pp.
SANTO AGOSTINHO. Sermão 23A, 1, Corpus Scriptorum, séries latina. 41, 321
TRADIÇÃO Apostólica de Hipólito: Liturgia e catequese em Roma no século III. Petrópolis: Vozes. 1971



[1] COSTA, Valeriano Santo. Liturgia das horas, pg. 29
[2] Neste trabalho, a Tradição Apostólica de Hipólito é representada pela sigla TA
[3] Cf. RÖWER, Basílio, Dicionário Litúrgico. pg. 161
[4] COSTA, Valeriano Santos. Liturgia das horas. pg. 68
[5]Ibid. pg. 69
[6] COSTA, Valeriano Santos. Liturgia das horas. pg. 74
[7] Hino das quinze horas no Tempo Comum
[8] Cf. COSTA, Valeriano Santos. Liturgia das Horas...pg. 54-55
[9] Entre outros, JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Dies Domini (1988); SILVA, José Ariovaldo da. O domingo: a páscoa semanal dos cristãos: elementos de espiritualidade dominical para equipes de liturgia e o povo em geral. São Paulo: Paulus, 1998; BASURKO, Xavier. Para viver o domingo. São Paulo: Paulinas, 1994; AUGÉ, Matias. Domingo festa primordial dos cristãos. São Paulo: Ave Maria, 2000
[10] PELLEGINO M. Liturgia e Padres. in DI BERARDINO, Ângelo (org.). Dicionário Patrístico e de antigüidades cristãs. Petrópolis/São Paulo: Vozes: Paulus, 2002, 834
[11] Sermão 23A, 1, CSL, 41, 321

LITURGIA DAS HORAS: A MEMÓRIA DE CRISTO AO LONGO DO DIA

Resumo

A liturgia das Horas é um método de oração que nos coloca em horas determinadas em comunhão com Cristo e, assim, nos mantém imersos no seu mistério pascal, Tem sua fonte na tradição judaica, que a cada três horas costuma fazer, através do canto dos salmos, a memória de Deus Criador, a fim de reforçar os compromissos da Aliança. A Igreja primitiva seguiu a mesma intuição, direcionando-a a Cristo. Mas foi, aos poucos, transformando esta oração preciosa de todos os cristãos em uma oração de alguns membros seletos, ligados geralmente à vida sacerdotal, monástica ou consagrada. A reforma do Concílio Vaticano II restaurou a liturgia das Horas e pretende que seja devolvida a todos os fiéis.



Cantar as maravilhas de Deus através dos salmos

Entre outras finalidades, certamente os textos bíblicos foram escritos para serem proclamados na Liturgia. Há um livro, porém, o Saltério, que foi escrito para ser cantado pelo Povo de Deus em memória das maravilhas da Salvação. Estas maravilhas são páscoas realizadas nos momentos em que as forças humanas se esgotam e o homem se encontra no seu limite. Só uma intervenção de Deus poderia salvá-lo. Assim foi com o Êxodo, que a é maravilha mais visível e simbólica do Antigo Testamento, pela qual Israel atravessou o Mar Vermelho a pé enxuto rumo à Terra Prometida, quando estava encurralado entre o mar e o poderoso exército do Faraó, arrependido de ter deixado o povo sair do Egito. Se não fosse a intervenção de Deus, Israel teria sucumbido ali.
Então, as maravilhas representam sempre uma passagem libertadora, uma páscoa de salvação.
O Saltério é composto de 150 salmos. São canções litúrgicas que expressam o louvor, a gratidão, as súplicas ou os gemidos de quem precisa ser salvo. Há salmos de súplica que representam situações em que a pessoa está prostrada diante de uma doença grave, um julgamento iníquo, um deságio carregado de solidão e desespero, às vezes motivado pelo próprio pecado, etc.
Os salmos são o principal conteúdo da Liturgia das horas, tendo como contorno cantos bíblicos, leituras bíblicas, patrísticas, dos santos, do magistério, com seus responsórios.[1]

Porque Liturgia das Horas?

Chama-se liturgia das Horas, porque se trata de uma oração em momentos determinados ao longo do dia, para santificá-lo e consagrá-lo como realidade fundamental da nossa existência. Na sua alternância de luz e trevas, o dia nos dá a noção básica do tempo. Cada dia vivido é uma chance ímpar que não convém desperdiçar: ensinai-nos a contar nossos dias, para que tenhamos um coração sábio (Sl 90, 12).
O dia representa ao mesmo tempo a força e a fragilidade humanas. Cada amanhecer é um dom da vida, uma graça ofertada. Viver cada dia nos dá a noção do provisório de uma existência de peregrinação em busca de algo que se esconde atrás do horizonte e se ofusca nas brumas da noite, mas renasce em cada amanhecer. É como um sonho bom que insinua em cada gesto de comunhão, ensaio saboroso do que experimentaremos no futuro em plenitude.
Então, viver é um dom recebido, que de tão gratuito torna-se uma missão e compromisso. Viver é uma aventura que recomeça a cada dia.
Como a luz é o fator preponderante que nos fascina e representa a energia cósmica e ecológica que sustenta a vida, tornou-se símbolo da vida e da fé. No tempo, o dia é interrompido pela noite. Mas na nossa relação com Deus não pode haver interrupção. A Bíblia diz que devemos orar sem interrupção. Esta tese é muito desenvolvida no Novo Testamento: Orai sem cessar (1Tes, 5,17; 1, 1; 2,13; Lc 18,1; Rm 1,10; 12,12; Ef 6,18; Fl 1, 3-4; 4,6; Cl 1,3; 4,2; 2Ts 2,8; 5,5; 2Tm 1,3).
Uma forma de se interpretar esta oração contínua é a liturgia das Horas, pois no decorrer do dia, a Igreja e cada cristão vão desfilando suas preces como um rosário ininterrupto. Hoje sabemos que o dia, teoricamente dividido em 24 horas corresponde ao movimento de rotação que a terra faz em torno da linha dos seus pólos exatamente em 23 horas, 56 minutos e 4 segundos. Interessante notar que esta rotação se faz de oeste para leste, isto é, versus oriente, direção em que se inspira a oração, já que o nosso Salvador veio do Oriente. Até parece que a terra mesma executa o seu movimento vital sempre em direção do Oriente, atraída pelo sol, símbolo maior de Cristo, como uma oração sem interrupção. Por isso é que uma vida de oração é orientada, isto é, voltada para o Oriente de onde nos proveio da salvação.

As horas canônicas da oração.

As horas canônicas ou consagradas para a oração são as horas tradicionais das preces litúrgicas à base dos salmos. Conforme sua origem judaica, constituem o horário ternário, ou seja, a alternância de três em três horas, que substancialmente dividem o dia entre oração e trabalho: 6 horas da manhã (primeira hora), 9 horas da manhã (hora terceira), meio dia (hora sexta), três horas da tarde (hora nona) e 6 horas da tarde (hora décima segunda). A forma mais simplificada de cumprir este esquema é fazer a oração da manhã, do meio dia e da tarde.
A Igreja primitiva continuou o costume hebraico de rezar de três em três horas para fazer memória do mistério de Cristo e, assim manter-se sempre orientada ao longo do tempo. Suposto que a primeira hora da oração é pelas seis da manhã, os Apóstolos aparecem fazendo também a oração das nove horas (At 2,15), que foi justamente quando ocorreu o Pentecostes (At 2,15), do meio dia (10,9), das três horas da tarde, também conhecida como a hora do sacrifício vespertino (At 3,1). Certamente rezavam no momento que correspondia ao lucernário do Templo, onde o acendimento das luzes representava a iluminação interior diante das trevas da noite.
No século III, em Roma, a tradição de orar de três em três horas, inclusive à meia noite, estava não só assimilada, mas reforçada teologicamente. O documento que nos relata isto é a Tradição Apostólica de Hipólito (TA)[2]. Hipólito teria sido um zeloso defensor da tradição litúrgica das origens. Então, ele não só recomenda a oração das Horas, mas a associa aos aspectos do mistério de Cristo.
No século IV, Santo Atanásio e São Crisóstomo mencionam o Ofício Divino como uma oração oficial feita nos mosteiros em seis momentos diferentes. No Oriente (Belém) se introduziu a hora Prima nesta época.[3]
Então, o dever de orar ao longo do dia foi sendo considerado pela Igreja como um ministério (ofício) dos monges e clérigos para que o louvor e adoração a Deus não cessassem no tempo. Tornou-se, então, um Ofício Divino.
Então, tínhamos já ganhos e perdas. O principal ganho era uma estrutura mais elaborada desta oração e a mais grave perda foi o afastamento paulatino dos fiéis leigos. Agora era uma oração que a Igreja elevava a Deus por intermédio dos seus ministros e não mais de todo o povo batizado.
O maior avanço na sua estrutura deu-se no século VI, com a vida monástica intuída por S. Bento. O Ofício constituiu-se de oito horas canônicas, a saber, Matinas, Laudes, Prima, Tércia, Sexta, Noa, Vésperas, Completas. Por trás desta visão está a prática das vigílias e a intuição das 24 horas do dia, divididas em oito momentos de oração. Não que isso fosse planejado, mas a prática foi construindo este esquema. Então, as doze horas do dia foram divididas em quatro horas menores: Prima, Tércia, Sexta e Noa. As Matinas estão muito próximas das laudes. Não se sabe bem porque ficaram separadas. Parece que vem do costume romano de desde meia noite se fazer quatro trocas de sentinelas. As matinas representariam as três primeiras e as laudes, a última. Nesta prática está reforçada a idéia de que os cristãos são os soldados de Cristo, sempre de pé, em vigília para o combate contra as trevas. De fato, as matinas representavam o momento mais denso da oração da manhã, e as laudes, o encerramento de louvor. A reforma do Concílio Vaticano II chamou esta primeira hora simplesmente laudes.
A hora Prima surgiu no século IV como a oração da manhã pelos monges de Belém, porque depois das matinas eles voltavam a repousar ainda um pouco. Então, na verdade, as matinas acabavam sendo realizadas de madrugada e a oração da manhã era realizada na primeira hora do dia (prima). Aos poucos, a matina se transformou em um ofício noturno de oração.
Este refinamento estrutural da liturgia das Horas comporta já uma complexidade que se aproxima da complicação. Ninguém pode viver as 24 do dia realizando interrupções para a oração a cada três horas, sobretudo à noite. No entanto, é preciso não perder a mística da interrupção das atividades diurnas para orar em tempos determinados.
Por isso, no século XII se começou a falar em Oficio mais abreviado e em um livro que o pudesse conter. Este livro foi chamado de breviário. Ele continha, portanto, as partes principais do Ofício da Igreja com muitas abreviações. Era, no entanto, só para clérigos, monges, religiosos e consagrados. Os fiéis leigos estavam completamente descartados desta prece fundamental do cristão.
É com este nome de Ofício Divino que a liturgia das Horas chegou até a reforma do Concílio Vaticano II, no início da década de 1960.
Na reforma do Concílio Vaticano II, se adotou o nome oficial de Liturgia das Horas. Se bem que Ofício Divino represente um ministério orante, a expressão Liturgia das Horas parece retomar aquela propriedade das origens, em que era entendida como oração de todos os fiéis cristãos.
As horas menores passaram a chamar-se de horas médias, sendo reduzidas a três: das nove horas, doze horas e quinze horas. A hora Prima foi suprimida, e a oração da manhã chamou-se simplesmente a oração de Laudes.
O Ofício de Matina ou noturnos transformou-se em Ofício de Leituras, e agora pode ser realizado em qualquer hora do dia ou da noite.

Rezar ao longo do dia.

Hipólito diz que pela manhã se deve rezar antes de começar qualquer trabalho (TA 41). Na estrutura da liturgia das Horas, a oração da manhã é chamada laudes, porque se define como momento de louvor a Deus pela vida e pelo dia.
Rezar antes de trabalhar é dar um golpe muito sutil, mas eficaz, na ideologia do trabalho.[4] O trabalho é uma ação boa em si, mas se endeusado, torna-se uma perigosa idolatria, que pode levar à aversão a Deus e ao narcisismo do encantamento pelas potencialidades humanas. Os padres do deserto, que surgem como comunidades dedicadas ao silêncio, à oração e ao trabalho, por volta do século IV, no Ocidente e um pouco antes no Oriente, têm um cuidado muito especial em levar uma vida de trabalho equilibrada. O trabalho pode ser motivo de louvor a Deus, mas também pode quebrar a comunhão do homem com o Transcendente e a relação plenamente humana consigo mesmo. Geralmente, a ideologia do trabalho se torna um instrumento de exploração das classes dominantes sobre as dominadas.
Um dos motivos da sede do povo de Deus de escapar da escravidão do Egito, era o sonho de organizar o seu tempo de acordo com a primazia do culto sobre o trabalho e da harmonia de ambos. A Deus o melhor tempo! Essa norma já estava infusa no projeto da Criação, quando tudo se direcionou para o descanso do sétimo dia, consumação da obra divina e plenitude do tempo.
Na Criação, o trabalho é o processo que vai dando vida aos seres, mas o objetivo final é o sétimo dia, o dia sem trabalho, dia de descanso e restauração. Descanso de Deus, que se tornou a inspiração e conteúdo para o descanso do homem. Este descanso assume no Novo Testamento o tom de santificação pela celebração.
Hipólito diz que quem reza antes de trabalhar poderá evitar a malícia do dia e não se esquecerá que é preciso freqüentar a comunidade eclesial, porque lá se recebe a santa instrução, se lê o Livro santo e o Espírito Santo floresce (TA 41). Então,

orar antes de trabalhar não é somente preparar o espírito para enfrentar o trabalho, mas também preparar-se para enfrentar um sistema, geralmente organizado de forma pagã, a fim de não entrar no roldão do consumo e da exploração. É pedir que o labor de nossas mãos não dê os frutos amargos do egoísmo e da ganância. É dispor-se a fazer a liturgia vivencial para que as horas trabalhadas, estejam em consonância com as horas rezadas e, neste intercâmbio, a salvação seja o fruto mais doce do trabalho humano como aperfeiçoamento da criação.[5]

Hipólito também diz que é preciso rezar às nove horas, embora neste momento as pessoas estejam em trânsito ou em seus trabalhos. No entanto, deve-se fazer uma prece no coração, porque nesta hora Cristo foi pregado no madeiro da Cruz. No Antigo Testamento, este era o momento em que se ofertavam os pães da proposição como símbolo do corpo e do sangue de Cristo. A imolação dos milhares de cordeiros no Templo era símbolo da imolação do único Cordeiro Perfeito, imolado na Cruz.
A associação das nove horas com a crucificação de Cristo se dá no Evangelho de Marcos: “era a terceira hora, quando crucificaram Jesus” (Mc 15, 25).
Mais tarde, a liturgia das Horas associa esta hora ao Espírito Santo, por causa do Pentecostes: “estes homens não estão embriagados como pensais, porque é apenas a terceira hora do dia” (At 2,15).
Os hinos da liturgia das Horas mostram claramente como esta hora está associada ao Pentecostes. Vejamos, por exemplo, no Tempo Comum:

Vinde Espírito de Deus,
com o Filho e com o Pai,
inundai a nossa mente,
nossa vida iluminai.
Queremos ser os templos
do Espírito Santo outrora
descido sobre os Doze
em chamas nesta hora.

Hipólito pede igualmente para se rezar ao meio dia (hora sexta), porque foi a hora da morte de Jesus, segundo S. Marcos, e recorda que nesta hora houve trevas sobre toda a terra até às três tarde (Mc 15, 33). Recomenda que nesta oração se faça uma poderosa prece à imitação dos justos e santos. É a hora do derramamento de sangue de Cristo na Cruz. Segundo Hipólito, foi este derramamento que clareou o resto da tarde.

Nesta hora foi-nos dada
gloriosa salvação
pela morte do Cordeiro
que na cruz trouxe o perdão.

O meio dia, de fato não é uma hora serena.[6] É a hora da cruz, do cansaço, da fome, das perturbações afetivas por causa dos desencontros ocorridos ao longo da manhã. Os padres do deserto e a tradição monástica consideram este período correspondente ao período das trevas bíblicas como um período perigoso para os cristãos, porque é hora das investidas do demônio meridiano. Aproveitando as nossas fragilidades, brechas e desencantos, ele atacaria o lastro das nossas paixões, colocando em risco nossa espiritualidade. Em outras palavras, a fome do meio dia não é somente de alimento corporal ({Mt 4,4}), mas também espiritual: não só de pão vive o homem, mas também da Palavra (cf. Mt, 4,4). No Tempo Comum, os hinos do meio dia apontam para uma fome interior, que requer um outro tipo de alimento:

De nós afaste a ira,
a discórdia, a divisão.
Ao corpo daí saúde,
E paz ao coração.


Hipólito não fala das três horas da tarde (hora nona). Sabemos que correspondiam ao sacrifício vespertino do Templo, que de certa forma se confundiam com as Vésperas. O cristianismo separou esta hora das Vésperas e lhe deu conteúdo teológico. Então, a hora nona figura a volta da luz depois das espessas trevas que cobriram a terra por causa da morte de Jesus.
Seja a tarde luminosa
numa vida permanente.
E da santa morte o prêmio
Nos dê glória eternamente.[7]

Ficou considerada a hora da ressurreição pascal e da libertação dos mortos:

Esta hora brilhou, esplendente,
afastou toda nuvem da cruz.
Despojando das trevas o mundo,
restitui às nações nova luz.

Nesta hora Jesus ressuscita
do sepulcro os que haviam morrido.
E, a morte vencendo, eles saem
com um espírito novo infundido.

Estes três momentos da oração das Horas são considerados horas médias porque funcionam como passagem entre as laudes e as vésperas.
As laudes, que correspondem à oração antes do trabalho, fazem memória da encarnação e da ressurreição de Cristo. Como já foi dito, é um momento muito especial de prepararmo-nos para enfrentar de forma cristã o trabalho e, no caso de um dia de uma festa ou solenidade litúrgicas, tomarmos maior consciência da celebração do mistério de Cristo.
As laudes fazem evocação do amanhecer da vida, e nos colocam nas perspectivas mais positivas da alegria pascal. Cada tempo litúrgico tem suas características próprias, sempre de acordo com o mistério de Cristo. No tempo do Natal, se evoca a nova luz que brilhou para a humanidade[8]. Então, Cristo luz eterna, se torna nova luz para a humanidade ferida de pecado e carente de salvação. Rezar as laudes é orientar a nossa vida para esta nova luz. Começar o labor do dia sem oração é iniciar um dia bem desorientado.
As vésperas são o louvor da tarde que sobe a Deus em forma de intercessão e agradecimento pelo dia vivido, enquanto que nos preparam para enfrentar a noite iluminados pela luz pascal. A aproximação da noite faz alusão à fragilidade humana diante da insegurança que as trevas suscitam e da atitude indefesa em que o sono nos coloca. Somente o Ressuscitado pode nos guardar e sua iluminação nos salvar.
Na questão da orientação, a liturgia ressalta a mente humana, na sua tendência natural à dispersão e distração. Por isso, há tremenda dificuldade de concentração mental. Na verdade, a liturgia das Horas constitui-se um método eficiente que orienta a nossa mente para o mistério de Cristo. Rezar no decorrer das horas mantém a mente inserida para o mistério de Cristo.

A Liturgia das Horas e o Ano Litúrgico

Assim como o missal romano, a liturgia das Horas tem o mérito de nos situar no coração do Ano litúrgico, como realidade simbólico-sacramental para a vivência do mistério de Cristo ao longo do ano.
Além de nos relembrar o tempo litúrgico (Advento, Natal, Quaresma, Tempo Pascal e Tempo Comum), tomar consciência de que estamos celebrando o dia do Senhor, uma festa litúrgica, a memória da Virgem ou dos santos é uma oportuna atitude pedagógica que a oração sem interrupção da Igreja nos proporciona. E o mais vantajoso é que isto se faz com um equilíbrio e uma centralidade cristológica invejáveis. As antífonas constituem uma lição desta centralidade. Por exemplo, no invitatório do comum de Nossa Senhora se diz: Vinde, adoremos Jesus Cristo, Filho bendito da Virgem Maria. Portanto, o objeto central do culto é sempre Jesus Cristo. A Virgem Maria entra pelos méritos de Jesus Cristo. E não é pequeno o seu papel na história da Salvação. Os santos também estão no culto somente por causa de Cristo.
Naqueles períodos em que o mistério de Cristo deixou de ser o alimento da vida cristã, por causa da perda de enfoque, foi preciso se refugiar nas devoções, que são sempre direcionadas a uma festa particular do Senhor, da Virgem ou de um santo, sem garantir geralmente nem a centralidade do mistério de Cristo nem a totalidade do culto devido ao Senhor, à Virgem Maria e aos santos.
O dia do Senhor como núcleo do ano litúrgico é preparado com uma véspera, de tal forma que o sábado não tem vésperas litúrgicas, enquanto que o domingo é enriquecido com duas vésperas: as primeiras vésperas no entardecer do sábado, e as segundas no domingo. Desta forma, é dado ao domingo um valor semelhante ao do sábado na liturgia hebraica.
Não existe outra forma mais pedagógica de se manter diariamente inserido no mistério de Cristo ao longo do Ano Litúrgico, do que a oração viva da Igreja, realizada sem interrupção, dia após dia, até a consumação do tempo.
Portanto, não somente os ministros ordenados ou consagrados, mas todo o povo de Deus tem o direito e o dever de celebrar o mistério de Cristo ao longo do tempo.

Eucaristia e a Liturgia das Horas.

A liturgia das Horas é a oração em momento determinados ao longo do dia. Por isso mesmo, está intimamente integrada a uma outra oração litúrgica que também se dá no tempo determinado: a Eucaristia.
A Eucaristia foi feita para o domingo e o domingo para a Eucaristia. Ao instituir a eucaristia na última Ceia, o Senhor determinou aos Apóstolos fazerem o que ele fez naquela Ceia, enquanto rito instituído, e realizar o que ele realizou na vida, toda entregue ao seu projeto de salvação, representado pelo lava-pés, que se tornou o símbolo do serviço na Igreja.
Assim como o sábado era o dia de convergência da vida judaica e momento de se fazer memória de Deus criador, o domingo é o dia do Senhor, o Ressuscitado, ou seja, dia eucarístico por excelência. Documentos do magistério e escritos teológicos recentes nos têm alertado,[9] afim de que transformemos esse preceito ritual em adesão do coração.
Os discípulos compreenderam que era este o tempo oportuno para cumprirem o mandado de celebrar o memorial pascal de Jesus, inaugurando um novo paradigma para a tradição bíblica do culto divino.
Então, a liturgia das Horas se compõe com o domingo, preparando os fiéis devidamente para celebrarem a Missa dominical ou diária, pois esta tem também seu aspecto festivo pascal. Se a missa diária for celebrada de manhã, a liturgia das Horas nos mantém na espiritualidade alta em que a Ceia do Senhor nos introduz, se, ao contrário, for celebrada à tarde, a liturgia das Horas nos prepara de forma crescente para o ponto mais alto da nossa vida litúrgica, que é a missa.
Este é o coração do que chamamos de espiritualidade litúrgica, ou seja, uma vida toda iluminada pelo Espírito e alimentada na fonte da oração litúrgica, e não apenas nas devoções pessoais ou coletivas. Assim, há uma profunda conexão entre liturgia e vida, pois “...a liturgia foi compreendida pelos Padres não unicamente como culto, mas qual norma de vida”.[10] Santo Agostinho diz a respeito desse vínculo: “Felizes de nós, se o que ouvimos e cantamos também executamos.”[11] A antífona do Canto Evangélico das Vésperas (03 de setembro) diz a respeito do Papa São Gregório Magno (séc. VI), reconhecido pelos seus méritos no campo da Liturgia: São Gregório praticava tudo aquilo que pregava e se fez exemplo vivo dos mistérios que ensinava.
Então, podemos dizer que a Espiritualidade litúrgica é a atitude ou modo de vida do cristão que, guiado pelo Espírito Santo e tendo como horizonte último o Reino definitivo, articula no presente a sua vida a partir da liturgia e celebra a liturgia a partir da vida. Esta liturgia celebrada de forma mais ininterrupta é representada pela liturgia das Horas em sua conexão com a Eucaristia, cume da oração cristã. A liturgia das Horas nos leva a fazer a memória de Cristo ao longo do dia, enquanto que a Eucaristia constitui a memória dominical do Senhor. Assim, através da liturgia das Horas e da Eucaristia, vivemos em profundidade o mistério de Cristo no tempo, tendo como guia o Ano litúrgico.

A estrutura do livro da liturgia das horas e o Ano Litúrgico

Assusta um pouco a complexidade dos quatro volumes oficiais da liturgia das Horas, sobretudo porque em determinados tempos litúrgicos, como o ciclo do Natal e da Páscoa, os textos se encontram em muitas partes do livro. Isso é necessário por causa da densidade do Ano litúrgico. Mesmo assim, são necessários quatro volumes. Por isso, só se consegue aprender a manusear o livro, fazendo-o na prática.
Os quatro volumes são divididos conforme a Ano litúrgico. O primeiro volume corresponde ao ciclo do Natal, o segundo ao da Quaresma e Páscoa, o terceiro e o quarto ao tempo Comum, sendo o terceiro da 1ª à 17ª semana, e o quarto, da 18ª à 34ª.
Porém, é sempre bom ter uma visão geral da estrutura dos quatro livros e de cada livro. O esquema, como já dissemos, é o Ano litúrgico.
O coração da liturgia das Horas é o saltério. Ele se encontra dividido em quatro semanas e se localiza bem no meio do livro, assim como o rito da missa está bem no meio do missal. Logo depois vem o que chamamos de próprio dos santos ou santoral, onde temos o calendário das festas ou memórias do santos. A seguir, temos os comuns, que são textos referentes às festas da Mãe de Deus, dos Apóstolos e dos santos. Este é um recurso também do missal, para que possamos celebrar as festas e as memórias da Mãe de Deus e dos santos, com os textos completos, quando uma festa não dispõe no calendário do santoral de todos os textos necessários.
Na parte inicial de cada volume, temos uma série complementos próprio de cada tempo do Ano litúrgico. O Ofício de Leituras também se encontra nesta parte.
Então, temos quatro semanas para o saltério: primeira à quarta. Quem dá a informação exata da semana que se celebra (primeira à quarta) em todo o Ano litúrgico é o Diretório ou Calendário litúrgico da Igreja. No Brasil, este livro é publicado anualmente pela CNBB e todos podem adquiri-lo no final e começo de cada ano.
Temos também, o volume único, bem mais simplificado, onde não consta o Ofício de Leituras. Muito recentemente, temos uma publicação mensal em papel vulgar da liturgia das Horas, pela Paulus, ao modo da Liturgia Diária da missa. Certamente vai facilitar o acesso de muita gente à liturgia das Horas, embora contenha somente as laudes e as vésperas.
Para facilitar mais, temos o Ofício Divino das Comunidades, já com sucessivas edições, que é um livro simplificado e mais inculturado à realidade brasileira.
Em última instância, quem não tivesse nada disto, poderia rezar um salmo de manhã, outro ao meio, e outro à tarde, supondo que não haja hoje um cristão católico sem sua Bíblia.
O importante é rezar ao longo do dia e antes de deitar-se. Na estrutura da liturgia das Horas, esta última oração é chamada de Completas. Desta forma, um dia rezado é um dia vivido na fé e em preparação ao dia que não tem fim, pelo que ansiamos como a esposa à espera do Amado. Ela, de quando em quando, pára e olha em direção do caminho, para ver se seu Amado já vem. Assim, os cristãos vão realizando paradas em momentos determinados para fazer memória do mistério de Cristo, nossa única salvação.

Bibliografia

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FEUILLET, A. ― GRELOT. Luz & Trevas. in LÉON-DUFOUR, Xavier. Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 538-542
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[1] COSTA, Valeriano Santo. Liturgia das horas, pg. 29
[2] Neste trabalho, a Tradição Apostólica de Hipólito é representada pela sigla TA
[3] Cf. RÖWER, Basílio, Dicionário Litúrgico. pg. 161
[4] COSTA, Valeriano Santos. Liturgia das horas. pg. 68
[5]Ibid. pg. 69
[6] COSTA, Valeriano Santos. Liturgia das horas. pg. 74
[7] Hino das quinze horas no Tempo Comum
[8] Cf. COSTA, Valeriano Santos. Liturgia das Horas...pg. 54-55
[9] Entre outros, JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Dies Domini (1988); SILVA, José Ariovaldo da. O domingo: a páscoa semanal dos cristãos: elementos de espiritualidade dominical para equipes de liturgia e o povo em geral. São Paulo: Paulus, 1998; BASURKO, Xavier. Para viver o domingo. São Paulo: Paulinas, 1994; AUGÉ, Matias. Domingo festa primordial dos cristãos. São Paulo: Ave Maria, 2000
[10] PELLEGINO M. Liturgia e Padres. in DI BERARDINO, Ângelo (org.). Dicionário Patrístico e de antigüidades cristãs. Petrópolis/São Paulo: Vozes: Paulus, 2002, 834
[11] Sermão 23A, 1, CSL, 41, 321

A relação entre utopia e escatologia na teologia.

Introdução.
Há relação entre utopia e escatologia? Em que sentido a utopia pode contribuir com a teologia? Essas perguntas só serão respondidas na medida em que formos capazes de reconhecer que, estando na história, a Igreja e a teologia não podem prescindir do aspecto histórico na apresentação da sua mensagem. Outra coisa muito cara neste intento será compreender que ao ser humano moderno algo só lhe diz respeito quando esse o atinge existencialmente.
A utopia há muito tempo acompanha a história humana, desde os tempos clássicos até hoje. O artigo monográfico Utopia pretende verificar como o conceito de utopia foi sendo construído ao longo da história. A meta é demonstrar que o conceito histórico de utopia possui uma relação de proximidade com a escatologia.
I. Aspectos históricos do conceito de Utopia:
A primeira pessoa a escrever de forma mais consistente sobre o tema da utopia foi Tomás More. Ele escreveu o livro Utopia no ano de 1516; período que coincide com a reforma de Lutero, o qual venha exigir uma revisão de idéias políticas e sociais, que já estavam em gestação em todos os países da Europa. Sob a bandeira da liberdade o homem moderno exigia mudanças nas estruturas do pensar e do viver concretos. Tomás More, no seu livro, vai tratar destas questões da revisão de ideais políticos e sociais, buscando uma renovação das estruturas sociais e políticas de seu tempo, mas, no entanto, sem propor uma revolução. Como veremos o conceito de utopia formulado por More não possui uma tônica de retorno ao paraíso ou volta ao passado glorioso, mas uma busca de um futuro mais justo e mais solidário, sobretudo para aqueles menos afortunados.
A utopia de More será, desta forma, um conceito bem diferente daquelas antigas visões paradisíacas das utopias clássicas, que desejavam criar uma idéia de retorno ao paraíso, reconstrução de um estado perfeito. A utopia de More fala de um estado mais justo, onde os bens são comuns e as pessoas não passam privação e opressão. A utopia de More não é idealismo irreal e sim possibilidade ético-moral de uma sociedade renovada na justiça e no direito.
Este estado ideal de More casa-se muito bem com a busca moderna por liberdade, igualdade e fraternidade, que anos mais tarde a história iria assistir com a Revolução Francesa. More formulou o nome desse estado ideal utilizando dois termos gregos: o advérbio ou (não) e o substantivo topos (lugar). Utopia seria desta forma um lugar impossível, uma realidade ideal, uma ideologia. Mas More ao escrever seu livro o fez pensando na escandalosa situação de exploração a que eram submetidas as classes pobres. O sonho de um estado utópico, na verdade é anelo em meio ao escândalo da pobreza e exploração das classes economicamente frágeis. Todavia More não pregava uma revolução em vista de um paraíso terrestre, mas desejava apresentar um programa prático de construção de uma ordem social e política mais justa. More não prega a revolução, porém incita a reforma. A sua utopia baseia-se na transformação concreta, não é idealismo vago e pueril, mas um processo irreversível em direção ao futuro. Aqui se encontra a grande diferença da utopia de More e as antigas utopias, essas últimas tinham uma visão de retorno ao “paraíso” volta ao estado perfeito; para More a utopia era algo futuro, um processo que inicia já, mas que não acaba na história porque é processo histórico. Estar presente em cada etapa da história, mas sempre aberta, lançando ao futuro e não retrocedendo passado. Por isso a utopia de More tem o significado de esperança nas capacidades humanas e numa renovação ética. É exatamente aqui que se relaciona o discurso da utopia e com a escatologia. Elas são sempre um discurso de esperança para o futuro, que não é “mais além” e sim um processo histórico em direção ao futuro realizável e esperançoso no Deus-homem Jesus e suas promessas.

II. O atual interesse pela utopia de More.
A utopia de More como vimos é uma esperança aberta ao futuro e por isso torna-se, hoje, um símbolo poderoso, sobretudo quando o homem descobre que não é somente homo faber e homo sapiens, mas que é também homo utopicus, isto é, que tem esperanças, ideais, sonhos e que está aberto ao transcendente.
Anteriormente as diversas propostas de um ser humano melhor, que vivesse num mundo mais perfeito carregavam sempre um tom de retrospectiva idealizada num estado original do homem. Nesta linha apresentam Platão, Tommaso Campanella e Francis Bacon e alguns mitos sagrados (paraíso bíblico). A novidade de More é que seu estado ideal nasce do resultado do esforço ético do homem.[1] A utopia de More é antes de tudo secularização da concepção de céu e não um retorno ao paraíso terrestre. [2] A utopia de More é a auto-realização consciente de tipo de comunidade humana ideal, mas não inatingível, que ultrapassou a fase do individualismo. E é assim que essa utopia representa um autêntico passo a frente no caminho da auto-realização do homem. Assim a utopia de More ajuda a colocar a escatologia não mais como algo do para depois da morte ou um retorno ao passado primeiro, mas como prenúncio do novo sentido de responsabilidade cristã em fase do mundo. Desta forma o escaton não é alienação e sim tensão entre ser e porvir. O teólogo não deve aceitar a afirmação de que o desejo de felicidade futura aliena o homem de si mesmo.
A verdadeira força da utopia consiste em que esta não se contenta com o status quo, e estimula a energia progressiva, que não pode ser detida pelo sentido de tragédia da realidade humana. Caso a história tenda a transformar-se em história da salvação, tal transformação não poderá nunca ser levada a cabo por meio da imitação da história passada, mas sim por práxis cristã a exercer sobre a história futura.
III. Alguns fenômenos presentes na utopia.
A superioridade de uma utopia reside no seu caráter evocativo e no estímulo que ela trás ao homem em trabalhar para transformar seu presente em vista de um futuro melhor. Todavia esse mesmo dinamismo é também seu ponto fraco, pois quando uma utopia se reduz a ideologia perde sua influência estimulante de desejo do seu objeto. Uma constatação perigosa é que a utopia é por natureza, vaga, ou seja, não está presa a um momento histórico, logo constantemente ameaçada pelas ideologias.
A ideologia possui uma convicção fundamentada na realidade, mas que só existe enquanto desejo de satisfação de interesses próprios. Já a utopia só é funcional, ou seja, somente ganha sentido de existir enquanto é ficção literária, visão utópica não é medida ou comensurada por uma realidade delimitada. Quando a ideologia invade a utopia o utopista torna-se um fanático, um alienado, um fundamentalista, pois colocará em ação todos os meios possíveis para realizar um ideal impossível (ex. a utopia ideologia marxista com o ideal do ser humano puramente produtivo; e o cristianismo com o ideal do ser humano puramente espiritual ). Os conceitos, paraíso, céu, povo de Deus, e seus contrários, deserto, inferno, pagãos, têm existência real nas utopias, mas tornam-se irreais quando neles se infiltram ideologias.
IV. A utopia e seu aspecto sócio-político.
É impossível separar os conteúdos sociais e políticos de qualquer utopia. Toda utopia traz um sonho de transformação social e política das estruturas; toda utopia é sempre uma tentativa de mudança de vida concreta, sem, no entanto se prendar a uma realidade isolada. A utopia é perigosa à ordem dominante porque implica sempre uma reação negativa a tudo que existia até aí, propondo-se criar uma nova ordem na qual os elementos atuais sejam eliminados (por isso no futuro nascerá novo céu e nova terra e não uma restauração das coisas antigas; nascerá uma nova criatura). O utopista de More deseja criar uma nova sociedade onde desapareçam o mal, o medo e as diferenças; onde o homem no seu conceito tornar-se-iá um ser puramente social.
V. A função positiva da utopia.
A utopia não se prende a uma realidade geográfica e cultural reduzida ou específica, ela ultrapassa qualquer esfera quantitativa. A grande contribuição da utopia é abrir caminhos à esperança. A função positiva da utopia, portanto, deverá ser procurada, antes de tudo, na alteração qualitativa do modo como o homem concebe o futuro. Uma esperança deliberada e consciente toma o lugar da esperança vaga e inconsciente desse futuro. Tudo isso somente acontece porque a utopia não é conceitualismo vazio, mas ação, prática responsável em vista do futuro.
VI. Qual o significado da utopia na teologia.
Primeiramente que o conceito de utopia sendo assim uma ação histórica em vista do futuro melhor e mais justo, coincide com as grandes utopias cristã e judaica, de um reino de justiça, paz e amor. As utopias judaico-cristãs ganham um fundo todo especial, pois elas exigem não ser reduzidas a arqueologias religiosas, e reivindicam seu lugar nas grandes questões da humanidade hodierna.
A reflexão da utopia na teologia comporta uma primeira conseqüência, pois a partir dessa relação não se pode mais pensar na escatologia como um retorno ao passado, uma volta ao paraíso primitivo; os novíssimos são um futuro aberto no presente.
Outra questão que a utopia acarreta à teologia consiste na efetivação de uma ética que permita ao homem realizar na sua própria pessoa essa esperança futura. A utopia gera uma exigência que consiste em começar a desenhar aqui e agora a esperança futura. Uma exteriorização da fé sem um progresso ético-moral, político-social é esperança vaga ou cega. Uma escatologia sem raízes na realidade concreta torna-se um fetiche e não atinge o homem contemporâneo. O poder convincente de uma utopia não é o paradisíaco e sim a unidade entre aquilo que se espera e a realização daquilo que se espera. Em outras palavras viver já na terra, na vida diária, aquilo que nossa esperança almeja plenamente no futuro.
[1] É claro de que para nós cristãos o Escaton não é somente fruto do ético, mas ação de Deus realizada na encarnação do Deus-homem Jesus. A Ressurreição e Glorificação são o sim de Deus ao futuro da humanidade. O escatológico neste sentido não é um idealismo vago e sem meta. Nossa segurança é a certeza do Deus vivo que ressuscitou e glorificou a Jesus de Nazaré. A carne assumida e glorificada pela ressurreição aponta ao futuro aberto, que já iniciou na vida de Cristo e deverá transparecer na vida concreta das comunidades escatológicas.
[2] Na própria bíblia também vemos desenvolvimento da utopia, pois de no Genesis fala-se do paraíso com saudosismo, já no Apocalipse se anuncia a utopia de novos céus e nova terra.

Homilia da missa de Ramos.

A oferenda de sacrifício a Deus parece constituir, em todos os povos, a expressão mais significativa do senso religioso do homem. Despojando-se de tudo que lhe pertence por conquista ou por trabalho, o homem reconhece que tudo pertence a Deus e lho restitui em agradecimento. E quando uma parte do que foi sacrificado é comido pelos ofertantes, então estabelece-se uma comunhão simbólica entre Deus e os comensais, uma participação da mesma vida. Assim na eucaristia ao participarmos da mesma mesa e comermos e bebermos do mesmo pão e vinho ofertados a Deus, nós participamos da mesma experiência divina. Por isso mesmo, os profetas nos lembram que Deus só aceita as ofertas e sacrifícios se são acompanhados de uma atitude interior de humildade, de oferta espiritual de si mesmo, de reconhecimento da própria e radical pobreza e da necessidade de libertação que nós sozinhos não podemos obter, mas podemos invocar e esperar de Deus.
A primeira leitura nos mostra que pela humildade o servo oferece o sacrifício mais agradável e aceitável para Deus. Esta atitude do “pobre de Javé”, que confia em Deus e nele espera faz crer que ele não abandona nunca quem nele põe sua vida. O servo reconhece sua inteira dependência de Deus que lhe dá língua adestrada para tudo falar sem nada temer, que lhe faz suportar os ultrajes e sofrimentos para salvar o mundo. É essa atitude de fidelidade que devemos buscar em Jesus Cristo que não desviou o rosto de socos e cusparadas, mas ao contrário permaneceu com o rosto impassivo. Sigamos ao Senhor que caminha livremente para Jerusalém, ele que desceu do seu por nossa causa. Prostrados que estávamos por nossos pecados, o servo de Deus por sua obediência e humilhação fez-nos elevar muito acima de nossa condição. Pela obediência e amor, Deus exaltará e glorificará o seu Servo acima de todo nome e poder. Portanto, quem aprender como servo a esvaziar-se a si mesmo será enriquecidos de todos os bens porque aprenderá que tudo provem de Deus. São Gregório de Nazianzo nos convida a imolarmo-nos a Deus, a oferecermo-nos a ele cada dia, por meio de nossas ações. Seja mos como o Simão Cireneu que toma a Cruz e segue o caminho de Jesus. Apresemo-nos como as mulheres a sermos as primeiras a encontrar Jesus ressuscitado e a proclamar a boa nova da esperança. O caminho para isso, ensina-nos, hoje, o Servo de Javé: humilhamo-nos e busquemos ser servo e pobre diante de Deus.
Neste sentido, a pobreza radical é sempre aquela da imitação de Cristo que sendo rico se fez pobre para nos enriquecer que não fez do seu ser igual a Deus um caminho de soberba, mas humilhou-se a si e se fez servos para salvar a todos. Eis, o milagre da fé: o Deus criador por amor de nós, escolheu morrer para nos dar vida, passar pela humilhação da morte a vermos mortos para Deus. Ele é nossa esperança e nossa força. Nele e por ele a Igreja aprende que para levar seus irmãos a Deus é necessário torna-se pequena e humilde. A simplicidade é a dama que nos conduz a Deus: despojemo-nos do orgulho que atrapalha ver e ser um sinal de Cristo para os irmãos. Como nos ensina Santo André de Creta: “acompanhemos o Senhor que corre apressadamente para sua Paixão e imitemos os que foram ao seu encontro. Não para estendermos à sua frente, no caminho, ramos de oliveira ou palmas, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos a seus pés, com humildade e retidão de espírito, a fim de recebermos o Verbo de Deus que se aproxima, e acolhermos aquele Deus que ligar algum pode conter.
Portanto, em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de folhagem que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo. Revestidos de sua graça ou melhor revestidos dele próprio prostremo-nos aos seus pés como mantos estendidos.

A teologia da Cruz segundo o Papa Bento XVI


Na experiência pessoal de São Paulo há um dado incontestável: enquanto no início fora um perseguidor e recorrera à violência contra os cristãos, a partir do momento da sua conversão no caminho de Damasco passara do lado de Cristo crucificado, fazendo dele a sua razão de vida e o motivo da sua pregação. A sua existência foi inteiramente consumida pelas almas (cf. 2 Cor 12, 15), nada tranquila nem protegida contra ameaças e dificuldades. No encontro com Jesus, tornou-se-lhe claro o significado central da Cruz: compreendera que Jesus tinha morrido e ressuscitado por todos e por ele mesmo. Ambas as realidades eram importantes; a universalidade: Jesus morreu realmente por todos; e a subjectividade: Ele morreu também por mim. Portanto, na Cruz manifestou-se o amor gratuito e misericordioso de Deus. Paulo experimentou este amor em si mesmo (cf. Gl 2, 20) e, de pecador, tornou-se crente; de perseguidor, Apóstolo. Dia após dia, na sua nova vida, experimentava que a salvação era "graça", que tudo derivava da morte de Cristo, e não dos seus méritos, que de resto não existiam. Assim, o "Evangelho da graça" tornou-se para ele o único modo de compreender a Cruz, o critério não somente da sua nova existência, mas também a resposta aos seus interlocutores. Entre eles havia, em primeiro lugar, os judeus que depositavam a própria esperança nas obras e delas esperavam a salvação; depois, havia os gregos, que à cruz opunham a sua sabedoria humana; finalmente, havia aqueles grupos de hereges, que tinham formado uma sua ideia do cristianismo segundo o seu próprio modelo de vida.
Para São Paulo a Cruz tem um primado fundamental na história da humanidade; ela representa o ponto focal da sua teologia, porque dizer Cruz significa dizer salvação como graça concedida a cada criatura.
O tema da Cruz de Cristo torna-se um elemento essencial e primário da pregação do Apóstolo: o exemplo mais claro diz respeito à comunidade de Corinto. Diante de uma Igreja onde estavam presentes de modo preocupante desordens e escândalos, onde a comunhão era ameaçada por partidos e divisões internas que debelavam a unidade do Corpo de Cristo, Paulo apresenta-se não com sublimidade de palavras ou de sabedoria, mas com o anúncio de Cristo, de Cristo crucificado. A sua força não é a linguagem persuasiva mas, paradoxalmente, a debilidade e a trepidação de quem se confia ao "poder de Deus" (cf. 1 Cor 2, 1-4). Por tudo aquilo que representa e portanto também pela mensagem teológica que contém, a Cruz é escândalo e loucura. O Apóstolo afirma-o com uma força impressionante, que é bom ouvir das suas próprias expressões: "Porque a linguagem da Cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas poder de Deus para os que se salvam, isto é, para nós... aprouve a Deus salvar os fiéis por meio da loucura da pregação. Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos buscam a sabedoria, nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos" (1 Cor 1, 18-23).
As primeiras comunidades cristãs, às quais São Paulo se dirige, sabem muito bem que Jesus já ressuscitou e está vivo; o Apóstolo quer recordar não apenas aos Coríntios ou aos Gálatas, mas a todos nós, que o Ressuscitado é sempre Aquele que foi crucificado. O "escândalo" e a "loucura" da Cruz encontram-se precisamente no facto de que onde parece existir somente falência, dor e derrota, exactamente ali está todo o poder do Amor ilimitado de Deus, porque a cruz é expressão de amor, e o amor é o verdadeiro poder que se revela precisamente nesta aparente debilidade. Para os judeus, a Cruz é skandalon, ou seja, armadilha ou pedra de tropeço: ela parece impedir a fé do israelita piedoso, que tem dificuldade de encontrar algo de semelhante nas Sagradas Escrituras. Aqui, com não pouca coragem, Paulo parece dizer que a aposta é extremamente elevada: para os judeus, a Cruz contradiz a própria essência de Deus, que se manifestou mediante sinais prodigiosos. Portanto, aceitar a Cruz de Cristo significa realizar uma profunda conversão no modo de se relacionar com Deus. Se para os judeus o motivo da rejeição da Cruz se encontra na Revelação, ou seja, a fidelidade ao Deus dos Pais, para os gregos, ou seja os pagãos, o critério de juízo para se opor à Cruz é a razão. Com efeito, para estes últimos a Cruz é morta, loucura, literalmente insipiência, isto é, um alimento sem sal; por conseguinte, mais que um erro, é um insulto ao bom senso.
Em várias ocasiões, o próprio Paulo fez a amarga experiência da rejeição do anúncio cristão julgado "insipiente", desprovido de relevância, nem sequer digno de ser considerado no plano da lógica racional. Para quem, como os gregos, via a perfeição no espírito, no pensamento puro, já era inaceitável que Deus pudesse tornar-se homem, imergindo-se em todos os limites do espaço e do tempo. Além disso, era decididamente inconcebível acreditar que um Deus pudesse acabar numa Cruz! E vemos como esta lógica grega é também a lógica comum do nosso tempo. O conceito de apátheia, indiferença, como ausência de paixões em Deus, como poderia compreender um Deus que se tornou homem e foi derrotado, e que depois chegaria mesmo a resgatar o seu corpo para viver como ressuscitado? "Ouvir-te-emos falar sobre isto mais uma vez" (Act 17, 32), disseram com desprezo os atenienses a Paulo, quando ouviram falar de ressurreição dos mortos. Julgavam uma perfeição o libertar-se do corpo, concebido como prisão; como não considerar uma aberração o resgate do próprio corpo? na cultura antiga não parecia existir espaço para a mensagem do Deus encarnado. Todo o acontecimento "Jesus de Nazaré" parecia ser caracterizado pela mais total insipiência e, sem dúvida, a Cruz era o seu ponto mais emblemático.
Mas por que fez São Paulo precisamente disto, da palavra da Cruz, o ponto fundamental da sua pregação? A resposta não é difícil: a Cruz revela "o poder de Deus" (cf. 1 Cor 1, 24), que é diferente do poder humano; com efeito, revela o seu amor: "O que é considerado como loucura de Deus é mais sábio que os homens, e o que é tido como debilidade de Deus é mais forte que os homens" (Ibid., v. 25). A séculos de distância de Paulo, nós vemos que na história venceu a Cruz e não a sabedoria que se opõe à Cruz. O Crucifixo é sabedoria, porque manifesta verdadeiramente quem é Deus, ou seja, poder de amor que chega até à Cruz para salvar o homem. Deus serve-se de modos e de instrumentos que para nós, à primeira vista, parecem debilidade. O Crucifixo releva, por um lado, a debilidade do homem e, por outro, o verdadeiro poder de Deus, ou seja, a gratuidade do amor: precisamente esta total gratuidade do amor é a verdadeira sabedoria. São Paulo fez esta experiência até na sua carne, e disto dá-nos testemunho em várias fases do seu percurso espiritual, que se tornaram pontos de referência específicos para cada discípulo de Jesus: "Ele disse-me: basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que a minha força se revela plenamente" (2 Cor 12, 9); e ainda. "Deus escolheu o que é fraco, segundo o mundo, para confundir o que é forte" (1 Cor 1, 27). O Apóstolo identifica-se a tal ponto com Cristo que também ele, embora se encontre no meio de muitas provações, vive na fé do Filho de Deus que o amou e se entregou pelos pecados dele e de todos (cf. Gl 1, 4; 2, 20). Este dado autobiográfico do Apóstolo torna-se paradigmático para todos nós.
São Paulo ofereceu uma síntese admirável da teologia da Cruz na segunda Carta aos Coríntios (5, 14-21), onde tudo está contido em duas afirmações fundamentais: por um lado Cristo, que Deus tratou como pecado em nosso benefício (v. 21), morreu por todos (v. 14); por outro, Deus reconciliou-nos consigo, sem atribuir a nós as nossas culpas (cf. vv. 18-20). É deste "ministério da reconciliação" que toda a escravidão já foi resgatada (cf. 1 Cor 16, 20; 7, 23). Aqui aparece como tudo isto é relevante para a nossa vida. Também nós temos que entrar neste "ministério da reconciliação", que supõe sempre a renúncia à própria superioridade e à opção da loucura do amor. São Paulo renunciou á própria vida, entregando-se totalmente a si mesmo pelo ministério da reconciliação, da Cruz que é salvação para todos nós. E também nós devemos saber fazer isto. Podemos encontrar a nossa força precisamente na humildade do amor, e a nossa sabedoria na debilidade de renunciar para entrar assim na força de Deus. Todos nós devemos formar a nossa vida sobre esta verdadeira sabedoria: não viver para nós mesmos, mas viver na fé naquele Deus, de quem todos nós podemos dizer: "Amou-me e entregou-se por mim!".

A PÁSCOA DOS CRISTÃOS:

Jesus veio para nos LIBERTAR DE TODO TIPO DE ESCRAVIÃO. Ele nos quer livres e libertando os outros de todo tipo de mal: doença, dor, fome, ignorância, falta de moradia, egoísmo, pecado. Jesus quer que vivamos a aliança definitiva com Deus no amor ao próximo. Para nos ajudar a vivermos como cristãos verdadeiros no dia-a-dia dentro de casa, na escola, no trabalho, Jesus quer que participemos da refeição pascal: A MISSA. Nela Ele mesmo nos alimenta e nos fortalece com a sua palavra, na Bíblia, no Pão e vinho Consagrados, na amizade dos cristãos.
Participando da Missa, que é nossa Páscoa Semanal, nos tornamos cada vez mais preparados para fazer o mundo melhor e enfrentar as ciladas do inimigo. Podemos dizer que o cristão vive a Páscoa quando: Liberta-se da escravidão do homem sobre o homem; quando promove a justiça, a fraternidade, a solidariedade. Libertando-se do pecado ele sai da situações de morte, passando a construir uma vida onde apresente-se os sinais do ressuscitado.
Por isso, quando dizemos Feliz Páscoa a alguém desejamos que todos passem da escravidão do pecado para a liberdade da vida cheia de amor, alcançando a felicidade com Jesus Ressuscitado, o libertador. Os sinais que acompanha os libertados pela páscoa são: FRATERNIDADE: o cristão que de fato é verdadeiro, vive como irmão do outro na Aliança de Amizade, tratando-o em Cristo Jesus como irmão. COMUNIDADE: a Páscoa reúne os que vivem segundo Jesus Ressuscitado. Procurar construir comunidade em casa, na escola, no trabalho, é sinal de que vivemos dia a dia a Páscoa. LIBERTAÇÃO: Se Jesus libertou o cristão, ele precisar viver como libertado. Tudo isso é sinal que entendemos e vivemos em nossa vida e conseqüentemente em nossa família a verdadeira páscoa. Por fim a MISSA é o maior sinal da ressurreição: aquele que por nós morreu se faz no altar pão para nos saciar e nos fortalecer na caminhada. Por isso é que, todos os domingos celebramos na Missa a Páscoa, Ressurreição de Jesus, vitória de Jesus sobre a morte. E não só aos domingos, pois toda Missa é Páscoa. Daí, então, a necessidade de vivermos a Missa em profundidade, fazendo dela um Memorial permanente da nossa salvação. Participar da MISSA é mergulhar no mistério salvador de Jesus e viver já aqui a graça da salvação.

O Amor, a Graça e a Misericórdia de Deus

Deus é Amor
Vejamos o primeiro ponto: Deus é amor. Isso está registrado em 1 João 4:16. Aqui não diz que Deus ama. Tampouco diz que Deus poderia amar ou que Deus pode amar ou que Deus amou ou amará. Pelo contrário, diz que Deus é amor. Que significa dizer que Deus é amor? Significa que o próprio Deus, Sua natureza e Seu ser, é amor. Se pudéssemos dizer que Deus tem uma substância, então a substância de Deus é amor.
A maior revelação da Bíblia é que Deus é amor. Essa é a revelação de que o homem mais necessita. O homem tem muitas suposições e teorias sobre Deus. Ponderamos todo o tempo sobre que tipo de Deus nosso Deus é, que tipo de coração nosso Deus tem, quais as Suas intenções com relação ao homem, a que Ele é semelhante. Você pode perguntar a alguém sobre a idéia dele a respeito de Deus, e ele lhe dará o seu conceito. Ele achará que Deus é desse ou daquele tipo de Deus. Todos os ídolos no mundo e todas as imagens feitas pelo homem são produto da imaginação do homem, que acha que Deus é um Deus aterrador ou um Deus severo. Ele concebe Deus desta ou daquela maneira. O homem está sempre tentando analisar e investigar a que Deus se assemelha. A fim de corrigir as diferentes suposições que o homem tem sobre Deus, Ele se manifesta na luz do evangelho e mostra ao homem que Ele não é um Deus inacessível ou inatingível.
Afinal, Deus é o quê? Deus é amor. Esta afirmação não estará clara para você a menos que eu dê uma ilustração. Suponha que exista aqui uma pessoa paciente. A paciência está ali, aconteça o que acontecer, não importando quão difíceis ou quão más sejam as condições. Não podemos dizer que tal pessoa tenha agido pacientemente; o advérbio pacientemente não pode ser usado para descrevê-la. Nem podemos dizer que ela seja paciente, usando um adjetivo. Devemos dizer que ela é a própria paciência. Talvez não nos refiramos a ela pelo seu nome. Em vez disso, às ocultas, poderíamos dizer que a Paciência chegou ou que a Paciência falou. Ao dizermos que Deus é amor, queremos dizer que amor é a natureza de Deus; Ele é amor de dentro para fora. Portanto, não diríamos que Deus é amoroso, usando um adjetivo ou que Deus ama, usando um verbo. Pelo contrário, diríamos que Deus é amor, aplicando o substantivo a Ele.
Em nosso amigo Paciência não conseguimos encontrar precipitação; ele é a própria paciência; não é apenas paciente. Ele é simplesmente um amontoado de paciência. Você acha que nessa pessoa poderia haver precipitação? Poderia ele perder a calma? Poderia ele trocar palavras ásperas com os outros? É impossível que ele tome tais atitudes, pois em sua natureza não existe o elemento para fazê-las. Não há algo como mau humor em sua natureza. Não há algo como precipitação em sua natureza. Ele é simplesmente a paciência.
O mesmo ocorre com Deus, que é amor. Deus como amor é a maior revelação na Bíblia. Para todo cristão, a maior coisa a saber na Bíblia é que Deus é amor. Para Deus é impossível odiar. Se Deus odiar, não apenas terá um conflito com quem quer que Ele odeie, mas também terá um conflito Consigo mesmo. Se Deus odiasse qualquer um de nós aqui hoje, Ele não teria problema só com essa pessoa; Ele teria problema Consigo mesmo. Deus teria de criar um problema Consigo mesmo antes que pudesse odiar ou fazer algo de maneira que não fosse em amor. Deus é amor. Embora essas três palavras sejam muito simples, elas nos dão a maior revelação. A natureza de Deus, a essência da vida de Deus, é simplesmente o amor. Ele não pode fazer nada de outra maneira. Ele ama e, ao mesmo tempo, Ele é amor.
Se você é um pecador, pode estar querendo saber o que deve fazer antes que Deus venha amá-lo. Muitas pessoas não conhecem o pensamento de Deus para com elas. Elas desconhecem o que Deus está pensando ou que intenções Ele tem. Muitos acham que deveriam fazer algo ou sofrer ou ser muito conscienciosos antes que pudessem agradar a Deus. Entretanto, somente os que estão em trevas e que não conhecem a Deus pensam dessa forma. Se não houvesse evangelho, você seria capaz de pensar assim. Mas, agora que o evangelho está aqui, você não pode mais pensar dessa maneira, pois o evangelho diz-nos que Deus é amor.
Nós, seres humanos, somos apenas ódio. É extremamente difícil amarmos. Para Deus é igualmente difícil odiar. Você pode achar que é difícil amar e que não sabe como amar os outros. Mas é impossível Deus odiar. Você não tem jeito para amar e Deus não tem jeito para odiar. Deus é amor, e odiar para Ele é agir contrariamente à Sua natureza, o que é impossível que Ele faça.

Deus Amou o Mundo de Tal Maneira
Isso não é tudo. O próprio Deus é amor, mas quando esse amor é aplicado a nós, descobrimos que “Deus amou ao mundo de tal maneira” (Jo 3:16). “Deus é amor” fala da Sua natureza, e “Deus amou ao mundo de tal maneira” fala da Sua ação. O próprio Deus é amor; portanto, aquilo que provém Dele deve ser amor. Onde há amor, deve também haver o objeto daquele amor. Após mostrar-nos que Ele é amor, Deus imediatamente nos mostra que Ele ama ao mundo. Deus não somente nos amou, mas também enviou Seu amor. Deus não podia deixar de enviar Seu amor. Ele não podia deixar de amar ao mundo. Aleluia!
O maior problema que o mundo tem é pensar que Deus sempre nutre más intenções contra o homem. O homem acha que Deus faz exigências severas, e que é rigoroso e mesquinho. Uma vez que o homem tem dúvidas quanto ao amor de Deus, ele também duvida que Deus amou ao mundo. Contudo, uma vez que Deus é amor, Ele ama ao mundo. Se a Sua natureza é amor, Ele não pode portar-se em relação ao homem de nenhum outro modo a não ser em amor. Ele sentir-se-ia desconfortável se não amasse. Aleluia! Isso é um fato! Deus é amor. Ele não pode fazer nada a não ser amar. Deus é amor, e o que se segue espontaneamente é que Deus amou ao mundo.
Podemos culpar-nos por nossos pecados, por sermos suscetíveis à tentação de Satanás, por sermos enredados pelo pecado. Mas não podemos duvidar do próprio Deus. Você pode responsabilizar-se por cometer um pecado, por ter falhado, por sucumbir à tentação. Contudo, se duvida do coração de Deus para você, não estará agindo como um cristão, pois duvidar do coração de Deus para você é contradizer a revelação do evangelho.
Não posso afirmar que você jamais fracassará novamente. Tampouco posso afirmar que não mais pecará. Talvez você fracasse e peque novamente. Mas, por favor, lembre-se de que você falhar ou pecar é uma coisa, mas o coração de Deus para você é outra. Você nunca deve duvidar do sentimento de Deus simplesmente porque falhou ou pecou. Embora possa pecar, falhar, Deus não muda Sua atitude com você, pois Deus é amor e Ele ama ao mundo. Isso é um fato imutável na Bíblia.
Do nosso lado mudamos e transformamo-nos. Mas pelo lado do amor de Deus, não há mudança. Muitas vezes o seu amor pode mudar ou tornar-se frio. Contudo, isso não significa que o amor de Deus é afetado. Se Deus é amor, não importa como você O teste, o que provém Dele é invariavelmente amor. Se houver um pedaço de madeira aqui, não importa como o golpeie, você sempre obterá o som de madeira. Se golpeá-lo com um livro, ele lhe dará o som de madeira. Se golpeá-lo com a palma da mão, ainda assim ele dará a você o som de madeira. Se golpeá-lo com outro pedaço de madeira, ele novamente lhe dará o som de madeira. Se Deus é amor, não importa como você O “golpeie” — rejeitando-O, negando-O ou deixando-O de lado — Ele ainda é amor. Uma coisa é certa: Deus não pode negar a Si mesmo; Ele não pode contradizer-se. Uma vez que somos o próprio ódio, é absolutamente natural que odiemos. E uma vez que Deus é amor, é absolutamente natural que Deus ame. Ele não pode mudar a própria natureza. E uma vez que a natureza de Deus não pode ser mudada, Sua atitude com você não pode ser mudada. Dessa forma vemos que Deus ama ao mundo.

A Expressão do Amor de Deus
O assunto todo termina com Deus amando ao mundo? “Deus é amor” fala da natureza de Deus; fala do próprio Deus. “Deus amou ao mundo de tal maneira” fala da ação de Deus. Mas o amor de Deus para conosco tem uma expressão. Que é essa expressão do Seu amor? Romanos 5:8 diz: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores”. O amor de Deus tem uma expressão. Se amo uma pessoa e simplesmente lhe digo que a amo, esse amor ainda não está completo. A menos que o amor seja expresso, ele não é completo. Não existe amor no mundo que não tenha uma expressão. Se há amor, ele deve ser expresso. Se um amor não é expresso, não pode ser considerado como amor. O amor é muitíssimo prático. Ele não é vão e tampouco um simples assunto verbal. O amor é expresso por meio de ações. Se você põe uma bola sobre uma superfície desnivelada, pode estar certo que algo irá ocorrer; ela terminará por rolar abaixo. O mesmo ocorre com o amor. Você pode estar certo de que terá uma expressão.
Já que Deus ama ao mundo, Ele tem de estar preocupado com a necessidade do homem. Portanto, Ele deve fazer algo pelo homem. Somos pecadores. Não temos outra escolha senão ir para o inferno, e não há nenhum outro lugar para estarmos senão no lugar de perdição. Mas Deus nos amou, e Ele não estará satisfeito até que nos tenha salvado. Quando Deus diz: “Eu amo você”, Seu amor se aproximará para carregar todos os nossos fardos e remover todos os nossos problemas. Já que Deus nos ama, Ele deve prover uma solução ao problema de pecados; Ele deve prover a salvação que nós pecadores precisamos. Por essa razão, a Bíblia mostrou-nos este grandioso fato: O amor de Deus é manifestado na morte de Cristo. Uma vez que somos pecadores e incapazes de salvar a nós mesmos, Cristo veio morrer de modo a solucionar o problema do pecado por nós. Seu amor cumpriu algo substancial, e isso é posto diante de nós. Agora podemos ver Seu amor de uma forma substancial. Seu amor já não é meramente um sentimento. Ele tornou-se um ato totalmente manifestado.
Nessa grande questão do amor de Deus, devemos atentar para três coisas: a natureza do amor de Deus, a ação do amor de Deus e a expressão do amor de Deus. Agradecemos e louvamos a Deus! Seu amor não é somente um sentimento em Seu interior; é também uma ação e até mesmo uma expressão e manifestação. Seu amor fê-Lo realizar o que não podemos por nós mesmos. Uma vez que Ele é amor e amou ao mundo, a salvação foi produzida. Uma vez que o homem tem pecado e uma vez que Deus é amor, muitas coisas acontecem. Se você não é pobre, não terá necessidade de mim. Por outro lado, se eu não o amo, mesmo que você seja extremamente pobre, eu não me preocuparei. A situação hoje é que o homem pecou e Deus amou; portanto, coisas começam a ocorrer. Aleluia! muita coisa está acontecendo porque o homem pecou e Deus amou. Quando você reúne as duas coisas, o evangelho vem à existência.

A Graça de Deus
Contudo, irmãos e irmãs, o amor de Deus não pára aqui. Uma vez que Deus é amor, a questão da graça surge. É verdade que o amor é precioso, mas o amor deve ter sua expressão. Quando o amor é expresso, torna-se graça. Graça é amor expresso. O amor é algo em Deus. Mas quando esse amor vem até você, torna-se graça. Se Deus for somente amor, Ele é muito abstrato. Mas agradecemos ao Senhor porque embora o amor seja algo abstrato, com Deus ele é imediatamente transformado em algo concreto. O amor interior é abstrato, mas a graça exterior deu-lhe substância.
Por exemplo, você pode ter pena de um indigente, pode amá-lo e ter simpatia por ele. Mas se não lhe der comida e roupa, o máximo que você poderia dizer é que o ama. Não poderia dizer que você é graça para ele. Quando poderá dizer que tem graça para com ele? Quando lhe der um prato de arroz ou uma peça de roupa ou algum dinheiro, e quando a comida, roupa ou dinheiro o alcançar, seu amor torna-se graça. A diferença entre amor e graça reside no fato de que o amor é interior e graça é exterior. Amor é principalmente um sentimento interno, enquanto graça é um ato externo. Quando o amor é transformado em ação, torna-se graça. Quando a graça volta a ser sentimento, ela é amor. Sem o amor, a graça não pode vir à existência. A graça existe porque o amor existe.
A definição de graça não é apenas um ato de amor. Devemos acrescentar algo mais a isso. Graça é um ato de amor para com o necessitado. Deus ama ao Seu Filho unigênito. Mas não existe o elemento graça nesse amor. Ninguém pode dizer que Deus trata Seu Filho com graça. Deus também ama os anjos, mas isso tampouco pode ser considerado como graça. Por que não é graça o amor do Pai para com o Filho e o amor de Deus para com os anjos? A razão é que não há perdas ou faltas envolvidas. Há somente amor; não existe a idéia de graça. Somente quando há perdas e faltas, quando não existe maneira para resolvermos nossos problemas por nós mesmos, é que o amor torna-se real como graça. Visto que somos pecadores, somos os que têm problemas, e não temos como solucioná-los. Mas Deus é amor e Seu amor é manifestado a nós como graça.
Portanto, quando o amor flui no mesmo nível, ele é simplesmente amor. Mas quando ele flui para baixo, é graça. Por isso, os que nunca estiveram em uma situação miserável jamais podem receber graça. O amor também pode fluir para um nível mais elevado. Mas quando isso ocorre, não é graça. O amor também pode fluir entre níveis iguais. Quando isso ocorre, também não é graça. Somente quando o amor flui em direção inferior é graça. Se quer estar acima de Deus ou quer ser igual a Deus, você nunca verá o dia da graça. Somente os que estão abaixo de Deus podem ver o dia da graça. Isso é o que a Bíblia nos mostra acerca da diferença entre amor e graça.
Embora a Bíblia mencione o amor do Senhor Jesus, ela dá maior atenção à graça do Senhor Jesus. A Bíblia também fala da graça de Deus, mas ela dá maior atenção ao amor de Deus. Não estou dizendo que não existe o amor do Senhor Jesus e a graça de Deus na Bíblia. Mas a ênfase na Bíblia está no amor de Deus e na graça do Senhor Jesus. Como foi que Paulo saudou a igreja em Corinto? “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2 Co 13:13). Você não pode mudar a sentença para ler: “A graça de Deus, e o amor do Senhor Jesus Cristo, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós”. Você não pode fazer isso, porque a ênfase da Bíblia está no amor de Deus e na graça do Senhor Jesus. Por que é assim? Porque foi o Senhor Jesus quem cumpriu a salvação. Foi Ele quem concretizou o amor e efetuou a graça. O amor de Deus tornou-se graça por meio da obra do Senhor Jesus. Portanto, a Bíblia diz-nos que a lei foi dada por intermédio de Moisés, mas a graça veio por meio de Jesus Cristo (Jo 1:17).

A Misericórdia de Deus
Agradecemos ao Senhor porque no amor de Deus não há apenas a graça, há também outro grande item: a misericórdia de Deus. A Bíblia também dá muita ênfase à misericórdia. Mas temos de admitir que misericórdia é mais precisamente uma palavra do Antigo Testamento, da mesma forma que graça é do Novo Testamento. Isso não significa que você não encontrará misericórdia no Novo Testamento. Mas se tiver uma referência ou uma concordância bíblica, você encontrará misericórdia muito mais freqüentemente no Antigo Testamento. Misericórdia é algo do Antigo Testamento, assim como graça é algo do Novo Testamento.
O canal para o amor fluir é ou a graça ou a misericórdia. Misericórdia é para questões negativas, enquanto graça é para questões positivas. Misericórdia está relacionada com a condição presente, e graça está relacionada com a condição futura. Misericórdia fala da pobreza da nossa condição presente, e graça fala da condição radiante em que você será salvo no futuro. O sentimento que Deus tem para conosco quando somos pecadores é misericórdia. A obra que Deus realiza em nós para fazer-nos Seus filhos é graça. A misericórdia surge da nossa condição existente; graça surge da obra que iremos receber.
Não sei se você tem clareza disso. Suponha que haja uma pessoa necessitada aqui conosco. Você a ama e tem pena dela. Você se sente triste pela sua situação difícil. Se não a amasse, não sofreria nem se preocuparia com ela. Mas fazendo assim você está tendo misericórdia dela. Contudo, essa misericórdia é negativa. Sua misericórdia está na condolência pela condição atual dessa pessoa. Mas quando a graça é efetivada? Ela é efetivada na hora em que essa pessoa é resgatada da sua condição pobre para uma posição nova, para uma esfera nova e para um ambiente novo. Somente então seu amor por ela torna-se graça. É por isso que digo que misericórdia tem sentido negativo e é para hoje, enquanto graça tem sentido positivo e é para o futuro. O futuro de que estou falando é o futuro nesta era, e não o futuro na era vindoura. Não quero dizer que o Antigo Testamento fale somente sobre misericórdia. O Antigo Testamento também fala sobre graça. Não é verdade que não precisamos mais de misericórdia. Não, nós ainda precisamos da misericórdia. Deus foi misericordioso na época do Antigo Testamento, porque Sua obra ainda não estava completa naquela época. Portanto, o Antigo Testamento estava repleto de misericórdia. Deus mostrou misericórdia por quatro mil anos. Mas hoje, na era do Novo Testamento, temos graça porque o Senhor Jesus cumpriu Sua obra. Ele veio para carregar nossos pecados. Portanto, o que recebemos hoje não é misericórdia, mas graça. Aleluia! Hoje não é dia da misericórdia, mas da graça.
Se houvesse apenas misericórdia, poderíamos ter somente esperança. No Antigo Testamento, havia apenas esperança; portanto, o Antigo Testamento fala de misericórdia. Mas agradecemos ao Senhor, hoje obtivemos o que era esperado. Não há necessidade de esperarmos mais.
A misericórdia vem do amor e resulta em graça. Se a misericórdia não viesse do amor, ela não resultaria em graça. Uma vez que ela se origina no amor, ela chega à graça. Nos Evangelhos há o relato de um cego recebendo visão (Mc 10:46-52). Ao encontrar o Senhor, ele não disse: “Senhor, ama-me!” ou “Senhor, sê benévolo para comigo!” Pelo contrário, ele disse: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” (v. 48). Ele pediu misericórdia por causa da sua situação presente, da sua dificuldade presente e da sua dor presente. Ele sabia que se o Senhor Jesus se compadecesse dele, Ele não se limitaria a mostrar-lhe misericórdia; Ele certamente faria algo.
No Novo Testamento, há também alguns lugares em que a misericórdia é mencionada. Na maioria dos casos, a misericórdia é mencionada em referência à situação no momento. Alguém poderia perguntar: “Visto que o amor de Deus é tão precioso, por que precisa existir misericórdia? O amor é muito bom como fonte, e a graça é também muito boa como resultado. Por que, então, é necessária a misericórdia?” Porque o homem é necessitado. Não temos coragem de ir a Deus e pedir por Seu amor. Somos da carne e não conhecemos Deus suficientemente. Embora Deus se tenha revelado a nós na luz, ainda não ousamos achegar-nos a Ele. Sentimos que é impossível ir a Deus e pedir amor. Ao mesmo tempo, não possuímos fé suficiente para ir a Ele e pedir graça, dizendo-Lhe que precisamos de tal e tal bênção. Não temos como pedir o amor de Deus e não temos fé suficiente para pedir a graça de Deus.
Mas agradecemos ao Senhor. Não temos apenas amor e graça; também temos misericórdia. O amor é manifestado nesta misericórdia. Por Deus ser misericordioso, se você ouve o evangelho e ainda é incapaz de crer, você pode clamar: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” Você pode ter medo de pedir outras coisas, mas não precisa ter medo de pedir essa única coisa. Não ouso pedir ao Senhor que seja benévolo comigo. Não ouso pedir-Lhe que me ame. Mas posso pedir-Lhe que seja misericordioso para comigo. Por outras coisas não ousamos pedir. Mas podemos ser ousados para pedir misericórdia. Deus se alegra com isso. Deus colocou Seu amor entre nós para que tivéssemos o direito de vir a Ele. Contudo, se houvesse apenas amor, ainda nos sentiríamos atemorizados de vir a Deus. Uma vez que Deus também é misericordioso, somos capazes de vir a Ele. Não ouso pedir a Deus que me ame nem ouso pedir-Lhe que mostre graça. Mas posso pedir misericórdia a Deus. Posso ao menos pedir isso.
No ano passado conheci um homem que estava muito velho e sofria de séria enfermidade. Ao ver-me, chorou. Ele contou-me que não estava triste com Deus, mas sem dúvida estava com muita dor. Eu disse-lhe que deveria pedir a Deus para amá-lo e ser benévolo para com ele. Ele disse que não poderia fazer isso. Quando perguntei-lhe por que não, ele respondeu que por sessenta anos havia vivido para si mesmo e não para Deus. Agora que estava morrendo, ele se envergonharia de pedir que Deus o amasse e fosse bondoso para com ele. Se não tivesse estado tão distante de Deus, se tivesse se aproximado mais de Deus nas últimas poucas décadas, se tivesse desenvolvido certa afeição por Deus, teria sido mais fácil para ele pedir amor e graça. Mas por ter estado longe de Deus toda sua vida, como podia pedir a Deus que o amasse enquanto ele jazia em seu leito de morte? Não importando minha persuasão, ele não acreditaria em minhas palavras. Eu disse-lhe que Deus podia conceder-lhe graça, que Ele podia ser benévolo com ele e podia amá-lo. Mas ele simplesmente não conseguia crer nisso. Fui vê-lo muitas vezes, mas não pude convencê-lo. Então orei: “Ó Deus, eis aqui um homem que não crê em Ti, tampouco crê no Teu amor. Não tenho como ajudá-lo. Por favor, conceda-lhe um caminho na sua última hora”. Mais tarde senti que não deveria falar-lhe sobre graça nem sobre amor, mas somente sobre misericórdia. Com alegria fui até ele de novo e lhe disse: “Você deve esquecer-se de tudo agora. Esqueça-se do amor de Deus ou da graça de Deus. Você deve ir a Deus e dizer-Lhe: ‘Deus! estou sofrendo. Não tenho como prosseguir. Tem misericórdia de mim’”. Imediatamente ele concordou. E tão logo concordou, sua fé veio e ele orou: “Deus, agradeço-Te porque Tu és um Deus misericordioso. Estou fraco e sofrendo. Tem misericórdia de mim”. Aqui você vê uma pessoa sendo trazida à presença do Senhor. Ele percebeu sua situação carente e pediu misericórdia. Na sua presente condição, ele pediu a Deus que fosse misericordioso para com ele.
Agora vejamos alguns versículos. Efésios 2:4-5 diz: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos”. Paulo disse que Deus era rico em misericórdia por causa de algo. Esse algo é Seu grande amor com que nos amou. Sem amor não haveria misericórdia. Em que situação foi Ele misericordioso para conosco? Ele foi misericordioso para conosco quando estávamos mortos em nossos delitos. Aquilo teve a ver com nossa infeliz situação presente. Por estarmos mortos em pecados, Ele teve misericórdia de nós. Ele teve misericórdia de nós baseado em Seu amor por nós. Que acontece após a misericórdia? O versículo 8 prossegue dizendo-nos que Ele nos salvou pela graça. Portanto, a misericórdia foi-nos mostrada porque estávamos em uma situação de mortos em nossos delitos; então, a graça foi-nos dada para nossa salvação, indicando que recebemos uma nova posição e entramos numa nova esfera. Agradecemos a Deus porque não há somente amor e graça, mas também grandiosa misericórdia.
Em 1 Timóteo 1:13 Paulo diz: “A mim que noutro tempo era blasfemo e perseguidor e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade”. Paulo explica aqui como obteve misericórdia. O fato de obter misericórdia tinha muito a ver com a história de sua vida. Tinha a ver com o fato de ser ele um blasfemo, um perseguidor e uma pessoa insolente. Antes de ser salvo, ele estava na condição de blasfemo, perseguidor, insolente, ignorante e incrédulo. Enquanto estava em tal condição, Deus teve misericórdia dele. Assim, você pode ver que misericórdia tem a ver com as situações duras e difíceis do nosso passado. Graça, por outro lado, tem a ver com os aspectos positivos relacionados conosco. Os dois devem ser distintos e não devem ser considerados iguais.
Tito 3:5 diz: “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou”. Não há justiça em nós. Enquanto estávamos sem justiça e numa situação de sofrimento e sem esperança, Deus teve misericórdia de nós. Graças ao Senhor que existe a misericórdia! Vimos anteriormente que a misericórdia origina-se no amor e termina na graça. Quando a misericórdia se estende, somos salvos. Ele teve misericórdia de nós na condição em que estávamos, e como resultado fomos salvos.
Romanos 11:32 diz: “Porque Deus a todos encerrou na desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos”. Por que Deus encerrou a todos na desobediência? Foi para que pudesse mostrar misericórdia a todos. Deus permitiu que todos se tornassem desobedientes e encerrou a todos na desobediência, não com o propósito de fazê-los desobedientes, mas a fim de mostrar misericórdia para com todos. Após ter mostrado misericórdia, Seu próximo passo foi salvá-los. Portanto, a misericórdia tem a ver com sua condição, não a condição após você ter-se tornado um cristão, mas com a sua condição antes de ser salvo. Porém, graças a Deus que Ele não parou na misericórdia; com Ele há também a graça.
Existe um lugar na Bíblia que nos mostra claramente que nossa regeneração é proveniente da misericórdia. A Primeira Epístola de Pedro 1:3 diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos”. Toda a obra de Deus na graça foi planejada de acordo com Sua misericórdia em amor. Sua graça é dirigida por Sua misericórdia, e Sua misericórdia é dirigida por Seu amor. É segundo a Sua grande misericórdia que Deus nos regenerou para uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos. Assim sendo, tanto a regeneração como a viva esperança estão relacionadas com a misericórdia.
Por existir a misericórdia, existe a graça.
Judas 21 diz: “Guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna”. Este versículo mostra-nos que hoje devemos manter-nos no amor de Deus. Até que o Senhor venha novamente, isto é, até que Ele apareça a nós, devemos aguardar a Sua misericórdia para a vida eterna. Antes de sermos arrebatados, devemos aguardar a Sua misericórdia. Hoje, enquanto vivemos nesta terra, recebemos não apenas misericórdia, mas também graça. Agradecemos ao Senhor que fomos salvos e pertencemos a Deus, contudo ainda há um problema. O nosso corpo ainda não está redimido. Embora não sejamos mais do mundo, ainda estamos no mundo. É bom não pertencermos ao mundo, mas isso não é suficiente. Cedo ou tarde, os israelitas tiveram de deixar o Egito. Cedo ou tarde, Noé teve de deixar a arca para entrar no novo período. Cedo ou tarde, Ló teve de deixar Sodoma. E virá o dia em que os cristãos terão de deixar o mundo. Enquanto estou sendo atacado neste mundo, espero a misericórdia do Senhor Jesus. Enquanto estou sendo enredado pelo pecado neste mundo, espero a misericórdia do Senhor Jesus. Enquanto estou sendo esbofeteado por Satanás neste mundo, aguardo a salvação do Senhor. Assim, enquanto estamos vivendo nesta terra e mantendo-nos no amor de Deus, esperamos o dia em que o Senhor mostrará misericórdia a nós. Portanto, é ainda necessário que a Sua misericórdia esteja sobre nós. Temos de aguardar a Sua misericórdia até o dia de sermos arrebatados.
A Bíblia mostra-nos algo mais sobre misericórdia e graça. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, a palavra misericórdia é sempre precedida por mostrar ou por ter. Misericórdia é algo que é mostrado, e àqueles para os quais ela é mostrada diz-se que receberam misericórdia. Por que a Bíblia diz “mostrar misericórdia” em vez de “dar misericórdia”? Porque a misericórdia não requer o nosso fazer. Graça, por outro lado, requer algum feito. Quando obtemos graça, obtemos algo definido. Mas ao recebermos misericórdia, é somente um recebimento; tudo o que temos a fazer é receber.
Hebreus 4:16 exorta-nos a vir constantemente ao Senhor a fim de orar. Ao virmos orar diante do Senhor, recebemos misericórdia e achamos graça para socorro em ocasião oportuna. Algumas versões usam a expressão obter misericórdia. Mas na verdade, na linguagem original, a palavra não é obter. Obter é algo muito ativo. No grego, a palavra é mais passiva. Ela deveria ser traduzida para “receber”. Recebemos misericórdia e achamos graça. Que é receber? Receber significa que tudo está aqui; está sempre pronto para uso a qualquer tempo. Que é graça? Graça é algo que você tem de “achar”, pois é algo que Deus fará. Graça é algo positivo; é algo para ser elaborado. É por isso que se diz “receber” misericórdia e “achar” graça. Você pode ver que a Bíblia é muito clara acerca da misericórdia e da graça. Não há confusão entre ambas.

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